sábado, 12 de março de 2011

A impermanência

A impermanência é um complô, ou uma dádiva. Depende de como se olha a coisa: complô, se não queremos mudanças, dádiva se buscamos a evolução através de todas as experiências possíveis ao humano, como sugere o carroussel mutável do zodíaco. É através das nossas experiências mais a de todos os seres orgânicos e inorgânicos, que O Mar Escuro da Consciência (ou A Águia), gera a si mesmo a todo instante, segundo os videntes do Antigo México. E todas as outras tradições concordam.
È uma palavra estranha: "não permanência". Para os budistas é familiar, mas para os ocidentais não muito, porque os ocidentais se consideram “imortais” e, portanto, mais permanentes, quase eternos.
O conteúdo por trás da palavra é “tudo muda, nada permanece”.
Aliás, curiosamente, só há no Universo apenas uma lei que não muda. É a lei de que tudo muda, nada é permanente. Daí a preocupação que todos nós temos com o futuro, ou seja o que vem por aí.
Nós porém, na contra mão, queremos tão desesperadamente que as coisas continuem iguais, que passamos a acreditar nesse faz-de-conta de que elas vão permanecer iguais. E quando muda, é um auê...muito "ai meu Deus", muito sofrimento.
O I Ching, o livro das mutações, considerado o mais antigo já escrito no planeta, só trata disso, e na esteira dele vem todas as técnicas e artes adivinhatórias de todas as culturas conhecidas: Astrologias, Tarô, bola de cristal, Cafeomancia, Cartomancia, Cruz Celta, Dadomancia, Eneagrama, Grafologia, Numerologia,  Kabalah, Quadrado Mágico, Quiromancia, Runas, borra de café, tripas de animais...o diabo. A quantidade delas já mostra o interesse das pessoas. O curioso é que todas essas técnicas tem duas vertentes: a mais nobre, do “conhecer a si mesmo”, e o subproduto menos nobre “prever o futuro”. Vocês já sabem qual é a mais procurada...
A rigor se nós conseguíssemos viver no Agora, não se precisaria saber o futuro, porque ele não existe como coisa concreta em si, determinada, é só uma conseqüência de o que fazemos no presente. Se pensarmos bem, a razão dessa angústia com o futuro é que a principal e mais assustadora conseqüência da Impermanência, é que “nós somos seres que vamos morrer”, como disse Don Juan. Todos, sem exceção. A receita para o sofrimento decorrente da idéia da morte é trabalhar o apego. A cada instante.
A idéia da morte é um tabu para os ocidentais em geral. Como dissemos na postagem A Morte Como Conselheira, inspirada na obra do xamanismo tolteca de Castaneda, “a morte é sempre a dos outros e não a minha”. Somos como crianças que fecham os olhos no jogo de esconde-esconde e pensamos que assim ninguém pode nos ver. E vivemos alegremente o samsara, esse mundo das ilusões. Hipnotizados por essa coisa ilusória mas convincente que é variedade de percepções, nós vagamos perdidos nesse círculo vicioso do samsara”.
Talvez a razão mais profunda de termos medo da morte é que não sabemos quem somos. Nossa “identidade individual” depende do nosso nome, documentos, biografia, amigos, família, lar, emprego, cartão de crédito, etc.. Nisso apoiamos nossa segurança. Se isso for retirado, quem somos? É por isso que queremos barulho, agitação e atividade para não ficarmos em silêncio frente a esse ser desconhecido e estranho que há em nós.
O que chamamos de personalidade é apenas um fluxo mental. Para onde foi o se sentir bem de ontem? As circunstâncias mudam, as influências também, e nós mudamos junto. Somos impermanentes como as influências. O grande problema é que nos achamos imortais, pela forma que agimos.
Montaigne disse que “não sabemos onde a morte nos espera: então vamos esperá-la em toda a parte. Praticar a morte é praticar a liberdade. Quem aprendeu a morrer, desaprendeu a ser escravo”.
A sociedade moderna é uma celebração de tudo que nos afasta da Verdade. É a promoção do samsara e de suas distrações. Ele se alimenta da ansiedade e depressão que ele mesmo produz, num círculo vicioso sutil, que só conseguimos perceber na meditação. Mas viver a sério não é só meditar como se vivêssemos no Himalaia. Temos que trabalhar e ganhar o pão, mas sem nos deixar dominar por esse moedor de carne que é o trabalho das 8 às 6, e portanto ter um significado mais profundo da vida. O segredo da vida equilibrada é a simplicidade e disciplina.
Disciplina é fazer o apropriado, ou seja numa época complexa, simplificar as nossas vidas, mesmo quando vivenciamos o êxtase das experiências interiores.
É preciso deixar as coisas irrelevantes, e buscarmos a simplicidade: trabalhar, consumir e desperdiçar menos. Em resumo, diminuir a bagagem, o que já é um exercício de morrer, por causa de nosso apego. Como disse Armando Torres no livro “Encontros com o Nagual,” estamos de passagem, somos viajantes temporários e estamos num mundo-prisão”. Vamos embora sem levar nada". Nem ao menos o corpo e a mente comum. Em tibetano, LÜ (corpo) significa “algo que se deixa para trás”. E ele continua cutucando: "Você sabia que a árvore de que será feito o seu caixão, provavelmente já foi cortada?"
O mundo é seguro até que a morte nos expulsa do abrigo. O que será que  acontece então conosco, se nada sabemos de uma realidade além do mundo? Ao perdermos o corpo, a mente permanece? (esse macaco louco onde pensamentos desconexos surgem de não-se-sabe-onde).  E podemos confiar nela? Se não, em quem confiar? O que é que sobrevive à morte? Você sabe? Não? Que fria hein, cumpadre (ou cumadre - rsrs)... Pense bem: você vai para um lugar desconhecido, sem bagagem, ninguém lhe deu instruções sobre quem ou o que vai encontrar, nem como agir, nem que língua falam, nunca foi a um seminário sobre o assunto, não sabe nem o que vai levar – corpo, mente, posses e dinheiro seguramente não – e você está aí nessa calma de senador da república? Como dizia o Gil, “se oriente, rapaz”...Uma dica: O Livro Tibetano do Viver e do Morrer do lama tibetano Sogyal Rinpoche, versão do “Bardo Thodol -  Livro Tibetano dos Mortos” adaptado à cultura ocidental. A impermanência é paradoxalmente a única coisa que podemos manter. O nosso último bem. Leve-a com você.
Se dedicarmos à meditação e à morte um décimo do tempo que dedicamos à energia sexual, preocupação, pressa e ganhar dinheiro, a iluminação virá em pouco tempo (rsrs)
Precisamos nos sacudir e perguntar de fato: E se eu morrer esta noite, o que vai ser? Pois nunca se sabe o que vem primeiro – amanhã ou a próxima vida. Alguns mestres tibetanos dormiam com os copos emborcados na cabeceira. Não sabiam se iriam usá-los novamente. Eles conviviam com a morte iminente.
Duas perguntas do lama tibetano:
•    Estou me lembrando a todo instante que eu e tudo à minha volta estamos morrendo e portanto trato a todos com compaixão?
•    Isso me faz a cada segundo buscar a compreensão, a iluminação?


Keneth Ring em seus livros conta uma frase dita por um homem numa experiência de quase morte: ”há coisas que cada pessoa foi enviada à Terra para realizar e aprender. Por exemplo, partilhar mais amor, ser mais amorosa com os outros. O que você fez em benefício da espécie humana, para mostrar que está quites com a vida?” Foi isso que uma luz perguntou a ele, quando estava do lado de lá... Então temos ainda muito trabalho do lado de cá...


Texto baseado em O Livro Tibetano do Viver e do Morrer - Sogyal Rinpoche 




5 comentários:

  1. Ô Preto
    Esse assunto da impermanência é mesmo um tapa.
    Não sabemos onde a morte nos espera: então vamos esperá-la em toda a parte.
    Perfeito, Beleza
    Obrigada pelo toque.
    Luara

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  2. olha
    eu juro que acho a impermanencia uma benção, rs

    é dificil se desprender das coisas boas, mas quando vc entende mesmo a parada entende que tudo tem q ir embora quando tem que ir, e tudo bem ne, se for ver, é algo extremanete libertador.

    buda é meu mestre espiritual.

    quando medito que não sou a Ale, que não sou minha profissão, não sou meus pensamentos e menos ainda o que esperam de mim.... nossa, é uma liberdade!

    gratidão querido amigo virtual
    sempre

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  3. Oi Luara
    A dica é estar preparado. Muita Recapitulação e Meditação, pouca Auto importância, e por aí afora...
    Abração

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  4. Pode crer cumadre
    Pegou o "espírito da coisa"...e vamos nessa!
    Abração

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  5. Somos a própria vida. Somos o caminho, a verdade, e a vida... O homem Jesus não disse isso, mas o Espírito que habita o todo, e nós, foi quem o disse. Pois, eis que o somos!

    Ego medroso e ignorante esse nosso, que não entrevê as claridades celestes. Mas amigo e útil, como o lobo escuro de Cherokee. Portanto, bendito, porque também obra do Pai que está em toda parte.

    Rodrigo

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