Você já deve ter percebido que todas as tradições autênticas de busca interior, entre elas o budismo, o hinduismo, o cristianismo, falam, com diferentes nuances, que o mundo é uma ilusão, uma criação da nossa mente, e por aí afora. Afirmam que a realidade não é vista diretamente por nós humanos, algo assim como um aquário onde colocaram um corante na água e o peixinho diz: “O mundo é azul”...
O cinema engajado na busca interior já percebeu isso e produziu filmes e séries muito interessantes sobre o tema, como Matrix, O Show de Truman, Cidade das Sombras e outros.
A gente então, para não encrencar logo de saída, pode até aceitar que o que chamamos de realidade, ou de mundo, é um “produto de segunda mão”, uma interpretação da “verdadeira realidade”. Mas esse aceitar soa mais como uma adesão gratúita, um "aceitar por aceitar", porque a rigor aí tem um problema, um ponto obscuro: como funciona esse processo pelo qual a realidade é escamoteada de nós? Como é exatamente que a gente é enganado? Ninguém explica isso direito.
Vamos então tentar explicar segundo a visão dos videntes toltecas que há muitos milhares de anos atrás esclareceram o mistério melhor que a Psicologia atual, que somente agora começou a arranhar a superfície da coisa.
Antes disso, como já acenamos de passagem em algumas postagens anteriores como O Mar Escuro da Consciência, temos que dar uma breve visão geral de alguns conceitos que formam o universo dessa incrí vel e milenar tradição. Vamos ver o que diziam os toltecas:
• Há duas forças universais, de criação e destruição, atuando a cada instante eternamente. Uma faz, outra desfaz.
• Então, a função de qualquer ser vivo é gerar Consciência para alimentar essa fonte eterna de energia inteligente chamada de O Mar Escuro da Consciência, senão ela acaba.
• Visto pelos xamãs e videntes toltecas, em estados alterados de consciência, O Mar Escuro da Consciência se mostra como uma incomensurável Águia.
• Essa fonte produz emanações (chamadas “comandos da Águia”) que sustentam a vida de tudo o que há no Universo, mas na hora da morte Ela pede de volta a Consciência que foi produzida pelos seres vivos, na sua passagem pelos mundos. Ela dá Vida e cobra a Consciência obtida. Justo, não? Você pensou que viver era de graça?...
• As emanações (Gurdjieff as chama de impressões - "sem as quais não vivemos sequer um segundo") que chegam aos seres vivos são caóticas, pois vem de uma dimensão profunda, fora do tempo e espaço do cosmos, fora da mente racional, e quem as vislumbrasse diretamente não entenderia nada ou poderia ficar louquinho. As ervas usadas pelos xamãs em rituais tem o poder, entre outras coisas, de dar ao iniciante uma visão desse intrigante caos, como forma de quebrar a ditadura da mente racional que insiste em que o mundo é só esse mundo visto pelos 5 sentidos. Foi assim que Don Juan fez com Castaneda, que tomou peyote e mescalito, mas somente para "quebrar" seu mental teimoso e cristalizado. Não era para dar nenhum "barato".
• A Águia nos deu a Razão, uma ferramenta para organizar o caos e torná-lo compreensível nessa dimensão em que estamos, mas a Razão não entende o caos. Ela precisa de um filtro que traduza e interprete as emanações “em estado bruto”, tornando-as familiares a nós.
• Às emanações filtradas e interpretadas, nós chamamos de mundo, coisas, objetos, pensamentos, sensações, emoções, sentimentos, realidade, universo, ou lá o que seja.
• O processo de filtrar a realidade era chamado pelos toltecas de “desnate”, pois é exatamente como fazemos com o leite fervido para tirar a nata e deixá-lo bonitinho e estéticamente aceitável e agradável. É assim que nos ensinam a fazer com a impressões que nos chegam, transformando-as no mundo familiar que conhecemos.
• Uma vez que uma impressão qualquer foi “desnatada” quando chegou, nunca mais vamos percebê-la originalmente como era. Só como ficou de aí por diante.
• A Percepção acontece fora do nosso corpo físico, mas ainda dentro do invólucro maior que é o nosso corpo energético. Ela ocorre dentro de uma esfera luminosa do tamanho de uma bola de tênis que fica nas costas do ovo luminoso que envolve nosso corpo, na altura da omoplata. Esse ovo é o nosso corpo energético.
• Existem 3 atenções, 3 níveis de talento, cada uma com seu domínio independente, completas por si só. Esse processo do desnate se dá na primeira atenção, que é a habitual do dia a dia, a única que conhecemos. A segunda é a atenção intensificada dos xamãs, homens de conhecimento, e que às vezes pressentimos, mas logo descartamos. A terceira, raríssima, é a atenção unificada pelo fogo interior, que acende todas as emanações da Águia presentes no ovo luminoso do ser, e o transforma em energia sem deixar vestígios. (As tradições registram casos conhecidos do fenômeno)
Muito bem. Definidos os conceitos, vamos à operação. (Está parecendo apresentação de negócios. - rsrs)
Cena: Somos ainda bebes. Chega à nossa percepção uma emanação qualquer vinda das profundezas da Consciência (impressão de qualquer tipo nos cinco sentidos conhecidos - mais outros sentidos que sequer conhecemos). Nós nos maravilhamos. Ato contínuo, chega alguém, o pai, a mãe, professor, padre, rabino, pastor, sei-lá-quem (o mundo está cheio de ajudantes e mestres generosos e dedicados) e prontamente, com a maior das boas intenções, define a complexa emanação de uma maneira rasteira como ele ou ela mesmo aprendeu pelo processo de socialização da chamada "educação": em geral ele ou ela dá um nome à coisa, ou esconde “porque é feio”, ou descarta, ou “enfeita o pavão”. Pronto. Rotulou. Desnatou. Fechou o assunto. Na próxima vez que a emanação se apresentar, a vítima já está vendo a impressão “desnatada”. Não é mais a mesma emanação original, mas um subproduto falsificado da Realidade. A vítima então já é um sócio, já pertence ao clube, que é toda a humanidade socializada, que enxerga tudo padronizado como vimos em Matrix e nos outros 2 filmes. Você é um deles. Tristeza, não? Mas tem que ser assim... O personagem do filme, Neo (novo ser) é cada um de nós, com a vocação de sair dessa.
O que é então esse desnate? É o filtro da Realidade. É o que a transforma numa interpretação falseada dela mesma.
É esse processo que chamamos ingenuamente de Aprendizado, Educação... Para nos reconectarmos mais tarde com a Realidade, temos que desaprender tudo com muito esforço e dedicação. Bota esforço nisso.
Vamos abaixo relatar uma manobra soberba de dois exímios xamãs, Don Juan e Don Genaro, manipulando a percepção do aprendiz Castaneda, para mostrar o que era uma impressão antes do “desnate”, ou seja, como era o mundo das emanações, dos comandos da Águia antes de a filtragem do aprendizado “interpretar” a Realidade: como é que era primordialmente, por exemplo, a complexa emanação original chamada por nós (depois de interpretada) de o sol, a árvore, o chão, etc, e cuja percepção, antes do desnate, demandava todo o nosso ser integralmente, todos os sentidos conhecidos ou não, e não somente um deles como fazemos habitualmente.
Até aqui, tudo bem? Todos a bordo? Então vamos nessa:
"- Dom Juan aproximou-se mais de mim. Inclinou-se e cochichou em meu ouvido direito.
Dom Genaro também se inclinou para mim e cochichou em meu ouvido esquerdo.
Ficaram sussurrando em meus ouvidos até eu ter a sensação de estar sendo dividido ao meio. Tornei-me uma névoa, como na véspera, um brilho amarelo que sentia tudo diretamente. Isto é, eu podia saber as coisas. Não se tratava de pensamentos; só havia certezas. E quando entrei em contato com uma sensação suave, esponjosa, saltitante, que ficava fora de mim e no entanto era parte de mim, eu sabia que era uma árvore. Senti que era uma árvore pelo cheiro. Não tinha o cheiro de nenhuma árvore específica de que eu me lembrasse, e não obstante alguma coisa dentro de mim sabia que aquele odor especial era a essência da árvore. Não tinha apenas a impressão de saber, nem raciocinei sobre meu conhecimento, nem remexi com indícios. Simplesmente sabia que havia ali alguma coisa em contato comigo, em volta de mim, um cheiro amigo, quente e compulsivo emanando de algo que não era nem sólido nem líquido, e sim algo diferente, indefinido, que eu sabia ser uma árvore. Senti que sabendo dela desse jeito eu estava tocando em sua essência. Não me sentia repelido por ela. Ao contrário, ela me convidava para me fundir com ela. Engolfava-me, ou eu a engolfava. Havia um laço entre nós que não era nem maravilhoso nem desagradável.
A sensação seguinte de que pude me lembrar com clareza foi uma onda de assombro e exultação. Em mim, tudo vibrava. Era como se me atravessassem cargas de eletricidade. Não eram dolorosas. Eram agradáveis, mas de uma forma tão indeterminada que não havia meio de classificá-las. Não obstante, eu sabia que aquilo com que eu estava em contato era o solo. Uma parte de mim reconhecia com uma certeza precisa que era o solo. Mas no momento em que tentei distinguir a infinidade de percepções diretas que eu estava tendo, perdi toda a capacidade de diferenciar minhas percepções.
Aí, de repente, eu era eu mesmo outra vez. Estava pensando. Foi uma transição tão abrupta que pensei que eu tinha acordado. No entanto, havia algo em meu modo de sentir que não era bem eu. Eu sabia que realmente faltava alguma coisa antes mesmo de abrir bem os olhos. Olhei em volta. Ainda estava num sonho, ou tendo alguma visão. Meus processos mentais, porém, não só estavam afetados, como eram extraordinariamente claros. Fiz uma avaliação rápida. Eu não tinha dúvidas de que Dom Juan e Dom Genaro tinham provocado meu estado de sonho com um propósito específico em mente. Eu parecia estar a ponto de compreender qual era esse propósito quando algo estranho a mim obrigou-me a prestar atenção ao que me cercava. Levei tempo para me orientar. Eu estava deitado de bruços, e num chão espetacular. Examinando-o, não pude deixar de sentir assombro e admiração. Não consegui imaginar de que fosse feito. Placas irregulares de alguma substância desconhecida tinham sido colocadas de um modo muito complexo e ao mesmo tempo simples. Tinham sido postas juntas, mas não estavam pregadas no chão nem umas nas outras. Eram elásticas e cediam quando eu tentava afastá-las com meus dedos, mas quando as soltava, voltavam logo a sua posição original.
Tentei levantar-me e fui preso da mais absurda distorção sensorial. Eu não tinha controle sobre meu corpo; na verdade, meu corpo nem parecia me pertencer. Era inerte; eu não tinha ligação com nenhuma de suas partes e, quando tentei levantar-me, não consegui mexer os braços e fiquei me contorcendo indefeso, de barriga para baixo, rolando de lado. O impulso de minhas contorções quase me fez dar uma volta completa, tornando a ficar de bruços. Meus braços e pernas esticados me impediam de virar-me e fui parar de costas. Nessa posição, vi de relance duas pernas de forma estranha e os pés mais distorcidos que jamais vira. Era o meu corpo!
Eu parecia estar envolto numa túnica. A idéia que me veio à mente foi que eu estava experimentando uma cena de mim mesmo como aleijado ou inválido. Tentei curvar as costas e olhar para minhas pernas, mas só conseguia sacudir o corpo. Estava olhando para um céu amarelo, um céu de um amarelo-limão, forte e profundo. Ele tinha fendas ou canais de um tom amarelo mais profundo e uma porção de protuberâncias penduradas como pingos d’água. O efeito total daquele céu incrível era arrasador. Eu não conseguia saber se as protuberâncias eram nuvens. Havia ainda zonas de sombras e zonas de diferentes tons de amarelo, que fui descobrindo ao mexer a cabeça de um lado para o outro.
Aí alguma outra coisa atraiu a minha atenção: um sol no zênite mesmo do céu amarelo, bem sobre minha cabeça, um sol fraco a julgar pelo fato de eu poder olhar para dentro dele - que lançava uma luz calmante, branca e uniforme.
Antes de ter tempo de ponderar sobre todas essas visões extraterrenas, fui violentamente sacudido; minha cabeça pulava para diante e para trás. Senti que estava sendo erguido. Ouvi uma voz estridente e risadas e defrontei-me com um espetáculo realmente espantoso: uma mulher gigantesca, descalça. A cara dela era redonda e enorme. Seus cabelos negros estavam cortados no estilo pajem. Tinha braços e pernas gigantescos. Pegou-me e levantou-me, pondo-me em seus ombros, como se eu fosse um boneco. Meu corpo estava flácido. Olhei pelas costas dela. Tinha uma penugem fina em volta dos ombros e pela espinha abaixo. Olhando para baixo, dos ombros dela, tornei a ver aquele chão maravilhoso. Eu o ouvia ceder, elástico, sob o peso imenso dela e via as marcas de pressão que seus pés deixavam nele.
Ela me largou de bruços defronte de uma estrutura, uma espécie de prédio. Aí notei que havia algo de errado com a minha percepção de profundidade. Não consegui avaliar o tamanho do prédio, olhando para ele. Em certos momentos, parecia ridiculamente pequeno, mas depois que eu, aparentemente, ajustei minha percepção, fiquei realmente maravilhado com suas proporções monumentais.
A moça gigantesca sentou-se a meu lado e fez o chão ranger. Eu estava encostado a seu joelho imenso. Ela tinha cheiro de bala ou morangos. Falou comigo e eu entendi tudo o que ela disse; apontando para a estrutura, ela me afirmou que eu ia morar ali.
Meus poderes de observação pareceram aumentar, quando venci o choque inicial de me encontrar naquele local. Reparei então que o prédio tinha quatro lindas colunas não funcionais. Nada sustentavam; estavam em cima do prédio. Sua forma era a simplicidade total; eram projeções longas e graciosas, que pareciam se estar estendendo até aquele céu assombroso, incrivelmente amarelo. O efeito daquelas colunas invertidas era de pura beleza para mim. Tive um acesso de êxtase estético.
As colunas pareciam ter sido feitas de um só bloco; eu não podia nem conceber como. As duas colunas da frente estavam ligadas por uma trave fina, uma barra de comprimento monumental, que, pensei, podia ter servido como parapeito ou de varanda.
A moça gigantesca me fez deslizar de costas para dentro da estrutura. O telhado era negro e plano, coberto de furos simétricos, que deixavam passar o brilho amarelado do céu, criando os desenhos mais complicados. Fiquei realmente assombrado com a completa simplicidade e beleza alcançadas por aqueles pingos de céu amarelo aparecendo por aqueles furos precisos no telhado e os desenhos de sombras que eles criavam naquele chão magnífico e complicado. A estrutura era quadrada e, fora de sua beleza tocante, ela me era incompreensível.
Meu estado de exaltação era tão intenso naquele momento que tive vontade de chorar, ou de ficar ali para sempre. Mas alguma força, ou tensão, ou algo de indefinível começou a me puxar. De repente, vi que estava do lado de fora da estrutura, ainda deitado de costas. A moça gigantesca se encontrava lá, mas com ela havia outra criatura, uma mulher tão grande que chegava até o céu e tapava o sol. Comparada com ela, a moça gigantesca não era mais que uma menininha. A mulher grande estava zangada; agarrou a estrutura por uma de suas colunas, levantou-a, virou-a de pernas para o ar e largou-a no chão. Era uma cadeira!
Aquela percepção foi catalisadora; desencadeou percepções arrasadoras. Passei por uma série de imagens desconexas, mas que podiam figurar como uma seqüência. Em lampejos sucessivos, vi ou percebi que o piso magnífico e incompreensível era uma esteira de palha; o céu amarelo era o teto de estuque de um quarto: o sol, uma lâmpada; a estrutura que provocara tal êxtase em mim era uma cadeira que uma criança virara de pernas para o ar para brincar.
Tive mais uma visão coerente e em seqüência de outra estrutura arquitetônica misteriosa de proporções monumentais. Ela estava isolada. Parecia quase a concha de uma lesma pontuda com a cauda levantada. As paredes eram feitas de placas côncavas e convexas de um material estranho e roxo; cada placa apresentava fendas que pareciam mais funcionais que ornamentais.
Examinei a estrutura meticulosamente em seus detalhes e descobri que, como no caso anterior, ela era completamente incompreensível. Esperava de repente ajustar minha percepção para revelar a verdadeira natureza da estrutura. Mas nada aconteceu a esse respeito. Tive então um aglomerado de consciências ou descobertas alheias e emaranhadas quanto ao prédio e sua função, que não faziam sentido, pois eu não tinha um padrão de referência para elas.
Recuperei minha consciência normal de repente. Dom Juan e Dom Genaro estavam a meu lado. Eu me senti cansado. Procurei meu relógio; tinha sumido. Dom Juan e Dom Genaro riram-se em coro. Dom Juan disse que eu não devia estar preocupando-me com a hora e sim concentrar-me em seguir certas recomendações que Dom Genaro me fizera.
Virei-me para Dom Genaro e ele disse uma piada - a recomendação mais importante era que eu aprendesse a escrever com o dedo, para economizar os lápis e para me exibir.
Eles ainda implicaram mais um pouco comigo por causa de minhas anotações e depois eu fui dormir.
Dom Juan e Dom Genaro escutaram o relato detalhado de minha experiência, que lhes dei a pedido de Dom Juan, depois que acordei no dia seguinte.
- Genaro acha que você já fez bastante, por enquanto – disse Dom Juan, quando terminei.
Dom Genaro concordou, com um meneio.
- Qual o significado do que experimentei ontem à noite? Perguntei.
- Você teve uma visão da coisa mais importante da feitiçaria - explicou Dom Juan. - Ontem à noite você espiou a totalidade de você. Mas naturalmente isso é uma coisa sem sentido para você, neste momento. Obviamente, chegar à totalidade de seu ser não depende de seu desejo de concordar, nem da disposição de aprender. Genaro acha que seu corpo precisa de tempo para deixar que os sussurros do nagual penetrem você.
Dom Genaro tornou a balançar a cabeça.
- Muito tempo - disse ele, sacudindo a cabeça para cima e para baixo. - Uns 20 ou 30 anos, talvez.
Não sabia como reagir. Olhei para Dom Juan, buscando indicações. Os dois estavam sérios.
- Preciso mesmo de 20 ou 30 anos? - perguntei.
- Claro que não! - gritou Dom Genaro, e os dois caíram na gargalhada.
Dom Juan disse que eu devia voltar sempre que minha voz interior me mandasse, e que enquanto isso devia procurar concatenar, todas as sugestões que eles tinham feito enquanto eu estava dividido.
- E como vou fazer isso? - perguntei.
- Desligando seu diálogo interno e deixando alguma coisa em você fluir e expandir-se - disse Dom Juan. - Essa coisa é a sua percepção, mas não procure decifrar o que quero dizer. Apenas deixe que os sussurros do nagual o guiem.
Aí ele disse que na noite anterior eu tivera duas séries de visões intrinsecamente diferentes. Uma era inexplicável, a outra, perfeitamente natural, e a ordem em que tinham ocorrido mostrava uma condição que é intrínseca a todos nós.
- Uma foi o nagual, a outra, o tonal - acrescentou Dom Genaro.
Pedi que ele explicasse essa declaração. Ele me olhou e me deu um tapinha nas costas.
Dom Juan interveio e disse que as duas primeiras visões eram o nagual e que Dom Genaro escolhera uma árvore e o solo como os pontos de ênfase. As duas outras eram visões do tonal, que ele próprio escolhera; uma delas era minha percepção do mundo como criança.
- Parecia-lhe ser um mundo estranho porque a sua percepção ainda não fora preparada para caber no molde desejado - disse ele.
- Foi mesmo assim que vi o mundo? - perguntei.
- Por certo - disse ele. - Isso foi a sua memória.
Perguntei a Dom Juan se a sensação de apreciação estética que me extasiara também fazia parte de minha memória.
- Nós temos essas visões como estamos hoje - disse ele.
Você estava vendo aquela cena como a veria agora. No entanto, o exercício era de percepção. Era uma cena de uma época em que o mundo se tornou para você o que é agora. Um tempo em que uma cadeira tornou-se uma cadeira”.
Eu acrescentaria: "cena de uma época em que para você, as coisas ainda não tinham nome, só essência. Apenas eram. E você via a essência delas na sua totalidade. Sem desnate".
O cinema engajado na busca interior já percebeu isso e produziu filmes e séries muito interessantes sobre o tema, como Matrix, O Show de Truman, Cidade das Sombras e outros.
A gente então, para não encrencar logo de saída, pode até aceitar que o que chamamos de realidade, ou de mundo, é um “produto de segunda mão”, uma interpretação da “verdadeira realidade”. Mas esse aceitar soa mais como uma adesão gratúita, um "aceitar por aceitar", porque a rigor aí tem um problema, um ponto obscuro: como funciona esse processo pelo qual a realidade é escamoteada de nós? Como é exatamente que a gente é enganado? Ninguém explica isso direito.
Vamos então tentar explicar segundo a visão dos videntes toltecas que há muitos milhares de anos atrás esclareceram o mistério melhor que a Psicologia atual, que somente agora começou a arranhar a superfície da coisa.
Antes disso, como já acenamos de passagem em algumas postagens anteriores como O Mar Escuro da Consciência, temos que dar uma breve visão geral de alguns conceitos que formam o universo dessa incrí vel e milenar tradição. Vamos ver o que diziam os toltecas:
• Há duas forças universais, de criação e destruição, atuando a cada instante eternamente. Uma faz, outra desfaz.
• Então, a função de qualquer ser vivo é gerar Consciência para alimentar essa fonte eterna de energia inteligente chamada de O Mar Escuro da Consciência, senão ela acaba.
• Visto pelos xamãs e videntes toltecas, em estados alterados de consciência, O Mar Escuro da Consciência se mostra como uma incomensurável Águia.
• Essa fonte produz emanações (chamadas “comandos da Águia”) que sustentam a vida de tudo o que há no Universo, mas na hora da morte Ela pede de volta a Consciência que foi produzida pelos seres vivos, na sua passagem pelos mundos. Ela dá Vida e cobra a Consciência obtida. Justo, não? Você pensou que viver era de graça?...
• As emanações (Gurdjieff as chama de impressões - "sem as quais não vivemos sequer um segundo") que chegam aos seres vivos são caóticas, pois vem de uma dimensão profunda, fora do tempo e espaço do cosmos, fora da mente racional, e quem as vislumbrasse diretamente não entenderia nada ou poderia ficar louquinho. As ervas usadas pelos xamãs em rituais tem o poder, entre outras coisas, de dar ao iniciante uma visão desse intrigante caos, como forma de quebrar a ditadura da mente racional que insiste em que o mundo é só esse mundo visto pelos 5 sentidos. Foi assim que Don Juan fez com Castaneda, que tomou peyote e mescalito, mas somente para "quebrar" seu mental teimoso e cristalizado. Não era para dar nenhum "barato".
• A Águia nos deu a Razão, uma ferramenta para organizar o caos e torná-lo compreensível nessa dimensão em que estamos, mas a Razão não entende o caos. Ela precisa de um filtro que traduza e interprete as emanações “em estado bruto”, tornando-as familiares a nós.
• Às emanações filtradas e interpretadas, nós chamamos de mundo, coisas, objetos, pensamentos, sensações, emoções, sentimentos, realidade, universo, ou lá o que seja.
• O processo de filtrar a realidade era chamado pelos toltecas de “desnate”, pois é exatamente como fazemos com o leite fervido para tirar a nata e deixá-lo bonitinho e estéticamente aceitável e agradável. É assim que nos ensinam a fazer com a impressões que nos chegam, transformando-as no mundo familiar que conhecemos.
• Uma vez que uma impressão qualquer foi “desnatada” quando chegou, nunca mais vamos percebê-la originalmente como era. Só como ficou de aí por diante.
• A Percepção acontece fora do nosso corpo físico, mas ainda dentro do invólucro maior que é o nosso corpo energético. Ela ocorre dentro de uma esfera luminosa do tamanho de uma bola de tênis que fica nas costas do ovo luminoso que envolve nosso corpo, na altura da omoplata. Esse ovo é o nosso corpo energético.
• Existem 3 atenções, 3 níveis de talento, cada uma com seu domínio independente, completas por si só. Esse processo do desnate se dá na primeira atenção, que é a habitual do dia a dia, a única que conhecemos. A segunda é a atenção intensificada dos xamãs, homens de conhecimento, e que às vezes pressentimos, mas logo descartamos. A terceira, raríssima, é a atenção unificada pelo fogo interior, que acende todas as emanações da Águia presentes no ovo luminoso do ser, e o transforma em energia sem deixar vestígios. (As tradições registram casos conhecidos do fenômeno)
Muito bem. Definidos os conceitos, vamos à operação. (Está parecendo apresentação de negócios. - rsrs)
Cena: Somos ainda bebes. Chega à nossa percepção uma emanação qualquer vinda das profundezas da Consciência (impressão de qualquer tipo nos cinco sentidos conhecidos - mais outros sentidos que sequer conhecemos). Nós nos maravilhamos. Ato contínuo, chega alguém, o pai, a mãe, professor, padre, rabino, pastor, sei-lá-quem (o mundo está cheio de ajudantes e mestres generosos e dedicados) e prontamente, com a maior das boas intenções, define a complexa emanação de uma maneira rasteira como ele ou ela mesmo aprendeu pelo processo de socialização da chamada "educação": em geral ele ou ela dá um nome à coisa, ou esconde “porque é feio”, ou descarta, ou “enfeita o pavão”. Pronto. Rotulou. Desnatou. Fechou o assunto. Na próxima vez que a emanação se apresentar, a vítima já está vendo a impressão “desnatada”. Não é mais a mesma emanação original, mas um subproduto falsificado da Realidade. A vítima então já é um sócio, já pertence ao clube, que é toda a humanidade socializada, que enxerga tudo padronizado como vimos em Matrix e nos outros 2 filmes. Você é um deles. Tristeza, não? Mas tem que ser assim... O personagem do filme, Neo (novo ser) é cada um de nós, com a vocação de sair dessa.
O que é então esse desnate? É o filtro da Realidade. É o que a transforma numa interpretação falseada dela mesma.
É esse processo que chamamos ingenuamente de Aprendizado, Educação... Para nos reconectarmos mais tarde com a Realidade, temos que desaprender tudo com muito esforço e dedicação. Bota esforço nisso.
Vamos abaixo relatar uma manobra soberba de dois exímios xamãs, Don Juan e Don Genaro, manipulando a percepção do aprendiz Castaneda, para mostrar o que era uma impressão antes do “desnate”, ou seja, como era o mundo das emanações, dos comandos da Águia antes de a filtragem do aprendizado “interpretar” a Realidade: como é que era primordialmente, por exemplo, a complexa emanação original chamada por nós (depois de interpretada) de o sol, a árvore, o chão, etc, e cuja percepção, antes do desnate, demandava todo o nosso ser integralmente, todos os sentidos conhecidos ou não, e não somente um deles como fazemos habitualmente.
Até aqui, tudo bem? Todos a bordo? Então vamos nessa:
"- Dom Juan aproximou-se mais de mim. Inclinou-se e cochichou em meu ouvido direito.
Dom Genaro também se inclinou para mim e cochichou em meu ouvido esquerdo.
Ficaram sussurrando em meus ouvidos até eu ter a sensação de estar sendo dividido ao meio. Tornei-me uma névoa, como na véspera, um brilho amarelo que sentia tudo diretamente. Isto é, eu podia saber as coisas. Não se tratava de pensamentos; só havia certezas. E quando entrei em contato com uma sensação suave, esponjosa, saltitante, que ficava fora de mim e no entanto era parte de mim, eu sabia que era uma árvore. Senti que era uma árvore pelo cheiro. Não tinha o cheiro de nenhuma árvore específica de que eu me lembrasse, e não obstante alguma coisa dentro de mim sabia que aquele odor especial era a essência da árvore. Não tinha apenas a impressão de saber, nem raciocinei sobre meu conhecimento, nem remexi com indícios. Simplesmente sabia que havia ali alguma coisa em contato comigo, em volta de mim, um cheiro amigo, quente e compulsivo emanando de algo que não era nem sólido nem líquido, e sim algo diferente, indefinido, que eu sabia ser uma árvore. Senti que sabendo dela desse jeito eu estava tocando em sua essência. Não me sentia repelido por ela. Ao contrário, ela me convidava para me fundir com ela. Engolfava-me, ou eu a engolfava. Havia um laço entre nós que não era nem maravilhoso nem desagradável.
A sensação seguinte de que pude me lembrar com clareza foi uma onda de assombro e exultação. Em mim, tudo vibrava. Era como se me atravessassem cargas de eletricidade. Não eram dolorosas. Eram agradáveis, mas de uma forma tão indeterminada que não havia meio de classificá-las. Não obstante, eu sabia que aquilo com que eu estava em contato era o solo. Uma parte de mim reconhecia com uma certeza precisa que era o solo. Mas no momento em que tentei distinguir a infinidade de percepções diretas que eu estava tendo, perdi toda a capacidade de diferenciar minhas percepções.
Aí, de repente, eu era eu mesmo outra vez. Estava pensando. Foi uma transição tão abrupta que pensei que eu tinha acordado. No entanto, havia algo em meu modo de sentir que não era bem eu. Eu sabia que realmente faltava alguma coisa antes mesmo de abrir bem os olhos. Olhei em volta. Ainda estava num sonho, ou tendo alguma visão. Meus processos mentais, porém, não só estavam afetados, como eram extraordinariamente claros. Fiz uma avaliação rápida. Eu não tinha dúvidas de que Dom Juan e Dom Genaro tinham provocado meu estado de sonho com um propósito específico em mente. Eu parecia estar a ponto de compreender qual era esse propósito quando algo estranho a mim obrigou-me a prestar atenção ao que me cercava. Levei tempo para me orientar. Eu estava deitado de bruços, e num chão espetacular. Examinando-o, não pude deixar de sentir assombro e admiração. Não consegui imaginar de que fosse feito. Placas irregulares de alguma substância desconhecida tinham sido colocadas de um modo muito complexo e ao mesmo tempo simples. Tinham sido postas juntas, mas não estavam pregadas no chão nem umas nas outras. Eram elásticas e cediam quando eu tentava afastá-las com meus dedos, mas quando as soltava, voltavam logo a sua posição original.
Tentei levantar-me e fui preso da mais absurda distorção sensorial. Eu não tinha controle sobre meu corpo; na verdade, meu corpo nem parecia me pertencer. Era inerte; eu não tinha ligação com nenhuma de suas partes e, quando tentei levantar-me, não consegui mexer os braços e fiquei me contorcendo indefeso, de barriga para baixo, rolando de lado. O impulso de minhas contorções quase me fez dar uma volta completa, tornando a ficar de bruços. Meus braços e pernas esticados me impediam de virar-me e fui parar de costas. Nessa posição, vi de relance duas pernas de forma estranha e os pés mais distorcidos que jamais vira. Era o meu corpo!
Eu parecia estar envolto numa túnica. A idéia que me veio à mente foi que eu estava experimentando uma cena de mim mesmo como aleijado ou inválido. Tentei curvar as costas e olhar para minhas pernas, mas só conseguia sacudir o corpo. Estava olhando para um céu amarelo, um céu de um amarelo-limão, forte e profundo. Ele tinha fendas ou canais de um tom amarelo mais profundo e uma porção de protuberâncias penduradas como pingos d’água. O efeito total daquele céu incrível era arrasador. Eu não conseguia saber se as protuberâncias eram nuvens. Havia ainda zonas de sombras e zonas de diferentes tons de amarelo, que fui descobrindo ao mexer a cabeça de um lado para o outro.
Aí alguma outra coisa atraiu a minha atenção: um sol no zênite mesmo do céu amarelo, bem sobre minha cabeça, um sol fraco a julgar pelo fato de eu poder olhar para dentro dele - que lançava uma luz calmante, branca e uniforme.
Antes de ter tempo de ponderar sobre todas essas visões extraterrenas, fui violentamente sacudido; minha cabeça pulava para diante e para trás. Senti que estava sendo erguido. Ouvi uma voz estridente e risadas e defrontei-me com um espetáculo realmente espantoso: uma mulher gigantesca, descalça. A cara dela era redonda e enorme. Seus cabelos negros estavam cortados no estilo pajem. Tinha braços e pernas gigantescos. Pegou-me e levantou-me, pondo-me em seus ombros, como se eu fosse um boneco. Meu corpo estava flácido. Olhei pelas costas dela. Tinha uma penugem fina em volta dos ombros e pela espinha abaixo. Olhando para baixo, dos ombros dela, tornei a ver aquele chão maravilhoso. Eu o ouvia ceder, elástico, sob o peso imenso dela e via as marcas de pressão que seus pés deixavam nele.
Ela me largou de bruços defronte de uma estrutura, uma espécie de prédio. Aí notei que havia algo de errado com a minha percepção de profundidade. Não consegui avaliar o tamanho do prédio, olhando para ele. Em certos momentos, parecia ridiculamente pequeno, mas depois que eu, aparentemente, ajustei minha percepção, fiquei realmente maravilhado com suas proporções monumentais.
A moça gigantesca sentou-se a meu lado e fez o chão ranger. Eu estava encostado a seu joelho imenso. Ela tinha cheiro de bala ou morangos. Falou comigo e eu entendi tudo o que ela disse; apontando para a estrutura, ela me afirmou que eu ia morar ali.
Meus poderes de observação pareceram aumentar, quando venci o choque inicial de me encontrar naquele local. Reparei então que o prédio tinha quatro lindas colunas não funcionais. Nada sustentavam; estavam em cima do prédio. Sua forma era a simplicidade total; eram projeções longas e graciosas, que pareciam se estar estendendo até aquele céu assombroso, incrivelmente amarelo. O efeito daquelas colunas invertidas era de pura beleza para mim. Tive um acesso de êxtase estético.
As colunas pareciam ter sido feitas de um só bloco; eu não podia nem conceber como. As duas colunas da frente estavam ligadas por uma trave fina, uma barra de comprimento monumental, que, pensei, podia ter servido como parapeito ou de varanda.
A moça gigantesca me fez deslizar de costas para dentro da estrutura. O telhado era negro e plano, coberto de furos simétricos, que deixavam passar o brilho amarelado do céu, criando os desenhos mais complicados. Fiquei realmente assombrado com a completa simplicidade e beleza alcançadas por aqueles pingos de céu amarelo aparecendo por aqueles furos precisos no telhado e os desenhos de sombras que eles criavam naquele chão magnífico e complicado. A estrutura era quadrada e, fora de sua beleza tocante, ela me era incompreensível.
Meu estado de exaltação era tão intenso naquele momento que tive vontade de chorar, ou de ficar ali para sempre. Mas alguma força, ou tensão, ou algo de indefinível começou a me puxar. De repente, vi que estava do lado de fora da estrutura, ainda deitado de costas. A moça gigantesca se encontrava lá, mas com ela havia outra criatura, uma mulher tão grande que chegava até o céu e tapava o sol. Comparada com ela, a moça gigantesca não era mais que uma menininha. A mulher grande estava zangada; agarrou a estrutura por uma de suas colunas, levantou-a, virou-a de pernas para o ar e largou-a no chão. Era uma cadeira!
Aquela percepção foi catalisadora; desencadeou percepções arrasadoras. Passei por uma série de imagens desconexas, mas que podiam figurar como uma seqüência. Em lampejos sucessivos, vi ou percebi que o piso magnífico e incompreensível era uma esteira de palha; o céu amarelo era o teto de estuque de um quarto: o sol, uma lâmpada; a estrutura que provocara tal êxtase em mim era uma cadeira que uma criança virara de pernas para o ar para brincar.
Tive mais uma visão coerente e em seqüência de outra estrutura arquitetônica misteriosa de proporções monumentais. Ela estava isolada. Parecia quase a concha de uma lesma pontuda com a cauda levantada. As paredes eram feitas de placas côncavas e convexas de um material estranho e roxo; cada placa apresentava fendas que pareciam mais funcionais que ornamentais.
Examinei a estrutura meticulosamente em seus detalhes e descobri que, como no caso anterior, ela era completamente incompreensível. Esperava de repente ajustar minha percepção para revelar a verdadeira natureza da estrutura. Mas nada aconteceu a esse respeito. Tive então um aglomerado de consciências ou descobertas alheias e emaranhadas quanto ao prédio e sua função, que não faziam sentido, pois eu não tinha um padrão de referência para elas.
Recuperei minha consciência normal de repente. Dom Juan e Dom Genaro estavam a meu lado. Eu me senti cansado. Procurei meu relógio; tinha sumido. Dom Juan e Dom Genaro riram-se em coro. Dom Juan disse que eu não devia estar preocupando-me com a hora e sim concentrar-me em seguir certas recomendações que Dom Genaro me fizera.
Virei-me para Dom Genaro e ele disse uma piada - a recomendação mais importante era que eu aprendesse a escrever com o dedo, para economizar os lápis e para me exibir.
Eles ainda implicaram mais um pouco comigo por causa de minhas anotações e depois eu fui dormir.
Dom Juan e Dom Genaro escutaram o relato detalhado de minha experiência, que lhes dei a pedido de Dom Juan, depois que acordei no dia seguinte.
- Genaro acha que você já fez bastante, por enquanto – disse Dom Juan, quando terminei.
Dom Genaro concordou, com um meneio.
- Qual o significado do que experimentei ontem à noite? Perguntei.
- Você teve uma visão da coisa mais importante da feitiçaria - explicou Dom Juan. - Ontem à noite você espiou a totalidade de você. Mas naturalmente isso é uma coisa sem sentido para você, neste momento. Obviamente, chegar à totalidade de seu ser não depende de seu desejo de concordar, nem da disposição de aprender. Genaro acha que seu corpo precisa de tempo para deixar que os sussurros do nagual penetrem você.
Dom Genaro tornou a balançar a cabeça.
- Muito tempo - disse ele, sacudindo a cabeça para cima e para baixo. - Uns 20 ou 30 anos, talvez.
Não sabia como reagir. Olhei para Dom Juan, buscando indicações. Os dois estavam sérios.
- Preciso mesmo de 20 ou 30 anos? - perguntei.
- Claro que não! - gritou Dom Genaro, e os dois caíram na gargalhada.
Dom Juan disse que eu devia voltar sempre que minha voz interior me mandasse, e que enquanto isso devia procurar concatenar, todas as sugestões que eles tinham feito enquanto eu estava dividido.
- E como vou fazer isso? - perguntei.
- Desligando seu diálogo interno e deixando alguma coisa em você fluir e expandir-se - disse Dom Juan. - Essa coisa é a sua percepção, mas não procure decifrar o que quero dizer. Apenas deixe que os sussurros do nagual o guiem.
Aí ele disse que na noite anterior eu tivera duas séries de visões intrinsecamente diferentes. Uma era inexplicável, a outra, perfeitamente natural, e a ordem em que tinham ocorrido mostrava uma condição que é intrínseca a todos nós.
- Uma foi o nagual, a outra, o tonal - acrescentou Dom Genaro.
Pedi que ele explicasse essa declaração. Ele me olhou e me deu um tapinha nas costas.
Dom Juan interveio e disse que as duas primeiras visões eram o nagual e que Dom Genaro escolhera uma árvore e o solo como os pontos de ênfase. As duas outras eram visões do tonal, que ele próprio escolhera; uma delas era minha percepção do mundo como criança.
- Parecia-lhe ser um mundo estranho porque a sua percepção ainda não fora preparada para caber no molde desejado - disse ele.
- Foi mesmo assim que vi o mundo? - perguntei.
- Por certo - disse ele. - Isso foi a sua memória.
Perguntei a Dom Juan se a sensação de apreciação estética que me extasiara também fazia parte de minha memória.
- Nós temos essas visões como estamos hoje - disse ele.
Você estava vendo aquela cena como a veria agora. No entanto, o exercício era de percepção. Era uma cena de uma época em que o mundo se tornou para você o que é agora. Um tempo em que uma cadeira tornou-se uma cadeira”.
Eu acrescentaria: "cena de uma época em que para você, as coisas ainda não tinham nome, só essência. Apenas eram. E você via a essência delas na sua totalidade. Sem desnate".
Companheiro, parabéns pelo blog. Sabe como é, eu estou lá atrás, no início do início, e precisaria de uma vida inteira de conversa contigo e prática para (ab)sorver parte das indicações que vc tem trabalhado para nos deixar (obrigado). Então, por favor, tenha paciência e vá com calma comigo neste post. Logo lá no início eu me perdi. Vc pode explicar um pouco mais sobre este conceito das emanações, os “comandos da Águia”, que na hora da morte pede de volta a consciência que foi produzida pelos seres vivos, que dá vida e cobra a consciência obtida? Abraços,
ResponderExcluirCom o maior prazer, cumpadre. O único problema é que com prazer é mais caro (Hê...Hê...Hê...)
ResponderExcluirVem aqui pra Mata Atlântica, seus sacripantas.
Saudade docês
Sobre o video com o Adyshanti. Uau que maravilha. Uma outra vista do estado alterado de consciencia. Caramba nossa visão é sempre invertida mesmo. Imagine estamos em estado alterado de consciencia o tempo todo, e o ideal é voltar ao estado normal de consciencia. E que simplicidade...
ResponderExcluirBem que diz um não sei quem agora... diz:
A verdade é simples, se fosse complicada todos a entenderiam.
Aí Preto, esse texto sobre o desnate também é da hora.
Beijão
Luara
BrigadôÔ cumadre
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