Por mais que fujamos do assunto, a morte é um tema central das tradições autênticas do trabalho interior, como a dos videntes toltecas do Antigo México a exemplo das outras tradições antigas genuínas como o budismo, cristianismo, islamismo, hinduismo, o judaísmo, o taoísmo, a egípcia, etc..
Aparentemente diferentes na forma exterior e ritos, para o observador atento, todas essas tradições revelam porém um eixo comum de pressupostos, conceitos e portanto da própria essência de que ele é formado. A idéia da morte sempre está presente no eixo do conceito das tradições de busca interior.
Qual será a razão? Porque uma idéia tão negativa, desconfortante e desafiadora para nós, é acatada por todas as tradições como tão importante? Mesmo a tradição cristã tinha um ritual chamado A Boa Morte, simulando concretamente o bardo da passagem de um estado para outro, como faz a Maçonaria e outras tradições, mas logo se apressaram a excluí-lo das práticas cristãs nas igrejas. É muito mais confortável violão na Missa. Muito mais maneiro, mais políticamente correto. Morte está fora de moda...
Uma perda, meus caros. Uma perda...
A visão tolteca da morte apresentada por Don Juan na obra de Castaneda, porém, dá indícios dessa importância e acrescenta pontos inesperados de compreensão a partir da nossa mente habitual.
Como aprendizes desta tradição, somos desafiados a não só encará-la de frente sem medos nem escapes mas, o que é mais desconcertante, devemos nos aproximar da Morte como uma amiga e conselheira!
Para um ocidental, que desconhece a impermanência das coisas, criado numa paisagem que valoriza o sucesso, a propriedade, o ter ao invés de ser, a idéia é inaceitável. É a antítese da vida. O avesso do avesso como diz o Caetano. O ocidental, porém, não percebe que esses valores comuns e corriqueiros reforçam a idéia de que eu sou imortal, de que a morte é sempre a dos outros e não a minha. No máximo ela me incomoda mais de perto quando leva um amigo, um parente próximo, mas em seguida estamos refeitos. Basta umas boas férias. E como "imortais que somos", nunca estamos preparados para o espetáculo da nossa morte individual, específica, pessoal como no Bardo Thodol, o livro da morte tibetano. Porque "imortal não tem que se preparar para nada, ora"... Nem aprendemos o que fazer nessa hora da passagem. Muito menos durante e depois.
Para o aprendiz tolteca, rompida essa barreira pela aproximação voluntária com a morte, somos instigados depois a usá-la consistente e disciplinadamente como instrumento crucial de despojamento rotineiro do ego e de desapego dos valores socialmente aprendidos. Só então poderemos abrir uma brecha na nossa estrutura cristalizada de hábitos, história pessoal e auto-importância de seres comuns. Isso é essencial para o aprendizado da liberdade.
É um desafio monumental.
Os 12 livros que compõem a obra de Castaneda, mais os três outros dos seus seguidores definem os contornos do conceito da morte na visão tolteca e fornecem visões sugestivas, contam fatos e feitos dos guerreiros, e nos jogam no meio de uma fogueira de idéias inesperadas e instigantes.
Castaneda disse uma vez a através de Armando Torres, índio descendente dos toltecas, bruxo e escritor, que a árvore da qual será construído o nosso caixão, provavelmente já foi cortada...já pensou nisso?
Don Juan dizia a Castaneda que não há poder que garanta que você vai viver mais um minuto. E que a sua morte individual está do seu lado esquerdo à distância de um braço. Aprenda a conversar com ela. Peça conselhos nas horas difíceis.
Na melhor das hipóteses, temos pouco tempo...então o que fazemos?