domingo, 25 de setembro de 2011

O Dalai Lama e o Brasil

O Budismo está numa posição interessante e peculiar. É historicamente uma tradição sem Deus, já que Buda foi apenas um homem, que atingiu a Iluminação, a Compreensão. Mas diferentemente das outras grandes tradições vivas do planeta (Hinduismo, Judaismo, Cristianismo, Islamismo...) que tem um Deus e são então consideradas religiões, entre os próprios budistas há divergências. Grande parte, se não a maior parte, a considera uma filosofia, não uma religião.
Mas, o que é exatamente uma religião?
Há controvérsias. Se considerarmos o significado da palavra-mãe, “religar”, tudo o que nos leva a uma conexão com a Consciência, Deus, ou o que for que tenha criado ou que mantém o Universo em que estamos, é uma religião. Já se levarmos em conta a concepção de que religião é uma entidade com estrutura (hoje até empresarial) organizada numa crença, com lideranças representativas, níveis de autoridade, missão, objetivos (terrenos e/ou não), supervisão, princípios, ética, controles econômicos e financeiros, etc., somente algumas são, mesmo que eventualmente não religuem nada com coisa nenhuma. Não vamos nem entrar no mérito do fato de a “autoridade reconhecida” do seu iniciador ou líder ser autêntica ou não, universal ou não.
Essa particularidade de não ter um Deus, fato que torna o Budismo não competitivo com as outras religiões, que às vezes até matam em nome do seu Deus, fez com que o budismo se harmonizasse com facilidade com as religiões e seitas com que fez contato nas várias culturas, produzindo uma grande variedade de colorações resultantes, todas chamadas de budismo.  
Somado a isso, a grande ironia é que a truculenta China num gesto “brucutu” criticado pelo Ocidente (só levemente criticado, por medo e interesses) invadiu unilateralmente o Tibet, provocou uma fuga em massa de monges budistas para a Índia e Ocidente, incluindo o próprio Dalai Lama e mais 80 mil seguidores. Foi uma forma de preservar a tradição budista tibetana. É visível o efeito dessa migração em termos de “conversões” de pessoas na Europa, EUA, e América Latina para onde muitos foram. Por essas e outras o governo chinês tem agora que ficar pedindo aos países que não apóiem o Tibet, nem recebam o seu líder nos eventos organizados pelos monges exilados e aclimatados pelo mundo. Foi uma má decisão...
O Dalai Lama, além de chefe da tradição budista, como o papa é para o Cristianismo, acumulava a função incômoda de chefe de Estado do Tibet, da qual parece finalmente ter se livrado há pouco, segundo suas mais recentes declarações. Ele é um exemplo claro, aliás o único do planeta, da possibilidade de conciliar Religião e Estado, o secular e o sagrado, de uma forma harmônica. Os outros exemplos dessa junção são frequentemente tirânicos e assustadores. É interessante notar-se a habilidade com que ele desempenha as duas funções, antes e no exílio na Índia, além de uma terceira que é a mestria de administrar mansa e discretamente o complicador de estar hospedado num pais concorrente e vizinho da China. Coisa de mestre.
Ele tem muito o que ensinar como chefe de estado e como ser humano, testado em duras situações, a esses pseudo líderes que estão aí mentindo e traindo seus representados.
E por falar em mestria, nos eventos da sua vinda ao Brasil, infelizmente tingido por situações inevitáveis do oportunismo da nossa época,  abordou 5 pontos contundentes, alguns dos quais surpreenderam a platéia presente nos vários eventos:
Corrupção – Este ponto, feito de encomenda para nós brasileiros, que tratamos bandidos e corruptos como visitas, foi apresentado como “o novo câncer do mundo”. Por que será que ele tocou nesse tema aqui no Brasil? Não é preciso ser nenhum gênio para responder. Basta ler as notícias políticas e econômicas. Uma pena que não havia nenhum representante do governo central e seu partido, notoriamente condescendentes quando não indutores, protetores e acobertadores da corrupção desenfreada. Talvez por receio de uma "saia justa", esse governo e o seu partido não enviaram representante. O único presente, do governo municipal, foi vaiado.
Pobreza – Filha da corrupção e portanto da avidez, a pobreza já poderia ter sido eliminada várias vezes no país, se tivesse recebido um investimento igual ao que é desviado pela mãe. Não seriam necessárias as famigeradas Bolsas-de-Todos-os-Tipos, artifícios gerados pelo governo para escondê-la com subsídios, ao invés de erradicá-la via educação e desenvolvimento, como fizeram alguns paises asiáticos .
Secularismo – Essa afirmação defendendo a visão laica, não religiosa do secularismo pegou todo mundo de surpresa, e só um primaz de uma tradição sem Deus poderia fazer. Ele sabiamente alega que deve ser respeitada a posição de muita gente que não é atraída por nenhuma religião, mesmo com as promessas de compaixão que todas prometem (e quase nenhuma, aliás, entrega).
Ética – O caminho de uma “cultura de paz” vai depender necessariamente do desenvolvimento e universalização de uma ética, inicialmente dentro de cada um de nós. Não só nos negócios, mas na sociedade em geral, nas relações de todos os tipos. Esse é o remédio real para combater a corrupção, aliado à Educação.
Educação – É o último citado, mas o mais importante. Ele disse que “é a tarefa das próximas gerações” e defendeu a sua importância desde o Jardim da infância até a faculdade. Foi onde ele recebeu mais aplausos, o que é um sinal claro de que a classe presente que tem acesso à educação é que conhece a importância dela e pode, através do voto, interromper o curso do que está aí hoje.
“Cabe a vocês dar uma forma ao século 21. Um mundo de compaixão pode ser criado”.
Ao despedir-se disse “A minha geração logo vai dar tchauzinho e ir embora”, ou seja, a tarefa é de vocês. Virem-se. Resolvam.
De tudo o que falou, não há nada que já não sabíamos, mas é bom ouvir isso de um Dalai Lama.

domingo, 18 de setembro de 2011

O Sonho e o Rupigwara - Cultura Indígena Brasileira

Pintura de Walde-Mar de Andrade e Silva
Pouca gente sabe: os índios brasileiros também usam o sonho consciente (sonhos lúcidos) como uma porta para a evolução do Ser, assim como fazem os budistas, toltecas, aborígenes australianos e outras tradições, conforme publicamos em O Sonho - Visão Budista e O Sonho - Visão Tolteca.
O material usado nesta postagem foi coletado de uma tese de doutorado em Psicologia da Educação e do Desenvolvimento Humano, de José Osvaldo de Paiva, professor da UNIR - Universidade de Rondônia, defendida na USP – Universidade de São Paulo, Brasil, à qual tive o privilégio de assistir. Como observador participante, ele elaborou uma pesquisa etnográfica com métodos qualitativos durante anos.
Vamos falar um pouco de conceitos da cosmogonia e visão de mundo de uma etnia específica entre as 32 do Estado de Rondônia (com 26 línguas diferentes) e outras circundantes, pertencentes ao grupo indígena Tupi. É a etnia Kawahib representada principalmente pelos índios Uru-Eu-Wau-Wau, que se auto denominam Jupa’u.
A base da visão de mundo Kawahib está assentada no conceito de que “o Universo está formado por metades, no qual nada é completo, nem mesmo o indivíduo”. A metade social se completa com o casamento e a metade individual, apesar de ser uma unidade de consciência “corpo-alma” (gara’o) também se completa com a outra metade: Rupigwara.
Waud H. Cracke, antropólogo e PhD da Chicago University e profundo conhecedor dos índios brasileiros, citado na tese, se questiona sobre qual seria a origem desse sistema de metades tão profundamente enraizado entre os grupos Kawahib e sobre o fato de esse sistema não existir em nenhuma outra cultura Tupi-Guarani. Mistéério.
Mas o que é de fato o Rupigwara?
É aqui que a coisa fica interessante e se alinha com as antigas tradições do planeta: rupigwara é o corpo do sujeito no sonho, o corpo de sonhar, ou o corpo energético sob controle do sujeito, consciente e atuante, que inicialmente precisa sofrer o processo de mbojipowahav, ou seja, “ser amansado, configurado”. Esse procedimento do sujeito para tornar a sua metade rupigwara amigável, inclui a tocaia (ae’ Tokaia), um lugar para a realização também da cura e aprendizagem durante as suas viagens em “outros mundos” por intermédio do seu rupigwara.
Esse local, a tocaia, também usado com outro nome nas práticas toltecas mexicanas, é o ambiente ideal criado para as ações do poder xamânico dos Kawahib. Na língua Tupi-Kawahib, o termo t’okaia é usado para designar uma cabana, tapume, ou pequena casa temporária de palha utilizada pelo caçador para realizar as esperas para a caça, às vezes em cima das árvores, ou pelo pajé, representante do xamanismo indígena, para se relacionar com os poderes. Quando se trata do sonho,  ela pode até ser imaginária. 

É um termo derivado de okaia, “cercado”, e há um outro termo que é hokaia, que significa “arapuca, armadilha para capturar animais”. Todos esses termos nos remetem à idéia de “um local temporário para realizar-se determinada função de uma atividade que caracteriza o okahua’ga, o caçador”. Por isso, em termos de atitude, o xamã ou pajé comporta-se como um caçador buscando um outro tipo de alimento diferente da caça habitual, aliás como na cultura tolteca onde o “engradado” fazia o mesmo papel de ajudar o recolhimento e o silêncio do mental, imprescindíveis para o “guerreiro” se aventurar na sua viagem na “segunda atenção”. 
O índio precisa fazer oamongó – “sonhar a presa”, ou precisamente “prendê-la, amarrá-la no sonho, transformar em presa”, pendurá-la. A síntese seria “pendurar a atenção em algo”. A prática do xamã mostra que esse algo é o silêncio.
Os aborígenes australianos também”sonham a caçada” num ritual na véspera, e depois vão apenas “buscar a presa” que já foi caçada antes, no sonho.
Essa tocaia proporciona o isolamento necessário ao xamã e pode ser construída dentro da casa grande, a okahuga, ou no terreiro, ou num ambiente distante. O importante é ele fechar um ambiente que esteja inteiramente sob o seu controle, e praticar muito, no silêncio (ausência de pensamentos). Esse estado de “não se ouvir” ou “silêncio do mental” chama-se yviapi, um verbo que significa “ser quieto” ou “falta de ação”. A tocaia porém é mais que o abrigo e pode mesmo ser feita em qualquer lugar aberto para um praticante experimentado, se bem que os pajés preferissem a cabana por questões de hábitos culturais e de segurança. Ao se aventurar na vastidão do universo através do corpo sonhador ou rupigwara do pajé, o corpo físico ficava protegido na tocaia e, às vezes, com um companheiro de fora para acordá-lo, resgatá-lo, ou mesmo lembrá-lo da sua tarefa com um doente a ser curado com os poderes que ele ia buscar.
Às vezes um anhan’ga, espírito não orgânico considerado maléfico, produz pesadelos no praticante para poder se alimentar da emoção das angústias geradas nele. Um pagé experimentado pode porém  oferecer uma descarga dosada de emoção amigável, pois o ser inorgânico não diferencia angústia de amor, tudo é emoção e portanto alimento. Há uma relação recíproca de interesse entre o anhan’ga  e o sonhador. O sonhador, ao induzir uma relação estável de afeto com o anhan'ga, pode então obter o poder de ser transportado para outros lugares neste e em outros mundos e tomar novas formas na sua aparência exterior, como por exemplo adquirir a aparência de animais como o coiote, corvo, águia e outros. Vixe...
A prática visa os resultados mesmo sem entender propriamente o que acontece. É o corpo que aprende a chegar ao rupigwara, o corpo sonhador, não a mente. Ao se conseguir isso, a aparência do céu que é "visto" muda para uma cena de lampejos rajados que são sentidos no tórax do sonhador e são semelhantes aos emanados pelo kwandu-hua,
um conhecido gavião real (ou hárpia) repleto de poder e mistério, que tem o poder de desaparecer repentinamente. Os Kawahib usam as penas desse mesmo gavião na natureza para dar poder às suas flechas. Os toltecas, por sua vez, chamavam-no de “A Águia”, ou “O Mar Escuro Da Consciência”. Só mudam os nomes nas tradições.
Outra faceta do processo do rupigwara é o pajé como um médico, curador, se relacionar com os seres não humanos, inorgânicos, que habitam o mesmo cosmo conosco, para então obter a cura de seus pacientes.
Na terapêutica indígena, o sonho é onde a cura acontece. Nesse mundo ao invés de penetrá-lo, se é penetrado por ele, e o rupigwara da planta, que sonha as 24 horas do dia, “sonha o homem” e opera a cura nele. Na verdade os rupigwaras, corpos energéticos conscientes da planta e do homem se encontram no sonho e a tarefa do xamã é colocar a planta e o espírito dela dentro do corpo do homem através das canções e do sopro, no sonho.
Curiosamente, os índios não dizem que “alguém é pajé” mas sim que “alguém tem pajé”, um poder e dom que não é necessariamente inato. Infelizmente os pajés, xamãs indígenas detentores desse poder e conhecimento do sonho e do rupigwara, o corpo sonhador, estão sendo desvalorizados, menosprezados e mesmo perseguidos e mortos pelos próprios índios na cultura estudada, que quase não tem mais pajés, graças ao preconceito introduzido pelos “pseudo missionários”, religiosos ou disfarçados, geralmente “cristãos”. Uma lástima. Puro Kali Yuga. Pouco desse conhecimento sobreviverá em algumas décadas se não for preservado...
Pessoas como o Osvaldo com sua tese e seu trabalho, e outros acadêmicos devotados, tem uma missão nobre de preservar esse tesouro de conhecimento. A compreensão disso sequer aparece na tela de interesses dos governos brasileiros, cínicos e corruptos. O Dalai Lama chamou ontem no Brasil a corrupção de "o novo câncer da humanidade". Esses governos estão mais interessados na pilhagem dos recursos do Estado, no dinheiro de eventos como a Copa do Mundo, os royalties futuros do petróleo, e  em engordar as contas bancárias de seus “representantes”, do que preservar tradições brasileiras importantes para a humanidade.
#Pronto, falei.


ATENÇÃO:
Quem quiser fazer download da tese, digite  a palavra Rupigwara no Google. e aparece em primeiro lugar o link da USP. Descendo na página embaixo à esquerda clique em tesosvalbibliot.pdf (que está grafado em azul)

domingo, 11 de setembro de 2011

O Sonho - Visão Budista

O Budismo é uma das tradições mais amistosas e agregadoras do planeta. Ao chegar da Índia e Nepal ao Tibete, trazido por Padmasambhawa encontrou e fundiu-se com a tradição animista e xamânica local, o Bön-po, cuja coloração gerou o lamaismo dando-lhe uma individualidade diferenciada entre as várias correntes budistas atuais.
O ensinamento tibetano mais elevado destas duas vertentes é o Dzogchen, que não é mais um ensinamento ou prática mas é um estado de ser, desperto, o cume da evolução de um indivíduo. Seu princípio fundamental é que “a realidade e o indivíduo já são perfeitos. Só precisam ser reconhecidos e não mudados”. Não há o que fazer. Só “não fazer”.
Dentro do Dzogchen a prática essencial é a “auto liberação” que se resume em “permitir que tudo o que existe na experiência, exista como é, sem as elaborações da mente dual, apego ou aversão”. É como é. Ponto final. Desapego é isso.
A novidade para nós ocidentais é a seguinte: para se chegar a esse estado de auto liberação é preciso trabalhar a yoga do sonho, e transformar o sonho comum no sonho lúcido que é o meio de se atingir conscientemente o sono profundo onde está a “clara luz”. Você que leu a postagem “O Sonho – Visão Tolteca” deve estar pensando “Como é que esses budistas tibetanos combinaram tudo com os toltecas americanos? É muita coincidência”. Então aguarde logo sobre como os índios brasileiros também trabalham o sonho. É um complô global. (rsrs)
Então você pergunta: "como se trabalha interiormente no sonho e o sono?". 
Trabalha-se com práticas dormindo e acordado, fazendo uma ponte que elimina barreiras entre os dois estados. Ao se afirmar interiormente que a vida "acordada" também é ilusória como um sonho, quebra-se gradualmente a importância e o poder que ela exerce sobre nós. Aos poucos começa a brotar um relaxante desapego em relação à ditadura do tenso e escravizador "mundo real". Nessa prática as coisas ficam mais fáceis na visão bön-budista, porque o budismo é mais didático que a tradição tolteca e outras mais rígidas. Ele é multicultural, adaptou-se melhor à mente ocidental, e tem um exército de monges e lamas espalhados pelo mundo, falando uma linguagem conceitual menos misteriosa, mais simples e homogênea apesar das pequenas diferenças de forma entre as várias correntes budistas.
Vamos então dar um roteiro, uma visão resumida das práticas, conceitos e palavras chaves como foi exposto no livro “Os Yogas Tibetanos do Sonhos e do Sono” pelo respeitado e jovem mestre Tenzin Wangyal Rinpoche, lama da tradição Bön do Tibete, que vive na Virgínia – EUA, e fundou o Ligmincha Institute que tem ramificação no Brasil, onde já tem vindo. Vamos lá:

AS QUATRO PRÁTICAS PRELIMINARES

1 - Modificar os Traços Kármicos
•    Durante o dia todo, dê-se conta continuamente de que toda experiência é um sonho.
•    Perceba todas as coisas como objetos num sonho, todos os eventos como eventos num sonho, todas as pessoas como pessoas num sonho.
•    Veja seu próprio corpo como transparente e ilusório.
•    Imagine que você está num sonho lúcido durante o dia inteiro.
•    Não permita que estes lembretes sejam meramente uma repetição mecânica.
•    Toda vez que disser a si mesmo: "Isto é um sonho" torne-se realmente mais lúcido.
•    Use seu corpo e seus sentidos para se tornar mais presente.

2 - Eliminar o Apego e a Aversão
•    Experimente todas as coisas que geram desejo e apego como fenômenos ilusórios, vazios, luminosos de um sonho.
•    Reconheça suas reações aos fenômenos como um sonho, todas as emoções, julgamentos e preferências como tendo sido inventadas.
•    Você pode se certificar de que está fazendo isto corretamente se, imediatamente depois de se lembrar que sua reação é um sonho, seu desejo e apego diminuírem.

3 - Fortalecer a Intenção
•    Antes de ir dormir, reveja o seu dia como num vídeo, e reflita como foi a prática.
•    Deixe que as lembranças do dia surjam e as reconheça como lembranças oníricas.
•    Desenvolva uma firme intenção de se manter consciente nos sonhos daquela noite.
•    Ponha todo o seu coração nesta intenção e peça intensamente pelo seu sucesso.
 
4 - Cultivar a Memória e o Esforço Alegre
•    Comece o dia com a firme intenção de se manter na prática.
•    Reveja a noite e sinta alegria se você se recordou dos seus sonhos ou se esteve lúcido neles.
•    Retome o compromisso com a prática, com a intenção de se tornar lúcido no sonho - se você não esteve - e de desenvolver ainda mais a lucidez - caso já a tenha experimentado.
•    A qualquer hora do dia ou da noite, é bom pedir pelo sucesso da prática.
•    Gere uma intenção tão forte quanto possível. Esta é a chave para o sucesso da prática.

PRÁTICAS PREPARATÓRIAS ANTES DE DORMIR

1 - As Nove Respirações Purificadoras
•    Na postura preferida de meditação (sentado, lótus, seizá) antes de se deitar para dormir, faça as nove respirações de purificação, em 3 grupos de 3, repetidas:
1ªs 3 respirações - Homens - polegar direito pressionando a base do anular direito, fechando a narina direita, inspirando luz verde pela narina esquerda. Depois, com a mesma mão, fecha a narina esquerda e expira pela direita. Repete 3 vezes. Mulheres tudo ao contrário, trocando direito (a) por esquerdo (a).
2ªs 3 respirações - Homens e mulheres, invertam as mãos e as narinas e façam 3 vezes.

Os 3 canais

3ªs 3 respirações - Homens e mulheres, com as mãos no colo, palmas para cima, a esquerda sobre a direita, inspirem luz verde que desce pelos 2 canais laterais até 4 dedos abaixo do umbigo. Depois sobe pelo canal central, saindo no alto da cabeça expelindo fumaça negra e doenças em potencial (Vixe!). Façam 3 vezes.

2 - Guru Yoga
Pratique o guru yoga:
• Visualize um mestre à sua escolha
• Imagine fluindo dele para você, uma a uma, três feixes de luz, branca (do chakra entre as sombrancelhas), vermelha (do da garganta) e azul (do do coração).
• Gere uma forte devoção, depois funda sua mente com a consciência pura do mestre, representante do mestre último que é a Consciência Primordial, sua verdadeira natureza.

3 - Proteção
•    Deite-se na postura correta do leão, de lado e com uma mão entre o rosto e o travesseiro, apoiando o rosto, e a outra estendida sobre o corpo. Os homens deitados sobre o lado direito, mulheres sobre o lado esquerdo.
•    Visualize seres protetores ou divindades  em volta de você (
no budismo há as dakinis) protegendo-o (a) no seu quarto a noite toda. Use a imaginação para transformar o quarto num ambiente protegido e sagrado.
•    Suavize a sua respiração e acalme a sua mente, observando-a até que você esteja relaxado e presente, contemplando sem se envolver com histórias e fantasias.
•    Crie uma firme intenção de ter sonhos claros, vívidos, recordar-se dos sonho e reconhecê-los como sonhos enquanto sonha.

AS PRÁTICAS PRINCIPAIS

1 - Trazer a Consciência ao canal central

Letra A tibetana
•    É a prática do primeiro período da noite.
•    Focalize o centro da garganta: um “A”  (tibetano ou ocidental) puro, translúcido e cristalino que se tinge de vermelho pela cor das quatro pétalas vermelhas sobre as quais ele repousa.
 •    Funda-se com a luz vermelha. 


2 - Aumentar a claridade

•    Acorde aproximadamente duas horas depois (com
Tiglé branco
ou sem despertador, melhor sem). Na mesma posição do leão, e pratique a respiração abdominal sete vezes. 
•    Focalize o tiglé branco (esfera luminosa) no chakra entre as sobrancelhas, enquanto adormece.
•    Permita que a luz branca dissolva tudo, até que você e a luz sejam uma só coisa. 
3 - Fortalecer a Presença
•    Depois de aproximadamente mais duas horas, acorde novamente.

    Deite-se de costas sobre um travesseiro alto, quase sentado, com as pernas levemente cruzadas.  
Sílaba Hung
•    Focalize a sílaba tibetana HUNG negra no chakra cardíaco. 
•    Respire profunda, plena e suavemente vinte e uma vezes.
•    Funda-se com o HUNG negro e adormeça.

4 - Desenvolver a Intrepidez (coragem)
•    Acorde novamente outras duas horas depois.
•    Não é necessário nenhuma postura ou respiração específica.

Tiglé negro
•    Focalize o tiglé negro e luminoso no chakra secreto, atrás dos genitais.
•    Adormeça fundindo-se à luz negra.
•    A cada despertar tente estar presente e na prática. Pela manhã, no seu último despertar, esteja imediatamente presente.
•    Reveja a noite, gere intenções e continue com a prática durante o dia.
•    Além disso, ajuda muito conseguir tempo para fazer a prática na calma (residir na calma, ou zhiné) durante o dia. Ela vai ajudar a deixar a mente tranqüila e focada e beneficiará todas as outras práticas.

O ponto mais importante tanto das práticas preliminares quanto da prática principal é manter a presença (lembrança de si) de forma tão consistente quanto possível durante todo o dia e toda a noite. Esta é a essência dos yogas do sonho e do sono. 
Sugestão: Imprima este resumo e leve no bolso.

Nota: Quem quiser mais informações sobre o Bön Budismo, consulte:

  • Instituto Ligmincha
https://www.ligmincha.org
email: ligmincha@aol.com
  
  • Ligmincha do Brasil
Rua Apinagés 1646, Vila Madalena, São Paulo, SP
(11) 8902-4045
  • Associação Brasileira de Cultura Tibetana
Rua Engenheiro Rebouças, 1040 - Vila Gerty, São Caetano do Sul
(11) 4232-5630 (11) 4232-5630
E-mail: abct.contato@gmail.com

domingo, 4 de setembro de 2011

O Sonho – Visão Tolteca

Vocês se lembram que na postagem “O Sonho, Portal da Consciência” prometemos “publicar em breve assuntos de Leitura Transversal, que são citações da obra tolteca de Castaneda, começando com o tema O Sonho”. O fato de serem citações esparsas da obra, centradas num tema, torna a leitura interessante, inesperada, e agregadora em torno do tema, dando- lhe um novo significado. 
Vamos fazer isso, mas primeiro temos algumas dicas:
•    O texto pesquisado na obra para localizar as citações foi a expressão “sonhar é”, para apresentar resultados sobre a definição de “o que é o sonho”, e estabelecer a diferença radical entre o que é a real natureza do sonho e o que é a interpretação ocidental, que o considera superficial e sem importância.
•    A numeração das páginas é a das edições dos meus livros pessoais, e pode variar com as dos livros de cada um.
•    Os textos são trechos dos vários livros como foram escritos, às vezes com traduções “traidoras”
•    No nosso contexto abaixo, sonhar ou “ensonhar” refere-se ao “sonho lúcido” onde o sonhador está consciente dentro do sonho, e não do sonho comum que é uma montagem confusa das experiências do dia.
•    O significado da palavra “Ver” é “o modo de ver do vidente tolteca”, que "vê a energia como ela flui no universo".
•    Há conceitos específicos do universo tolteca, como: ponto de aglutinação, corpo energético, corpo sonhador “não fazer”, nagual, tonal, primeira, segunda e terceira atenção, espreitar, intentar, intento, seres inorgânicos...um dia vamos fazer um glossário disso.
Então seguem as citações sobre O Sonho na obra:

“- Quer dizer então, Dom Juan, que sonhar é real?
- Claro que é real.
- Tão real como o que estamos fazendo agora?
- Se você quer comparar as coisas, posso dizer que talvez seja mais real. No sonhar você tem poder; pode modificar as coisas; pode descobrir uma infinidade de fatos ocultos; pode controlar o que quiser.”
Viagem a Ixtlan – pág. 98

- Deve começar com alguma coisa bem simples - falou. Hoje, em seus sonhos, deve olhar para suas mãos.
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Naturalmente, pode olhar para o que bem entender ... os dedos dos pés, sua barriga ou qualquer coisa. Falei suas mãos porque isso foi o mais fácil para eu olhar. Não pense que é brincadeira. Sonhar é tão sério quanto ver ou morrer ou qualquer outra coisa neste mundo assombroso e misterioso.
- Cada vez que você olha para alguma coisa em seus sonhos essa coisa muda de forma - disse ele, depois de um longo silêncio. - O truque de aprender a organizar-se para sonhar, obviamente não é só olhar para as coisas, mas manter a visão delas. Sonhar é real quando a gente conseguiu focalizar tudo. Depois, não há diferença entre o que você faz quando dorme, e o que faz quando não está dormindo. Entende o que digo?
Viagem a Ixtlan – pág.102

"Cada vez que olhar para suas mãos, estará renovando o poder necessário para sonhar, de modo que, no princípio, não olhe para coisas demais. Quatro coisas bastam, de cada vez. Mais tarde, poderá aumentar o número até abranger tudo o que quiser, mas, assim que as imagens começarem a mudar e você sentir que está perdendo o controle, volte para suas mãos.
"Quando achar que pode olhar para as coisas indefinidamente, estará pronto para uma nova técnica. Vou-lhe ensinar essa nova técnica agora, mas espero que só a utilize quando estiver preparado." Ficou calado por uns 15 minutos. Por fim, sentou-se e olhou para mim.
- O passo seguinte em organizar-se para sonhar é aprender a viajar - disse ele. - Da mesma maneira que aprendeu a olhar para suas mãos, pode obrigar-se a mover-se, a ir aos lugares. Primeiro, tem de estabelecer um lugar aonde queira ir. Escolha um lugar bem seu conhecido... talvez sua escola, ou um parque, ou a casa de um amigo., depois, obrigue-se a ir lá.
"Essa técnica é muito difícil. Precisa desempenhar duas tarefas: tem de obrigar-se a ir ao local determinado; e depois, quando já tiver dominado essa técnica, tem de aprender a controlar o tempo exato de sua viagem."
Viagem a Ixtlan – pág.115

Entenda, sonhar é o “não fazer” dos sonhos e, à medida que você progredir em seu não fazer, também progredirá no sonhar. O truque é não deixar de procurar suas mãos, apesar de não acreditar que aquilo que está fazendo tem sentido. Na verdade, como já lhe disse, um guerreiro não precisa acreditar, pois, enquanto continuar a agir sem acreditar, estará “não fazendo”.
Nós nos olhamos.
Não há mais nada que lhe possa dizer a respeito de sonhar continuou ele. - Tudo o que eu possa dizer será apenas “não fazer”. Mas, se lidar com “não fazer” diretamente, você mesmo saberá o que fazer no sonhar. Porém, a essa altura, encontrar suas mãos é essencial, e estou certo de que você as encontrará."
Viagem a Ixtlan – pág.186

 
- Sonhar é um auxílio prático, imaginado por feiticeiros continuou ele. - Eles não eram tolos; sabiam o que estavam fazendo ao procurarem a utilidade do nagual treinando seu tonal para se afrouxar um instante, por assim dizer, e depois apertar de novo. Essa declaração não lhe faz sentido. Mas é isso que você vem fazendo o tempo todo: treinando-se para se soltar sem perder as estribeiras. Sonhar, naturalmente, é a coroação dos esforços dos feiticeiros, o uso final do nagual.
Viagem a Ixtlan – pág.220

- Como vou equilibrar a minha segunda atenção?
- Você tem de sonhar como nós sonhamos. Sonhar é o único meio de se alcançar a segunda atenção sem prejudicá-la, sem torná-la ameaçadora e temível. A sua segunda atenção está fixa naquele lado terrível do mundo; a nossa está sobre a sua beleza. Você tem de trocar de lado e vir conosco. Foi isso que você escolheu ontem à noite, quando resolveu seguir conosco.
O Segundo Círculo do Poder – pág. 208

 A primeira atenção, a atenção que faz o mundo, nunca pode ser completamente dominada; pode apenas ser desligada por um instante e recolocada pela segunda atenção, desde que o corpo tenha armazenado bastante dela. Sonhar é, naturalmente, um modo de armazenar a segunda atenção. Assim sendo, eu diria que a fim de mudar em corpo sonhador enquanto acordado, tem de se praticar a sonho até que ele passe a ser uma coisa simples.
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Disse a La Gorda que Dom Juan me dera três tarefas para treinar minha segunda atenção. A primeira era encontrar minhas mãos na sonho. Em seguida recomendou que eu escolhesse um local, focalizasse minha atenção nele e então sonhasse de dia e descobrisse se poderia mesmo ir para lá. Sugeriu que eu colocasse alguém conhecido no lugar, de preferência uma mulher, a fim de fazer duas coisas: primeira, verificar mudanças súbitas que indicassem que eu estava lá em sonho; segunda, isolar o detalhe pequeno, que seria precisamente a coisa na qual a minha segunda atenção deveria se fixar.
O problema mais sério do sonhador a esse respeita é a fixação inflexível da segunda atenção no detalhe, que passaria completamente despercebido da atenção da vida diária, criando assim um obstáculo quase intransponível à sua validez. O que se procura no sonho não é aquilo a que se prestaria atenção todo dia.
O Presente da Águia, pág. 116

Dom Juan explicou que os sonhadores precisam atingir um equilíbrio muito sutil, pois os sonhos não podem sofrer interferência, assim como não podem ser comandados pelo esforço consciente do sonhador. Por outro lado, o deslocamento dos pontos de aglutinação deve obedecer ao comando do sonhador - uma contradição que não pode ser racionalizada mas que precisa ser resolvida na prática.
O fogo interior, pág. 167

- Sonhar é o avião a jato do feiticeiro. O nagual Elias era um sonhador assim como meu benfeitor era um espreitador. Era capaz de criar e projetar o que os feiticeiros conhecem como corpo de sonhar, ou "o outro", e estar em dois lugares distantes ao mesmo tempo. Com seu corpo de sonhar, podia ocupar-se de seus negócios como feiticeiro, e com seu eu natural um ser recluso.
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Antes que eu pudesse responder, recomeçou a falar sobre o nagual Elias. Disse que o nagual Elias tinha uma mente muito inquisidora e tinha muita habilidade com as mãos. Em suas jornadas como sonhador via muitos objetos, os quais copiava em madeira e ferro forjado. Don Juan assegurou-me que alguns desses modelos eram de uma beleza estranha e assustadora
Que tipos de objetos? - perguntei.
Não há um meio de saber. Você deve considerar que, por ser um índio, o nagual Elias entrava em suas jornadas de sonhar da mesma maneira como um animal selvagem ronda em busca de alimento. Um animal nunca aparece num lugar onde haja sinais de atividade. Vem apenas quando não há ninguém por perto. O nagual Elias, como sonhador solitário, visitava, digamos, a lixeira do infinito, quando ninguém estava presente, e copiava tudo o que via, mas nunca sabia para que aquelas coisas eram usadas ou qual a sua fonte.
O Poder do Silêncio, pág. 51

"- Você é um sonhador. Se não tiver cuidado com sua energia sexual, pode muito bem se acostumar à idéia de movimentos erráticos de seu ponto de aglutinação. Há um momento você estava espantado por suas reações. Bem, seu ponto de aglutinação move-se quase erraticamente, porque sua energia sexual não está equilibrada
O Poder do Silêncio, pág. 52

 
- Então vamos deixar as metáforas de lado - ele admitiu. - Digamos que sonhar é o meio prático dos feiticeiros utilizarem os sonhos comuns.
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- Sonhar só pode ser experimentado. Sonhar não é apenas ter sonhos; nem devaneios ou desejos ou imaginação. Sonhando podemos perceber outros mundos, que certamente podemos descrever; mas não podemos descrever o que nos faz percebê-los. No entanto podemos sentir de que modo o sonhar abre essas outras regiões. Sonhar parece uma sensação; um processo em nossos corpos, uma percepção em nossas mentes.
No decorrer de seus ensinamentos gerais, Dom Juan me explicou por completo os princípios, os fundamentos e as práticas da arte do sonhar. Sua instrução foi dividida em duas partes. Uma era sobre os procedimentos de sonhar; a outra sobre as explicações puramente abstratas desses procedimentos. Seu método de ensino era uma interação entre estimular minha curiosidade intelectual com relação aos princípios abstratos de sonhar e guiar-me para que eu buscasse um escoadouro em suas práticas.
A Arte do sonhar – pág. 8

"- Neste caso em especial, já que estamos falando sobre o primeiro portão do sonhar, o objetivo de sonhar é intentar que o seu corpo energético torne-se consciente de que você está caindo no sono. Deixe seu corpo energético fazê-lo. Intentar é desejar sem desejar, fazer sem fazer.
Aceite o desafio de intentar - prosseguiu ele. - Empenhe sua determinação silenciosa, sem qualquer pensamento, em convencer-se de que alcançou o corpo energético e de que é um sonhador. Isso irá automaticamente colocá-lo na posição de estar consciente de que está caindo no sono.”
- Como posso me convencer de que sou um sonhador, quando não sou?
Intentar é as duas coisas: o ato de convencer a si próprio de que é de fato um sonhador, apesar de nunca ter sonhado antes, e o ato de ficar convencido.
- Então eu tenho de dizer a mim mesmo que sou um sonhador e tentar o máximo possível acreditar nisso?
- Não. Intentar é muito mais simples e, ao mesmo tempo, infinitamente mais complexo do que isso. Exige imaginação, disciplina e objetivo. Neste caso, intentar significa que você obtém um conhecimento inquestionavelmente corporal de que é um sonhador. Você sente que é um sonhador com todas as células do corpo.
Assegurou-me que intentar o primeiro portão do sonhar era um dos meios descobertos pelos feiticeiros da antigüidade para chegar à segunda atenção e ao corpo energético.
A Arte do sonhar – pág. 40

Sonhar tem que ser uma coisa muito sóbria. Não é possível se dar ao luxo de qualquer movimento em falso. Sonhar é um processo de despertar, de obter controle. Nossa atenção sonhadora deve ser sistematicamente exercitada, porque ela é a porta para a segunda atenção.
- Qual é a diferença entre a atenção sonhadora e a segunda atenção?
- A segunda atenção é como um oceano, e a atenção sonhadora é como um rio que deságua nela. A segunda atenção é estar consciente de mundos inteiros, tão totais quanto o nosso, ao passo que a atenção sonhadora é estar consciente dos itens de nossos sonhos.
Ele enfatizou que a atenção sonhadora é a chave para cada movimento no mundo dos feiticeiros. Disse que entre a imensidão de itens de nossos sonhos existem interferências energéticas reais; coisas que foram postas em nossos sonhos por uma força estranha. Poder encontrá-las e segui-las é feitiçaria.
A ênfase que ele pôs naquelas afirmações foi tamanha que tive de pedir-lhe para explicar. Ele hesitou por um instante antes de responder.
- Os sonhos são, se não uma porta, um alçapão para outros mundos. Assim, os sonhos são vias de duas mãos. Por esse alçapão nossa consciência atravessa para outros reinos; e esses outros reinos mandam batedores para nossos sonhos.
- O que são esses batedores?
- Cargas de energia que se misturam aos itens de nossos sonhos normais. São fluxos de energia estranha que entram em nossos sonhos, e que nós interpretamos como itens familiares ou desconhecidos.
- Desculpe, Dom Juan, mas não consigo achar pé nem cabeça na sua explicação.
- Não consegue porque insiste em pensar nos sonhos em termos que você conhece: como aquilo que acontece conosco durante o sono. E estou insistindo em dar outra versão: o sonho é uma abertura para outras esferas de percepção. Através desse alçapão entram correntes de energias estranhas. A mente - ou o cérebro - capta essas correntes de energias e transforma em partes dos nossos sonhos.
A Arte do sonhar – pág. 43

- O que, exatamente, é o corpo energético?
- É a contrapartida do corpo físico. Uma configuração fantasmagórica feita de pura energia.
- Mas o corpo físico não é feito também de energia?
- Claro que é. A diferença é que o corpo energético tem apenas aparência, não tem massa. Como é energia pura, ele pode realizar atos além das possibilidades do corpo físico.
- Como o que, por exemplo?
- Como se transportar num instante até os confins do universo. E sonhar é a arte de afinar o corpo energético, de torná-lo flexível e coerente através do exercício gradual.
"Através do sonhar condensamos o corpo energético até que ele se torne uma unidade capaz de perceber. Sua percepção, apesar de afetada por nosso modo normal de perceber o mundo cotidiano, é independente. Tem sua própria esfera.”
- O que é essa esfera, Dom Juan?
- Essa esfera é a energia. O corpo energético lida com energia em termos de energia. Existem três modos através dos quais ele lida com a energia nos sonhos. Ele pode perceber a energia enquanto ela flui, pode usar a energia para lançar-se como um foguete até áreas inesperadas, ou pode perceber como percebemos comumente o mundo.
- O que significa perceber a energia enquanto ela flui?
- Significa “ver”. Significa que o corpo energético vê a energia diretamente como uma luz, como uma espécie de corrente vibratória ou como uma perturbação. Ou então sente-a como um tranco ou uma sensação que pode ser até dolorosa.
- E quanto ao outro modo do qual você falou. Dom Juan? O corpo energético usando energia como um combustível de foguete.
- Como a energia é a sua esfera, não há problema para o corpo energético usar correntes de energia que existem no universo para impulsioná-lo. Tudo que precisa é isolar essas correntes, e lá se vai ele.
A Arte do sonhar – pág. 46

- Você vai descobrir sozinho que o verdadeiro objetivo do sonhar é aperfeiçoar o corpo energético. Um corpo energético perfeito - entre outras coisas, claro - tem um controle tão grande sobre a atenção sonhadora a ponto de fazer com que o sonho pare quando for preciso. Essa é a válvula de segurança que os sonhadores têm. Não importa o quanto eles se entreguem num determinado momento, sua atenção sonhadora deve fazer com que possam emergir.
Comecei tudo de novo, em outra busca nos sonhos. Dessa vez o objetivo era mais escorregadio do que da primeira, e a dificuldade era ainda maior. Exatamente como acontecera na primeira tarefa, eu não conseguia ter idéia do que fazer. Sentia a suspeita desencorajante de que toda a prática que eu tivera não me ajudaria dessa vez. Depois de incontáveis fracassos desisti e decidi simplesmente continuar a fixar minha atenção sonhadora em todos os itens dos sonhos. A aceitação dessa incapacidade pareceu me dar um impulso, e tomei-me ainda mais capaz de manter a visão de qualquer item de meus sonhos.
A Arte do sonhar – pág. 58

 
- Para nós a novidade são os seres inorgânicos. E a novidade para eles é a nossa maneira de cruzar as fronteiras até o seu reino. De agora em diante você deve ter em mente que os seres inorgânicos, com sua consciência soberba, exercem uma tremenda atração sobre os sonhadores e podem facilmente transportá-los para mundos além de qualquer descrição.
"Os feiticeiros da antigüidade usavam-nos, e foram eles que cunharam o nome: aliados. Seus aliados lhes ensinaram a mover o ponto de aglutinação para fora dos limites do ovo, para o universo não-humano. Quando transportam um feiticeiro, eles transportam-no para mundos além do domínio humano.”
Enquanto ouvia fui assolado por estranhos medos e dúvidas, que ele captou de imediato.
- Você é um homem religioso até não poder mais - e riu.
- Bom, está sentindo o bafo do diabo na nuca. Pense nesses termos sobre o sonhar: sonhar é perceber mais do que acreditamos que é possível perceber.
Enquanto estava acordado eu me preocupava com a possibilidade de os seres inorgânicos realmente existirem. Quando sonhava, entretanto, minhas preocupações conscientes não tinham muita importância. Os choques de medo físico prosseguiram, mas vinham sempre seguidos por uma estranha calma; uma calma que assumia o controle sobre mim e deixava que eu procedesse como se não tivesse qualquer medo.
A Arte do sonhar – pág. 65

- Onde ficam esses mundos, Dom Juan? Em posicionamentos diferentes do ponto de aglutinação?
- Certo. Em posicionamentos diferentes do ponto de aglutinação, mas posicionamentos aos quais os feiticeiros chegam com um movimento do ponto de aglutinação, não com um deslocamento. Entrar nesses mundos é o tipo de sonhar que apenas os feiticeiros de hoje em dia fazem. Os feiticeiros antigos ficaram longe dele, porque é necessário um grande desprendimento e nenhuma auto-importância. Um preço que eles não podiam se dar ao luxo de pagar.
"Para os feiticeiros que o praticam atualmente, o sonhar é a liberdade de perceber mundos além da imaginação.”
A Arte do sonhar – pág. 97

- Quero dizer que não é verdadeiro falar, por exemplo, que o segundo portão é alcançado e atravessado quando um sonhador aprende a acordar em outro sonho, ou quando um sonhador aprende a mudar de sonhos sem acordar no mundo da vida cotidiana.
- Por que não é verdadeiro, Dom Juan?
- Porque o segundo portão do sonhar é alcançado e atravessado somente quando o sonhador aprende a isolar e a seguir os batedores da energia estranha.
- Então por que se dá a idéia de mudar de sonhos?
- Acordar em outro sonho ou mudar de sonho é o exercício imaginado pelos feiticeiros antigos para treinar a capacidade do sonhador isolar e seguir um batedor.
Dom Juan afirmou que a capacidade de seguir um batedor era uma grande realização, e que quando os sonhadores conseguem fazê-lo, o segundo portão é escancarado e o universo que existe por trás dele torna-se acessível. Enfatizou que esse universo está lá todo o tempo, mas que não podemos chegar a ele porque não temos habilidade energética e que, em essência, o segundo portão do sonhar é a porta para o mundo dos seres inorgânicos, e o sonhar é a chave que abre essa porta.
A Arte do sonhar – pág. 125

 
O terceiro portão do sonhar é alcançado quando você se pega num sonho olhando para outra pessoa adormecida. E descobre que essa pessoa é você mesmo - disse Dom Juan.
Meu nível de energia estava tão alto, na época, que passei a trabalhar imediatamente na terceira tarefa, apesar de ele não me oferecer mais nenhuma informação além do que dissera. A primeira coisa que percebi, no treinamento de sonhar, foi que um jorro de energia imediatamente rearrumou o foco de minha atenção sonhadora. Ela estava direcionada para que eu acordasse num sonho e me visse dormindo; viajar ao mundo dos seres inorgânicos não estava mais em questão.
Logo depois me encontrei num sonho, olhando para mim mesmo adormecido. Imediatamente informei a Dom Juan. O sonho acontecera enquanto eu estava em sua casa.
- Existem duas fases em cada portão do sonhar - disse ele. - A primeira, como você sabe, é chegar ao portão; a segunda é atravessá-lo. Sonhando o que sonhou, que se viu dormindo, você chegou ao terceiro portão. A segunda fase é movimentar-se assim que vir você mesmo dormindo.
"No terceiro portão do sonhar - prosseguiu ele - você começa deliberadamente a fundir sua realidade de sonho com a realidade do mundo cotidiano. Esse é o exercício, e os feiticeiros chamam-no de completar o corpo energético.
A Arte do sonhar – pág. 160

- O que é um mundo real, Dom Juan?
- Um mundo que gera energia; o oposto de um mundo fantasmagórico de projeções, onde nada gera energia; como na maioria de nossos sonhos, onde nada tem efeito energético.
Dom Juan me deu outra definição do sonhar: é um processo através do qual os sonhadores isolam condições de sonho em que podem encontrar elementos geradores de energia. Ele deve ter percebido meu espanto. Riu e deu outra definição ainda mais enrolada: sonhar é o processo através do qual intentamos encontrar posicionamentos adequados do ponto de aglutinação, posicionamentos que permitem que percebamos itens geradores de energia em estados de aparência onírica.
Explicou que o corpo energético também é capaz de perceber energias muito diferentes da energia de nosso mundo. Como no caso dos itens do reino dos seres inorgânicos, que o corpo energético percebe como energia crepitante. Acrescentou que em nosso mundo nada crepita; aqui tudo ondula.
- De agora em diante - falou - a questão em seu sonhar será determinar se os itens nos quais você concentra sua atenção sonhadora são geradores de energia ou meras projeções fantasmagóricas, ou se são geradores de energia alienígena.
A Arte do sonhar – pág. 184

 
- Estou dizendo isso tudo porque agora você está, pela primeira vez, na posição adequada para entender que o sonhar é uma condição geradora de energia. Pela primeira vez você pode entender que os sonhos comuns são os dispositivos usados para treinar o ponto de aglutinação a alcançar o posicionamento que cria essa condição geradora de energia, que chamamos de o sonhar. 

A arte do sonhar – pág. 194

- A primeira parte desta lição do sonhar é que a masculinidade e a feminilidade não são estados definitivos, e sim o resultado de um ato específico de posicionamento do ponto de aglutinação. E esse ato de rearrumar o ponto de aglutinação é, naturalmente, questão de vontade e treinamento. Como era um tema caro aos feiticeiros da antigüidade, apenas eles podem lançar alguma luz sobre isso.

 A arte do sonhar – pág. 233
 

A arte do sonhar é a capacidade de utilizar nossos sonhos comuns e transformá-los numa consciência controlada por uma forma especial de atenção chamada a atenção sonhadora.
A roda do tempo, pág. 196

 
- Não, não é sonhar - disse ele enfaticamente. - Isto é algo mais direto e mais misterioso. Aliás, tenho uma nova definição de sonhar para você hoje, mais de acordo com seu estado de ser. Sonhar é o ato de mudar o ponto de ligação com o mar escuro da consciência. Se você olhar para isso dessa forma, é um conceito e uma manobra muito simples. Requer tudo de você para percebê-lo, mas não é uma impossibilidade nem algo cercado de nuvens místicas.
"Sonhar é um termo que sempre me incomodou muito, porque enfraquece um ato muito poderoso. Faz com que pareça arbitrário; dá uma sensação de ser uma fantasia, e isso é a única coisa que não é. Tentei mudar o termo eu mesmo, mas ele está muito arraigado. Talvez algum dia você mesmo possa mudá-lo, apesar de que, como em tudo na feitiçaria, temo que quando você realmente puder fazê-lo não se importará mais com isso porque não fará mais nenhuma diferença como chamá-lo."
Dom Juan explicara amplamente, durante todo o tempo que eu o conheci, que sonhar era uma arte, descoberta pelos feiticeiros do México antigo, por meio da qual os sonhos comuns eram transformados em entradas legítimas para outros mundos de percepção. Sustentava, de todas as maneiras que podia, o advento de algo que ele chamava de atenção do sonhar, que era a capacidade de dar um tipo de atenção especial, ou de colocar um tipo especial de consciência nos elementos de um sonho comum.
Seguira meticulosamente todas as suas recomendações e tinha conseguido comandar minha consciência para permanecer fixada nos elementos de um sonho. A idéia que Dom Juan propunha era não começar deliberadamente a ter um sonho desejado, mas de fixar a atenção nos elementos componentes de qualquer sonho que se apresentasse.
O lado Ativo do infinito, pág. 221

 
Ela confessou que uma consideração séria a respeito dos sonhos de feiticeiros, que surgia de suas próprias falhas, era a dificuldade de incutir nas mulheres a coragem para abrir caminho num novo campo. A maioria das mulheres - e ela afirmou que era dessas - prefere seus grilhões seguros ao pavor de novos.
- Sonhar é só para as mulheres corajosas - murmurou ela, em meu ouvido. Depois deu uma gargalhada e acrescentou: - Ou para as mulheres que não têm outra opção, porque suas circunstâncias são insuportáveis - categoria a que pertence a maioria das mulheres, mesmo sem o saber.
Sonhos Lúcidos, pág. 256

 
- Como é que partilhamos os nossos sonhos? - tomei a perguntar.
Zuleica parou de se balançar. Sacudiu a cabeça e, depois, levantou os olhos, num sobressalto, como se tivesse acordado de repente.
- É impossível eu explicar isso agora - declarou ela. - Sonhar é incompreensível. A gente tem de alimentar isso e não discuti-lo. Como no mundo cotidiano, antes de explicar e analisar alguma coisa, é preciso experimentá-lo. - Ela falava devagar e com ponderação. Reconheceu que é importante explicar à medida que se avança. - No entanto, por vezes, as explicações são prematuras. Esta é uma dessas ocasiões. Um dia tudo isso fará sentido para você - prometeu Zuleica, vendo a decepção em meu rosto.
Sonhos Lúcidos, pág. 263

 
- Agora estou sonhando!
Sonhara que as feiticeiras iam ao meu quarto e me exercitavam nos raciocínios dos feiticeiros. Elas me disseram, vezes e mais vezes, que sonhar é a função secundária do útero sendo a primeira a reprodução e o que estiver relacionado com isso. Disseram-me que sonhar é uma função natural nas mulheres, corolário puro da energia. Tendo suficiente energia, o corpo da mulher, por si só, desperta as funções secundárias do útero, e a mulher sonhará sonhos inconcebíveis.
No entanto, essa energia necessária é como o auxilio a um país subdesenvolvido: não chega nunca. Alguma coisa na ordem geral de nossas estruturas sociais impede que essa energia se libere para que as mulheres possam sonhar.
Se essa energia fosse livre, as feiticeiras me disseram, chegaria a derrubar a ordem "civilizada" das coisas. Mas a grande tragédia das mulheres é que a sua consciência social domina completamente a sua consciência individual. As mulheres têm medo de serem diferentes e não querem se afastar demais dos confortos do conhecido.
As pressões sociais impostas a elas, para não se desviarem, são fortes demais e, em vez de mudarem, concordam com o que lhes foi ordenado: as mulheres existem para estar às ordens dos homens. Assim, nunca podem sonhar sonhos de feitiçaria, embora possuam disposição orgânica para tal.
A feminilidade destruiu as oportunidades das mulheres
Sonhos Lúcidos, pág. 263

 
"O melhor modo de desdobrar nossa percepção é através do ensonhar. Como método, o ensonhar é igualmente simples, mas menos arriscado; é mais inclusivo e, principalmente, muito mais natural.
"O objetivo do aprendiz é tomar as rédeas de seu ponto de aglutinação. Uma vez que consegue deslocá-lo, está obrigado a repetir esses movimentos sem ajuda externa, por meio de disciplina e impecabilidade. Então pode ser dito que o guerreiro encontrou um aliado".
Encontros com o Nagual, pág. 122

 
"Para romper a armadilha da fixação é válido, em princípio, apelar a qualquer recurso. Na maioria dos casos, só um empurrão proveniente do exterior pode provocar em uma pessoa o movimento do ponto de aglutinação. Quando nós temos muita, mas muita sorte, esse empurrão nos chega pelo golpe de um nagual.
"Uma vez conseguido o deslocamento inicial, o guerreiro dever lutar pelo domínio de sua atenção, e deve fazê-lo por meio do exercício do intento e a prática do ensonho. Ensonhar é a porta de escape para a raça humana e é a única coisa que dá à nossa existência sua dimensão apropriada"
Encontros com o Nagual, pág. 124