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domingo, 5 de fevereiro de 2012

Contemplar ou Agir?

Temos o prazer e a dor de viver num mundo dual que é esse nível de evolução onde estamos: bom e mau, mocinho e bandido, homem e mulher, dia e noite, capitalismo e comunismo, ditadura e democracia, e por aí afora. A lição de casa é harmonizar os opostos para passar para o segundo ano, coisa que deve levar no mínimo algumas vidas (rsrs).
Na busca interior também é assim. Temos duas formas de estar no mundo: agindo e contemplando. É claro que isso é uma forma didática de apresentar a coisa. A rigor temos que conciliar as duas no Agora. A nossa tarefa é estar presente e contemplar na ação, ao mesmo tempo em que ela ocorre. Temos que “agitemplar”, ou contemplagir” (rsrs), Coisa de gente “louquinha”
Sempre se falando didaticamente, contemplar na ação já é um segundo estágio, pois o primeiro é só “contemplar na calma”, ou seja o que vulgarmente chamamos de meditar, seja na posição que for. Qualquer pessoa que já tentou meditar conhece a dificuldade de centrar a atenção no seu interior mesmo que seja por alguns segundos, pois a “tarefa” é sabotada pelo diálogo interno e pelos apelos e acenos de uma mente ocidental que nunca aprendeu nada sobre o vazio. Contemplar na ação é a segunda fase de dificuldade mas pode perfeitamente ser o ponto de partida, ou seja a vítima age e observa ao mesmo tempo em que está agindo. Nesse ponto ela toma contato com o mistério da Atenção. A gente se pergunta “que coisa é essa que observa a ação e ao mesmo tempo observa a si mesmo num estado além da mente e sem a participação habitual dela?” Quem já fez os complicados movimentos Gurdjieffianos e por um instante se flagrou íntegro internamente observando–se na ação corporal, sabe exatamente do que se trata isso.
 O Cristianismo monástico apontava essas duas abordagens da realidade, a contemplação e a ação, comparando as formas com que Maria e Marta atuavam ao lado de Jesus Cristo. A primeira era uma contemplativa que apreendia o mundo olhando com os olhos do corpo e da alma, a segunda uma ativa, lidando com a concretude da vida, e que reclamava da atuação da primeira. É sempre assim: o ativo sempre julga e critica o contemplador quieto e recolhido. A grande Santa Teresa D’Ávila, uma contempladora soberba sofreu essa discriminação de seus pares e contemporâneos de uma forma aguda e impiedosa. O mesmo fato ocorreu com outros verdadeiros santos cristãos, mesmo estando já recolhidos em mosteiros ou isolados da turba em florestas ou desertos. Acho que é um viés que temos de valorizar a ação, o movimento. o convívio. O show da vida tem para nós mais charme que o recolhimento observador, e isso tudo agravado pela síndrome da incompreensão do desconhecido que leva as pessoas em torno a segregar os “diferentes”, no caso os contemplativos. A Inquisição é o resultado desse comportamento intolerante levado ao extremo.
Os toltecas do Antigo México também “viam”, com seus olhos de videntes, que os discípulos eram ou sonhadores ou espreitadores, cada um com uma atuação diferente, mas empenhados na mesma causa: atingir o que chamavam de liberdade total. A Espreita  e o Sonho são os dois pilares, as duas disciplinas dessa busca dos chamados “bruxos” toltecas, nome impróprio para definir esses formidáveis “homens de conhecimento” do Antigo México, que nos deixaram através de monumentos e dos 15 livros de Castaneda e discípulos, um legado inestimável de conhecimento interior.
O sonhador, discreto, arredio e inacessível,  estabelece uma conexão estreita entre o sonho lúcido e a vigília e então passa a viver conscientemente nos dois mundos como se fossem o mesmo. Executa proezas sofisticadíssimas e inacreditáveis de percepção, cura, ubiqüidade e transformação física que sequer podemos imaginar.
Já o espreitador tem uma natureza prática e dada ao convívio e relacionamento com o outro. Ele organiza sua vida concreta e material com praticidade e com uma visão real do mundo que o cerca, Esse palco é o seu campo de atuação. Observa, aprende e age discretamente, “na moita”, sem se expor, conseguindo os seus objetivos interiores ou exteriores gastando o mínimo de energia. Tem uma visão real do mundo, sem ilusões e fantasias. Isso é o que eles chamavam de impecabilidade. Don Juan dizia que, no relacionamento com o outro, “nunca se deve bater de frente”, mas sempre não perder o foco do objetivo proposto, seja lá o que for. Um desafio para o ego cheio de apego.  Esse princípio da espreita, de ficar atrás da cena, é altamente valorizado no taoísmo chinês e gerou a arte marcial do Tai Chi onde a força do golpe do adversário é apanhada num movimento “sem resistência” e é envolvida num gesto redondo e acolhedor, mente vazia de pensamentos, sem raiva, medo ou apego, aproveitando-se a força do adversário  para dominá-lo. Puro Yin Yang.
Os sonhadores e espreitadores correspondiam no universo dos homens de conhecimento toltecas aos contemplativos e ativos do cristianismo. As duas tradições conheciam bem essa dualidade como um divisor da natureza e atuação dos buscadores, um contraponto  gerador de atritos internos e externos imprescindíveis ao desenvolvimento interior do ser que está na busca.
Gurdjieff conceituava o espreitador com o nome de “obyvatel”, uma palavra russa que pode ser traduzida livremente por “dono de casa”, um servidor sem ego, um tipo que deliberadamente sustentava sua família, agregados ou outras pessoas de forma séria mas não sizuda, responsável, realista, pés no chão, e que se ria das pessoas que se julgavam importantes e acreditavam que “faziam as coisas acontecerem”.
Se contemplarmos o símbolo do Ying Yang poderemos ter uma compreensão da atuação dessas duas naturezas se complementando no Agora e formando a Unidade.
Um abraço

domingo, 26 de junho de 2011

Contemplar - 2 (o "não fazer")

Hoje pela manhã o buscador aqui, começou a meditar da maneira habitual, mas com uma intenção nova, que tem tentado ultimamente com assiduidade. Aliás, aqui entre nós, meditação (mediar, estar no meio, fazer a conexão) apesar de ser uma palavra forte e apropriada, não parece ser a melhor palavra. Contemplar soa melhor, porque ela toca algo inefável na Consciência, uma qualidade do Ser que é encantadora, sem a qual o caminho fica mais lento e difícil: uma “imobilidade ativa", um “não-fazer lúcido”, atento. É simplesmente “não fazer” o que se faz normalmente, só contemplar... os toltecas o consideram uma disciplina clara, precisa e mágica para aingir o que chamam de Segunda Atenção. Hoje eu percebo que contemplar sem agir, é a porta secreta para o Invisível, que é a casa da busca interior do Ser.
E lá estava eu... apoiado interiormente na intenção do tripé imprescindível para abrir a porta do Ser:

  • atenção no vai-e-vem da respiração,
  • “ocupar” o espaço do meu corpo sentindo as sensações, e...bingo!
  • esvaziar o mental: o silêncio interior.
Quando você raramente consegue a façanha desse instante fugidio, dessa geometria interior, pensa assim: “ganhei a batalha”. - Nã... nã... nã... aí é que começa a verdadeira batalha: manter a coisa...
Na verdade é um campo de batalha diário, e contraditoriamente silencioso, mas não menos real que uma batalha nas trincheiras. Lembra-me uma frase de Fernando Pessoa; “O esforço que fez Napoleão para conquistar a Europa, eu faço todo dia para levantar da cama”.
Eu sempre inicio pelo primeiro, "a atenção á respiração". Por que? Aí tem uma malandragem. Porque é o mais fácil, porque é apoiado num “fazer”, e o fazer é só o que sabemos fazer (rsrs) com facilidade, não depende de outra coisa senão dar a ordem e tentar manter a intenção, não perder o fio do novelo. Mas mesmo sendo o mais fácil, exige atenção e disciplina. Não desista. Se perdeu o fio, volte. Com paciência, interesse, intenção. O sucesso aqui é contado não por quanto tempo eu consigo ficar ligado no vai-e-vem da respiração sem interrupção, mas em quantas vezes eu me perco e, pacientemente, volto. Na boa.
Mas tem mais coisa, aliás muito mais coisas... Eu tenho que, mesmo sem fazer nada, coordenar nas entrelinhas o “controle” das três ações dessa “trindade”, mantendo um distanciamento interno que atua, sem se envolver nelas, sem me atirar afoito em nenhuma. Não me pergunte como se faz isso. È um fazer sem fazer. Sutil como o equilíbrio na corda bamba. É um mistério. A gente só consegue fazer, fazendo. Lembra um pouco aquele personagem do circo que mantém um número enorme de pratinhos girando em cima das varetas, sem deixar cair nenhuma... um espanto: “ôÔpa... vai cair aquela ali... consegui... e tem a outra... chíí, tem mais duas... acertei... vixe, caiu tudo!”. Só dá certo na hora em que ele consegue se livrar do apego, abrindo mão do resultado. É quando o buscador só está ali pela diversão do corpo, mente e espírito, e mais, o compromisso sério da proposta. Resumindo: abrir mão do resultado, e ao mesmo tempo buscá-lo com afinco... pensamento, emoção e corpo. Fácil, não é?...
Posto isso, enquanto eu percebo que uma parte da minha Atenção, essa coisa misteriosa, está “manobrando” a respiração sem atuar, só na intenção, outra parte está ligada em um “fazer”, sintonizado à sensação do corpo, que na verdade é um não-fazer. Eu explico: a atitude correta é a Atenção tentar ser uma antena que registra uma vasta gama de todo e qualquer sinal vindo do corpo (sensação, emoção, pensamento), mas a atitude justa é não tentar procurar ou “agarrar” nada, só receber. Por isso é um não-fazer. Uma antena que se preze não faz nada. Só recebe, sem o esforço de ir buscar. A Atenção foi feita para isso, mas o problema é que ela convive misturada com o ego, lá dentro de nós, e o ego se julga dono de tudo, só quer agarrar, e com isso obscurece ou mesmo cega a Atenção. Nós é que temos que separar o joio do trigo e, delicada e mansamente, tentar isolar a ação do ego, tirando o ar dele numa boa, sem briga. Cada dia a gente aprende uma sutileza para lidar com esse sujeitinho.
Muito bem, ainda falta um pé do tripé. Deixamos para o final porque é o mais sutil, manhoso, esperto e difícil de trabalhar: o Silêncio Interior do mental, o vazio: nada de pensamento. Não tem passado e não tem futuro. È o mais difícil de trabalhar. Por que? Porque mais que a sensação do corpo, o silêncio do mental é um profundo não-fazer. É o “não-fazer do falar”. Para conseguir atingi-lo você tem que cancelar a força absurda do diálogo interno implantado não-sei-por-quem em nossa mente como uma sutileza diabólica do nosso funcionamento: ele leva a vantagem de ser um piloto-automático. É como a gravidade, simplesmente está lá todo o tempo. Não faz nenhum esforço e portanto não descansa. Vacilou, ele vence, introduzindo-se de mansinho como uma sombra. A âncora de que eu preciso é a atenção na respiração. Ela permite um distanciamento não para se contrapor ao pensamento que surge com aparência inocente, mas sim para contemplá-lo nascendo, passando
disfarçado, e não embarcar na carona deliciosa e envolvente que ele é. - Mas, e se eu embarcar sem perceber? 
Ao notar que embarquei, sem culpa eu retorno ao eixo, como Ulysses ao ouvir o canto das sereias...
Don Juan falava a Castaneda textualmente (sobre o diálogo interno, que é o inimigo do silêncio do mental) no livro “Porta para o Infinito” e até ensinava como antídoto a ele “uma maneira correta de andar”:

  • "- Já lhe disse que o diálogo interno é o que nos prende à terra.  O mundo é isso e aquilo somente porque falamos conosco dizendo que ele é isso e aquilo. A passagem para o mundo dos homens de conhecimento se abre depois que o guerreiro aprende a parar o diálogo interno. Modificar nossa concepção do mundo é o ponto nevrálgico do conhecimento - disse ele. - E parar o diálogo interno é o único meio de conseguir isso”. Pag. 20
  • “A vidência só ocorre quando o guerreiro consegue parar o diálogo interno. Hoje, você parou sua conversa à sua vontade, lá no mato. E você “viu”. Pag. 30
  • “- Como você sabe, o ponto nevrálgico do conhecimento é o diálogo interno; esta é a chave de tudo. Quando um guerreiro aprende a pará-lo, tudo se torna possível; os planos mais rebuscados se tornam exeqüíveis. O caminho para todas as experiências fantásticas e sobrenaturais que você teve recentemente foi o fato de você conseguir parar de falar consigo mesmo”. Pag. 86
 Já que você está na sintonia, veja um vídeo do Heckhart Tolle sobre  Meditar, ou Contemplar. Copie e cole na sua barra de endereços do Google:
https://www.youtube.com/watch?v=X5vrPIR2pMM