domingo, 20 de fevereiro de 2011

Brasileira entrevista Castaneda - 1996

Castaneda, Luz e Sombra

No final dos anos 60, surgiu o livro “A Erva do Diabo” (original -The Teachings of Don Juan). Puro xamanismo tolteca, foi escrito por Carlos Castaneda, um latino, estudante de Antropologia da UCLA – Universidade da California em Los Angeles. Ele foi pesquisar plantas de poder in loco e foi “fisgado” por um universo mágico, onde, o “brujo” Dom Juan, um índio yaqui de Sonora, México, lhe transmitiu um estranho ensinamento milenar sobre o homem e o universo. Tudo indica que D. Juan já “o esperava há anos” para encerrar uma linhagem milenar de xamãs e divulgar o segredo da tradição para o grande público, e a importância desse caminho de busca interior. Cartas marcadas pelos mistérios do Invisível.
Os livros venderam milhares de cópias, tornando-o famoso, mas o ensinamento, que seguiu à risca, previa uma disciplina contra a auto importancia (ego): apagar a sua história pessoal, fugir da mídia, não usufruir a fama, abandonar as rotinas de vida, não se expor. Por isso suas poucas entrevistas, como essa, são valiosas. A mídia americana, após endeusá-lo, não o perdoou por isso, e contribuiu juntamente com o FBI para apagá-lo persistentemente quando a juventude da época passou equivocadamente a considerá-lo, à sua revelia, como mais um ícone do movimento hippie de libertação, drogas e rock’n roll.
Castaneda seguiu à risca as orientações lançando cada vez mais sombra sobre a sua escassa biografia, embaralhando os dados da sua história.
Segundo reportagem da revista Time de 1973, Carlos Cesar Araña, seu verdadeiro nome, teria entrado nos Estados Unidos em 1951. E vinha da América Latina, nascido em Cajamarca no Perú em 1925, o que dá uma diferença de dez anos em sua incerta idade. Seu pai não seria um acadêmico como afirmava, mas um relojoeiro artesão chamado Cesar Araña Burungaray. Sua mãe Susana Castaneda Navoa teria morrido não quando ele tinha 6 anos, mas quando tinha 25.
Na entrevista que Castaneda concedeu a Patricia Aguirre, buscadora incansável dos ensinamentos de D. Juan, publicada  em 1996 na revista Mais Vida da EditoraTres, ele conta porém,  que ele nasceu no Brasil, em Juqueri (Cajamar), cidade próxima a São Paulo, em 1935. Patrícia checou se existe algum registro de seu nascimento na Comarca de Franco da Rocha, atual nome da cidade, e descobriu que até o destino parece conspirar a  favor do segredo: uma inundação apagou todo e qualquer vestígio de quem nasceu nessa cidade antes de 1949. Há outras poucas entrevistas que oportunamente publicaremos.
Questionar sobre a veracidade da minha vida, citando datas e registros, rouba a magia do mundo e afasta os marcos de todos nós”, alerta ele.

O curso desse aprendizado foi se transformando em 12 livros com muitos milhões de exemplares vendidos em todo o mundo. Carlos Castaneda tornou-se então um novo “nagual” (termo que define a função do xamã junto a seus iniciados) na linhagem de Dom Juan.
Sempre envolto em mistério, Castaneda desapareceu em meados dos anos 70. Seu contato com o mundo se dava apenas pelos livros, sendo que “A Arte do Sonhar”de 1993, saiu após 6 anos de um longo silêncio.
No entanto em 95, voltou à tona realizando workshops para transmitir o conhecimento adquirido pela longa e intensa convivência com o feiticeiro Dom Juan. Foi no seminário  realizado na Universidade de Los Angeles onde o “nagual” Castaneda estudou antropologia que minha amiga Patricia o entrevistou. Patricia relata que com extrema leveza e grande senso de humor, ele não parecia preocupado em vender imagem de guru nem de santo. Mas, coerente com uma as premissas dos ensinamentos que recebeu do xamã Dom Juan, fez questão de apagar a sua história pessoal, mantendo fora de alcance a sua vida privada. Mesmo assim conseguimos confirmar que, sim, o misterioso xamã e antropólogo, segundo o que disse, nasceu mesmo no Brasil.

A entrevista:

Patrícia Aguirre – Existem referências contraditórias sobre o local de seu nascimento, se foi no Perú ou no Brasil...
Carlos CastanedaEu nasci no Brasil, Em São Paulo, numa cidade chamada Juqueri. Por causa do sanatório mudaram o nome da cidade, que hoje se chama Branco da Rocha (corrijo o Branco para Franco, mas ele continua, sem dar muita importância). Perguntas desse tipo dão uma importância desmedida ao homem. Além do mais, Carlos Castaneda não existe. Dom Juan limpou tudo o que havia do homem Carlos, deixando-o apenas como o “possuidor” de um conhecimento. A capa não tem significado. A única coisa que interessa são as credenciais para a viagem em direção ao infinito e os dados vitais necessários: tripas de aço e culhões.
PA – O senhor permaneceu inacessível durante anos. Porque resolveu mudar essa condição e dar workshops?
CC – Não é mais possível um grupo se perpetuar em termos tradicionais. Não é mais possível ensinar um a um. Além do que nós somos o último elo de uma linhagem. É como se a fechássemos com cadeado. Como o próprio Dom Juan dizia, eu não tenho a mesma configuração energética que ele tinha, portanto tem que ser diferente. Ele também falava da fluidez, condição essencial do mundo. Nada no mundo do feiticeiro é permanente, assim como no nosso cotidiano também não o é, apesar de insistirmos em fixá-lo. Não podemos simplesmente ir embora com todo esse conhecimento. Acreditamos ter pouco tempo aqui e resolvemos assumir a responsabilidade de passar adiante tudo o que aprendemos, sem restrição, e a forma que encontramos é esta: grandes workshops públicos.
PA – No que os ensinamentos de Dom Juan diferem dos movimentos espiritualistas?
CC – Na força de seus atos. Nós não somos espiritualistas, somos extremamente práticos. Estamos interessados em tudo o que se refere à energia. Se, em última hipótese, somos energia, tratemos desta. Não estamos interessados em buscar Deus, os santos, a pureza...Aliás, no fundo, ninguém está realmente interessado em buscar, ou melhor, em fazer o básico – encontrar a liberdade total.
PA – E o que é a liberdade total?
CC – É a consciência de “ser” do homem, o existir livre dos conceitos, da cultura e do social. A liberdade é o lado sublime do homem. Os xamãs dizem que só há tempo de viver para a liberdade, pois somos seres a caminho da morte. A energia é irredutível e é com ela que temos que tratar. Somos seres temporais. Que falta de sinceridade conosco mesmos quando atuamos como se fôssemos seres imortais. Que pobreza de espírito a nossa.
PA – O que significa estar livre de conceitos?
CC – Os xamãs dizem que o “eu” não é o homem, e que existe algo de muito estranho em nós, como se esse mental, ou “eu” que discursa, fosse algo alheio ao indivíduo. Todos os nossos comandos são baseados em conceitos... Por exemplo dizer “eu te amo” é puro conceito. Os feiticeiros se definam como navegadores no mar do desconhecido. Para eles navegar é uma coisa prática, e navegar significa mover-se de um mundo pra outro, sem perder a sobriedade nem a força. Para alcançar essa realização não pode haver procedimentos ou passos a serem seguidos, mas apenas um ato que define tudo: o ato de reforçar o elo com a força que permeia todo o universo, uma força que os feiticeiros chamam de Intento. O homem era um ser que viajava. A consciência era a sua grande arma. Mas isso foi se perdendo e o brilho intenso da sua consciência ficou na altura dos calcanhares. Agora é só isso o que temos, e nesse lugar há um ponto em que estamos fixados... Esse é o eu (Nota: é o que chamamos de ego). Aqui ficamos todos, inclusive os homens religiosos. É só o que conseguimos enxergar, o nosso próprio reflexo. Por não usarmos a nossa própria consciência, agora só temos os valores sociais e os prazeres comuns que a sociedade nos proporciona, e que não levam a nada. A vida só é excitante quando atuamos frente a frente ao nosso encontro final, a morte.
PA- Estar presente no dia-a-dia, e não viver em função de um futuro, não seria uma postura desejável para os nossos dias?
CC – Estar de fato presente no dia-a-dia só é possível quando você sabe que não é um ser imortal. Quando assume a responsabilidade de que vai morrer, tudo muda. O guerreiro que tem a consciência da sua morte, tem consciência da armadilha social em que se encontra, da armadilha da auto-importância.
PA – Esse é um caminho espiritual, uma busca de Deus?
CC - Para um feiticeiro não existe um Deus, na concepção usual que se tem dele. A idéia de Deus é renascentista, é a idéia de Leonardo da Vinci, de Michelângelo... Leonardo da Vinci o desenha com a sua visão de italiano, de florentino – um Deus muito bonito, bem-cuidado, de barba aparada...O que é Deus para um bruxo? É o infinito, não pode ser representado, e também não é amigável. Para “Ele” nós não temos a menor importância. É a nossa arrogância que nos transforma em imagens de Deus. E as perguntas que realmente interessam nunca são feitas.
PA - E que perguntas são essas?
CC – Porque essa insistência terrível com o “eu”? Essa é a única preocupação que existe. Eu, eu e mais eu. Essa homogeneidade entre os humanos não é estranha? Independente da origem étnica, cultural, os seres humanos tem as mesmas reações egóicas. Essa não é uma questão interessante? De que “eu” estamos falando , se somos tão iguais? Que individualidade é essa, se não existem diferenças entre nós?
PA – Como podemos recuperar a consciência para enxergar além do próprio reflexo?
CC – É necessário restaurar nossa energia. Aumentá-la para gerar mais calma, eficiência e propósito. Dom Juan dizia que um dos maiores males da nossa civilização é a falta de propósito, de meta e a incapacidade de tomar decisões. Gastamos energia nos defendendo. Nossa auto importância é tamanha que direcionamos toda a nossa energia para defender o conceito que temos de nós mesmos! E nem percebemos que funcionamos assim!
PA – O senhor afirma que dizer “eu te amo” é puro conceito. Como então expressar afetos verdadeiros?
CC – As pessoas não sabem amar, buscam sempre o auto-reflexo. Mas o nosso verdadeiro ser, sim, pode sentir amor.
PA – O que é o amor para um bruxo?
CC – É o ato de sentir afeto por outra pessoa, ou por uma abstração, com a liberdade, sem limitações. Porém sentir tal afeto sem transformá-lo em investimento, senti-lo sem esperar recompensa. Dom Juan dizia que os bruxos de sua linhagem presenteavam seu amor a quem desejassem e que jamais esperavam algo em troca. Essa condição de afeto total, dado sem nenhum interesse, pode ser aplicada não somente a seres viventes, mas também a situações abstratas. A isso Dom Juan chamava de “Caminho com Coração”: enfocar o afeto total a algo que não é pessoal.
PA - Existe hoje algo autêntico em termos de caminho espiritual?
CC – Dom Juan me incitou a procurar gurus para ver se eram autênticos. Talvez eu os tenha procurado mal, mas não encontrei.Como é possível um mestre permitir a idolatria, permitir que seus objetos se tornem “santificados”, que sua cadeira se transforme em algo sagrado? Não, não encontrei nada real. Esses gurus são tiranos do mundo. 
PA – O senhor combate a idéia do guru e da procura do homem pelo conhecimento fora de si mesmo. Mas o xamã ou o nagual não teriam essa mesma função: ser um guia espiritual para a sua gente?
CC – Dom Juan não era um mestre. Era um feiticeiro transmitindo conhecimento a seus discípulos para a continuação de sua linhagem. Como essa linhagem chega ao fim, ele mesmo me aconselhou a escrever sobre o conhecimento. É passar o mapa para a frente. Os feiticeiro dizem que o único mestre possível, ou guia que podemos ter, é o Espírito, significando uma força abstrata e impessoal que permeia o universo. É através do silêncio interior que podemos alcançar essa força. Por isso, o único elo ou ligação que devemos ter, é com essa força, não com uma pessoa.
PA – O senhor contou durante o workshop que ficou muito doente e quase morreu...
CC – Para mim não é mais possível morrer como meu avô. Partir sozinho é a derrota de um bruxo. Por quê? Porque não tem paixão. O triunfo é ir com minhas três companheiras (Carol Tiggs, Florinda Donner-Grau e Taisha Abelar, que também foram instruídas por Dom Juan).
PA – O que é a morte para um xamã?
CC – A boa morte para um xamã é partir com a consciência total, inclusive levando seu corpo físico, e não deixando rastro. É como passar de um mundo para outro atravessando uma brecha. (foi assim que, de acordo com o relato de Castaneda, partiram os 15 integrantes do grupo de Dom Juan – e, segundo os mayas e egípcios, muitos dos seus ancestrais)

Nota: A obra completa de Castaneda e seus discípulos Florinda Donner-Grau, Taisha Abelar, e Armando Torres está listada nesse blog em “Nossos bons livros"

9 comentários:

  1. Me lembro de ter lido "A Erva" há uns 25 anos. Fiquei muito impressionado. Foi então que concluí que aprender é um processo cruel. Não mudei minha opinião desde então. "Sidarta" confirmou essa crença que Castañeda me incutiu. No free meal. Afetuoso abraço ao querido Preto. Valdivo Begali

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  2. É isso aí cumpadre. "Hay que trabajar"
    Forte Abraço

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  3. Creio que CC falou de modo pessoal quando citou Carol, Florinda e Taisha e disse que morrer sozinho não tem paixão. Mas isso não atrapalha em nada, ele é ótimo.

    Veja, Quando ele diz:
    “” - Não podemos simplesmente ir embora com todo esse conhecimento. Acreditamos ter pouco tempo aqui e resolvemos assumir a responsabilidade de passar adiante tudo o que aprendemos, sem restrição, e a forma que encontramos é esta: grandes workshops públicos””.
    Beleza, ele está entregando um material para nós usarmos e compartilharmos, mas me parece que a Cleargreen está segurando e dificultando a divulgação quando diz que qualquer evento que tente incluir Tensegridade ou Passes Mágicos, exercícios de espreita ou qualquer material específico que tenha sido apresentado nos seminários co-patrocinados pela Cleargreen sem a prévia aprovação por escrito da Cleargreen, se utilizados são infrações do direito internacional sobre a marca comercial e direitos de reprodução.
    Como poderia a Cleargreen controlar esse suposto direito? Como pode isso ser direito? Parecem querer segurar e controlar um bem deixado por Carlos Castaneda e que é de todos.
    Luara

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    1. Luara estamos todos conectados ... o universo funciona de forma interdependente. Não tem sentindo em partir sozinho senão com a força e coesão do grupo. É interessante perceber a configuração dos grupos de feiticeiros que o castaneda comenta em seus livros onde cada elemento é uma peça importante. No presente da águia fala um pouco disso

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  4. Por enquanto, amigo, permita-me dizer obrigado a voce e Patricia.
    Infelizmente o nagual teve de partir contrariando sua previsão, mas o seu legado é um bem doado à humanidade, ou seja a quem puder querer.
    Abraço.

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  5. Oi Luara
    Ele veio para encerrar um processo, e a ClearGreen parece que faz parte do passado...
    beijão

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  6. Oi Anônimo
    Não tem que agradecer não cumpadre. Eu faço isso com o maior prazer...
    Abraço

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  7. "Não é mais possível um grupo se perpetuar em termos tradicionais". Não sei porque, mas nunca engoli muito bem esse argumento do CC. Acho que lá por Sonora ainda deve um ou + grupos trabalhando da forma tradicional, e esta afirmação é só um despiste.

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  8. Sei não...se a gente imaginar como era um grupo tradicional dos bruxos, talvez seja difícil mesmo. Quem sabe?

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