Conforme a gente disse na postagem A Impermanência, "a vida não é outra coisa senão administrar mudanças, escolhas, alternativas. No Universo há apenas uma lei que não muda: É a lei que diz tudo muda, nada é permanente. Daí a nossa preocupação com o futuro, com o que está por vir."
Então, todo o tempo temos que tomar decisões, quer a gente goste ou não, quer sejamos librianos ou arianos...
Temos ajudado algumas pessoas nesta tarefa, principalmente quando são buscadores e se deparam com dilemas e decisões ligadas ao choque aparente entre a Vida e o Caminho. Digo ‘aparente’ porque é só aparente mesmo. A vida comum, como ela se apresenta para nós, é o Caminho que escolhemos. Deve ser o Caminho. Tem que ser o Caminho...
Esses dias fui procurado por um simpático casal de jovens leitores do blog, de uma pequena cidade em algum lugar do Brasil, que estão enfrentando um impasse: jovens, empresários, buscadores sérios e dedicados, negócio em ascensão e absorvente, bebê novo, pressão da vida, gostam do negócio e da busca interior, mas as duas atividades estão aparentemente ficando incompatíveis... o que fazer? Pé no freio ou no acelerador? Em qual das duas?
Ganhar dinheiro ou evoluir? Parece um impasse...
A dificuldade é clássica. Muita gente se defronta com ela, e tem dificuldade em resolver o problema, mas isso deve ser encarado como um presente, uma graça. Aliás Gurdjieff dizia que “quando tudo vai bem, é porque tudo vai mal”. Quando tudo está sem desafios na vida, a gente não faz nada no Caminho Interior.
Vejo pessoas (só no cinema e TV, viu?) que sempre sonharam como seria bom se aposentar com um bom rendimento para se dedicarem com calma ao Espírito. Conseguiram. Mas só a primeira parte, não a segunda. Sabe como é, né? “Tem muita coisa que atrapalha: família, preocupações, o futuro, o custo de vida, o trânsito, a violência, a saúde, os compromissos familiares, a novela, o encanador, os netinhos, ah os netinhos, uma gracinha, mas tãão absorventes...
Então, voltando ao dilema do jovem casal: antes de pensar em parar a busca ou o negócio, ou diminuir o ritmo, ou terceirizar, ou vender o empreendimento e ir para Pasárgada, ou Katmandu, ou Paris, a gente tem que acertar a coisas dentro da gente. A nossa atitude é que não está correta. Se você mudar de atividade ou de lugar, não adianta nada porque o seu ego vai junto carregando a tralha toda. O Invisível, que administra o seu destino e o conhece muito bem, vai esperá-lo na curva, lá em Paris, mesmo.
Tenho assistido na TV um programa chamado ‘O Encantador de Cães’. É muito bom. Todos os donos de cães procuram o profissional porque acham que ‘o cão tem um problema’. E o guru canino, um mestre mesmo, começa corrigindo o dono do cão, que é invariavelmente o culpado. Ele é o problema (rsrs).
A nossa relação com o mundo é a mesma. O mundo não tem problemas, apesar de parecer caótico, incompreensível e frequentemente injusto. A “inteligência’ do mundo é um software esperto que se resume somente em ter respostas programados sob medida para as ações do ego de cada um, para nos estimular a resolver, e então quando isso acontece, subimos mais um degrau no aprendizado da nossa evolução individual. E nós achamos que é uma rixa pessoal do mundo contra nós... O mundo não dá a mínima para você individualmente. Só faz o trabalho dele.
O cão, como o mundo, não quer brigar conosco, pelo contrário ele quer que a gente assuma o controle. De nós e dele. E fica enviando sinais todo o tempo para nós.
Então vamos lá:
• Primeiro ponto:
Assumir 100% da responsabilidade. Eu tenho que mudar a minha atitude com o mundo e as pessoas. Se algum fato ou pessoa entrou no círculo da minha percepção, fui eu quem criou a coisa, ou permitiu, seja ela o que for. Então nem o mundo nem ninguém tem culpa nenhuma, não tenho o que, nem de quem, reclamar, não há injustiça, tenho que encarar numa boa e administrar. A coisa é comigo mesmo, e é dirigida para mim, sob medida.
Na postagem Ho’ oponopono o Dr. Lew Len diz que ‘a total responsabilidade por nossa vida implica em tudo o que está na nossa vida, pelo simples fato de estar em nossa vida e ser, por esta razão, de nossa responsabilidade. Num sentido literal, o mundo todo é nossa criação!’. O problema, se apareceu, tem a ver comigo e foi só por isso que apareceu “justo para mim”, e está aí, parado, olhando para mim, para ser resolvido. Não é um acidente ou uma fatalidade, ou injustiça, ou o que for que eu pense, para me justificar ou tentar escapar... tenho que arregaçar as mangas e assumir.
• Segundo Ponto:
Não existe ”eu” e o “problema”, ou “eu” e “o outro”, ou então “dentro de mim” e “fora de mim”. Isso é um produto da mente dual que separa as coisas. Essa coisa de ‘eu não tenho nada a ver com isso aí’ não existe. Se a coisa apareceu no meu raio de percepção, tem a ver comigo mesmo. Então não devo recusar nada. Só encarar e tentar resolver. Com aplicação e o melhor dos espíritos. O problema sou eu, não está fora de mim a ponto de poder ser recusado, e aquilo que se apresenta foi feito sob medida por uma inteligência que sabe de que eu preciso, e isso é um presente para mim neste momento. Tem muito pouca coisa puramente acidental nessa vida.
• Terceiro Ponto:
Definir uma estratégia e tática inteligentes, possíveis e compatíveis dentro do quadro que se apresenta. É preciso isso para administrar o aparente conflito de tempo e energia disponíveis para fazer o trabalho corriqueiro e o Trabalho Interior. Isso significa aplicar o mental na questão, no que o mental tem de melhor, que é o raciocínio lógico, e conjugar isso com o conhecimento intuitivo adquirido no Trabalho Interior. Significa conhecer o negócio, a operação, o mercado, os clientes, fornecedores, recursos, pontos fortes e fracos, concorrência, ameaças e oportunidades, planejar o futuro detalhadamente, revisar uma, duas, cem vezes, ou seja, fazer a sua parte com dedicação e atenção nos detalhes, e depois...relaxar. Esfrie a cabeça e mude de canal, vá ao cinema, viajar, namorar... você já fez a sua parte. Agora aguarde, enquanto toca a operação dentro dos parâmetros mais adequados que descobriu. Sem se deixar arranhar pelo apego ao que é imprevisível e imponderável. Não há garantias de que vai dar certo, mas você foi impecável. É isso que importa.
Nada de pré-ocupação, só se ocupe, como disse uma vez o Dalai Lama no Brasil. E fique atento à sua intuição.
• Quarto ponto:
Não separar o tempo da prática da calma ou meditação, e o tempo do trabalho comum na vida. Que tal a idéia de procurar fazer as duas atividades ao mesmo tempo? Ou seja, fazer uma prática de recolhimento enquanto executa a ação, estar presente na ação, no instante em que está no computador, telefone, ou discutindo com o fornecedor, cliente, subordinado, ou com o fiscal corrupto. É difícil? Talvez. Mas se não começarmos nunca iremos saber se é ou não. E aliás, parafraseando Rilke, só o que é difícil realmente interessa...o resto deixe para os outros.
• Quinto ponto:
Colocar-se no Agora. Esse é crucial. É o requisito indispensável para se tentar fazer as duas práticas ao mesmo tempo, como dissemos no ponto anterior; O que significa isso? Significa colocar você, seu corpo, a Consciência, na ação, no instante em que as coisas estão acontecendo. É buscar ficar em um lugar dentro de você em que ao mesmo tempo que sente o corpo, as sensações, pensamentos, emoções, ou seja, a ‘Lembrança de Si’ ancorada por um mental silencioso, ao mesmo tempo, ver e atuar na situação corriqueira que pede pela decisão, pela ação, objetivamente. Essa é a chamada Meditação na Ação. Você “faz enquanto medita”. Esse é o objetivo dessa prática milenar chamada Meditação ou Contemplação. É levar a Consciência com lucidez para a Vida no instante em que ela está acontecendo, o Agora: para a vida comum em todos os seus aspectos, trabalho, dinheiro, amigos, carreira, família, pais e filhos, sogro, sogra, doença, mudanças, enfim às 12 casas astrológicas que são o nosso mundo pessoal. Não é meditar na caverna ou na montanha, sozinho, e se transformar num doutor em meditação. A nossa vocação é a ação, sem a identificação, o apego com o ‘fazer’, ou com ‘o produto da ação’. O sonho também é nossa outra vocação (mas isso fica para outra vez...).
E tem um lembrete importante: o Agora não é a mesma coisa que o presente, que é a junção do passado com o futuro. O Agora não está no tempo. Você vai perceber isso na primeira vez que "cair" nele. Ele não tem Passado nem Futuro. Ele é eterno e você só pode tentar vivê-lo a cada instante em que abdicar do passado e do futuro. O Agora é a “porta estreita” que a gente tem que entrar, como dizem as escrituras sagradas de várias tradições. E o Budismo Zen, mais radical, diz que “você tem que atravessar uma porta onde não existe uma porta”. Vixe...
• Sexto ponto:
A todo instante em que você perceber que "dormiu” no processo de meditação na ação e só conseguiu ficar em um dos lados dele, você volta e recomeça. Como diz a música, você “levanta, sacode a poeira e dá volta por cima”. Começa tudo de novo. Calmamente, sem culpa, sem pressa.
O que a gente poderia chamar de “sucesso” nessa Meditação na Ação, não é “quanto tempo, ou quantas vezes, eu consigo ficar na ação sem me identificar com ela, perdendo o fio da Consciência”, mas é “quantas vezes eu percebo que “dormi” e levanto de novo para continuar”. É um outro tipo de avaliação, que leva em conta a natureza falível do ser humano.
• Sétimo ponto:
Abra mão. Acha difícil relaxar conforme o negócio está crescendo, porque não confia no trabalho dos outros? Verifique se a razão é que você tem ‘apego pelo fazer’ ou um orgulho perfeccionista velado, uma auto importância de achar que “ninguém faz certinho como você”. Seus colaboradores podem estar ansiosos para contribuir... Abra mão. Treine. Forme mão de obra. E delegue a autoridade conforme perceba que o pessoal está treinado. É mais fácil, cômodo e barato controlar do que fazer sozinho. Só exige outras habilidades. Mas a gente aprende fácil.
Mas não é só isso. Quando você age assim, contribui para fazer as pessoas à sua volta enfrentarem novos desafios e evoluírem. Os budistas chamam isso de um 'bom karma'. Somado a isso, a mania de fazer sozinho cria um 'gargalo' que não deixa o negócio crescer e dar novas oportunidades tanto para si como para os outros. Talvez o gargalo seja você (rsrs)
Ganhar dinheiro ou evoluir? Parece um impasse... Que tal Ganhar dinheiro e evoluir?
Pensando bem, acabei de descobrir que a “receita dos sete pontos” se aplica não só para esse caso, mas para outras decisões, relacionamentos (de qualquer tipo), problemas emocionais, julgamentos, projetos, qualquer coisa...Isso é que é um 'Agora produtivo', hein? Quem souber como ganhar royalties de direitos autorais com isso, me avise por favor, porque eu não faço a menor idéia de como fazer isso (rsrs)
A vocação deste blog é ajudar os leitores, e o próprio autor, a preparar o terreno para o "estar presente", que acontece somente no momento fugidio do Agora - a porta estreita - de que as tradições falam. A diversidade de temas é proposital e tem dois objetivos: mostrar que não há só uma tradição exclusiva, e, se houver Intento, qualquer situação corriqueira da Vida é adequada para quem busca interiormente, até mesmo a de uma passista no desfile da escola de samba. - Arnaldo Preto
domingo, 14 de agosto de 2011
Impasse?
Marcadores:
auto importância,
Budismo Zen,
caminho interior,
contemplação,
Ho' oponopono,
impermanência,
lembrança de si,
meditação,
o agora,
o ego,
O invisível,
trabalho interior
Assinar:
Postar comentários (Atom)
É uma dádiva, perceber os efeitos do seu senso de humor. É uma ferramenta valiosa no Caminho.
ResponderExcluirNossa! Fico sempre esperando por suas postagens! E recebo este lindo presente! Hoje fiz questão de ler em voz alta para a família!
ResponderExcluirObrigada, obrigada!
Com amor,
Flor
Oi Anônimo
ResponderExcluirO humor põe o racional e o ego de ponta-cabeça e quebra a ditadura deles. Eu tenho procurado rir de tudo, principalmente de mim mesmo. É ótimo, e aos poucos vai dando a dimensão real do mundo: Uma ilusão formada pela nossa consciência dual habitual. (Essa eu acho que até exagerei a seriedade) Abraço