O Louco - Tarot de Marselha |
Hoje o assunto é um bate-papo intimista ao pé do fogo, sobre um tema caro a todas as tradições autênticas: diminuir a bagagem. Aquela que a gente acumula nas nossas experiências de vida, não só dos grandes momentos mas da tralha miúda do dia-a-dia com a labuta, o di-nhei-ro, o outro, a fila do banco e do supermercado, o trânsito infernal, o metrô, as notícias, os políticos, os amigos, inimigos, enfim tudo o que se transforma em hábitos corporais, emocionais, sentimentais, e escondidamente se deposita nos nossos corpos, desde os mais densos até os mais sutis...
Precisamos fazer isso, jogar o excesso de bagagem que acumulamos nessa vida, para passar pelo controlador deste trecho da viagem, que no fundo somos nós mesmos, sorrindo com aquela leveza de quem nada deve. Diferentemente dos vôos de avião, não pagaremos pelo excesso de bagagem, apenas não levaremos nada. Simples assim. Já pensou? E eles nem avisam na hora do check in. Só quando o avião decola para a viagem é que neguinho nota que a bagagem ficou. Tudinho. Pior que isso, a vítima está nua. Não das suas vestes, mas do próprio corpo mesmo. Só restou uma consciência que está vendo tudo. Cruis credo!
Diminuir a bagagem é só uma força de expressão: precisamos mesmo é zerar tudo. Não vamos precisar de nada no nosso destino do outro lado. Como disse Armando Torres, o índio descendente dos toltecas, no livro “Encontros com o Nagual”, estamos de passagem, somos viajantes temporários e estamos num mundo-prisão”. Vamos embora sem levar nada". Nem ao menos o corpo e a mente ...Então, uma boa técnica é a gente começar a treinar esse diminuir a bagagem com as coisas pequenas no nosso dia-a-dia.
Algo me diz que a Presença é um meio eficaz de zerar a bagagem antes mesmo de ela se transformar em bagagem, porque percebo que se a gente se dedicar de fato a entender o mecanismo e agir no momento exato em que percebemos que estamos guardando o lixão no sótão, ou seja emoções, mágoas, ódios, más lembranças (para carregar pelo resto da vida) o processo de guardar não acontece. A gente só acumula quando não está ciente de Si Mesmo, está identificado com as coisas, os bens, as posições, as emoções, as idéias e conceitos. Está distraído, apegado, enfim... está dormindo.
O Apego do ego nos faz guardar as nossas experiências de uma forma tão ciosa e intensa que parece que vamos levá-las para sempre conosco, o que absolutamente não é o caso. A pergunta aqui é “o que vamos de fato levar conosco para a outra encadernação” (rsrs), e que nos obriga a ficar aumentando a bagagem a níveis insuportáveis? Com certeza não levaremos nada que esteja na mente, talvez nem ela própria, mas uma outra mente não individualizada, novinha em folha, zerada. A nossa missão, já dissemos, é gerar Consciência para o grande reservatório do Mar Escuro da Consciência, mas não guardar as experiências vividas para sempre conosco. Como já dissemos em várias postagens, como A Recapitulação, O Mar Escuro da Consciência, O Desnate - O mistério da Percepção desvendado, devemos na hora da morte entregar voluntária e conscientemente as nossas experiências vividas, para poder morrer conservando a Consciência após a morte, na forma conhecida pelos toltecas como “a liberdade total”. Meu grande amigo Constantino, (www.clubedotaro.com.br/) astrólogo e tarólogo, está sempre fazendo essa pergunta incômoda. Um chato... Ele diz: “porque espíritos evoluídos como os grandes lamas tibetanos ao renascerem, mesmo reconhecendo os seus pertences que usaram em outras vidas, tem, como bebês que são, que ser ensinados novamente na vida corriqueira e na tradição budista como um outro ser humano qualquer? O que permaneceu?”. Nem ao menos o corpo, a mente comum, as experiências, o carro importado, o nosso grande amor, o apartamento em Paris, ou Carapicuiba, sei lá...
Eu, particularmente descobri vários aspectos do meu “agarrar e guardar na bagagem”: primeiro sinto que não tenho muita dificuldade com os bens materiais, fato que martiriza muita gente. Posso ter e viver com pouco, e a idéia de perder o que tenho me preocupa, mas não tira o sono por completo. Mas isso não é vantagem nenhuma, porque a coisa me pega quando se trata de mudar ou aceitar novas idéias, conceitos intelectuais, “princípios”. Na verdade nada de novo, só muda a materialidade da bagagem, porque são as mesmas coisas a que a gente se apega e guarda em alguma fase da vida, e que passam a formar a estrutura na qual o ego se apóia, dando a falsa noção de identidade, de “eu sou”. Isso é a bagagem, cumpadre e cumadre. Varia só o tipo da tralha.
Quando se está alerta no presente, a gente vê o processo se desenrolar à nossa frente e passa a ter uma mão no jogo, ou pelo menos a possibilidade, mesmo que remota, de ver os contornos, o gosto desse agarrar, e então tomar a decisão alternativa de não agarrar, ou pelo menos se observar agarrando, ter ciência de que está agarrando e qual é o preço a pagar. Quando não estamos alertas, viramos nós mesmos o combustível do processo com toda a dor associada a ele. Caímos na “máquina de moer carne” e saímos salsicha do outro lado.
Nada disso aconteceria sem o Apego, simbolizado na mandala da Roda da Vida pelo galo, essa energia alerta e escondida lá no fundo de nós mesmos e que gera e dá combustível ao agarrar. Falamos do Apego em pelo menos 3 postagens, A Ignorância, o Apego, o Ódio, O Apego, como ele nos fisga, como se soltar... , O Sonho - Visão Budista. Nessa última, o Budismo, uma tradição extremamente pragmática e conhecedora profunda dos nossos veículos de expressão e desse “estar no mundo”, chega ao capricho de mostrar o caminho do Apego dentro de nosso corpo físico e energético: um canal que entra na narina esquerda, sobe contornando o lado do cérebro e desce ao lado da coluna até um ponto interno a 4 dedos abaixo do umbigo. Aí está o mapa do Apego. Quando respiramos o ar juntamente com a Energia Vital (o prana esverdeado), ele faz esse percurso eliminando a energia ruim que é expulsa no topo do canal central no chakra coronário no alto da cabeça e substituindo-a pela nova energia, verdinha em folha. Aliás, é curioso o fato de que a cor verde-claro do prana ou Energia Vital, tão querida da Natureza e da Ecologia, é associada ao planeta Vênus, o mesmo que rege o Amor. Coisas do Invisível.
Quanto mais fizermos esse percurso conscientemente na respiração rotineira, presentes no Agora, mais estaremos em contato saudável com o nosso Ser. Beleza pura.
O Tarot, uma das tradições de profundo conhecimento interior mais caras e autênticas da raça humana, tem uma carta inspiradora que ocorre sobre o tema diminuir a bagagem. É a carta O Louco. Afora interpretações contraditórias sobre se essa carta deveria ser a carta 0 (zero), a 21 ou a 22, a letra 21 do alfabeto hebraico, “Shin”, é dita ser atribuída ao Arcano “O Louco” e se acrescentava que o nome esotérico do Arcano é... Amor.
A figura do Arcano O Louco é um homem vestido com a roupa de bobo da corte caminhando apoiado num bastão na mão direita e levando uma pequena trouxa suspensa por outro bastão apoiado no ombro direito. Caminha atacado por trás por um cão que lhe rasga a roupa, do qual não se defende com o bastão. Um louco do bem, associado a figuras como Dom Quixote, o Judeu errante, Dom Juan (o espanhol, não o tolteca), Orfeu, e Fausto (de Goethe).
Segundo o livro Meditações Sobre os 22 Arcanos Maiores do Tarô, de um autor profundo e anônimo como os que construíram as catedrais góticas, e que considero o que de melhor já se escreveu sobre o tema, a carta do Louco ensina a habilidade de passar do conhecimento intelectual para o superior, devido ao amor. Como disse acima, foi feito de encomenda para mim, e tantos outros que julgam erroneamente que a bagagem inconveniente é feita só de coisas concretas como dinheiro e posses materiais, e que as idéias não se aplicam ao caso. Na verdade, o que vemos no mundo é que os defensores de idéias são tão ou mais ferrenhos que os das coisas materiais. As guerras provém de idéias geradas pelos seres humanos adormecidos que comandam os povos, segundo Gurdjieff, após um momento astrológico de fricção entre dois corpos celestes.
O Arcano O Louco pode ser compreendido como um modelo com duas vertentes. Ou o intelecto pode ser sacrificado a serviço da consciência transcendental como fizeram Santa Tereza D’Ávila e São João da Cruz, onde ele era absorvido pela Presença Divina em seus arrebatamentos, ou pode ser abandonado simplesmente como fazem os dervixes giradores e monges Zen que experimentam uma parada do intelecto em suas práticas. Ainda nessa linha de abandonar, estão os monges budistas que praticam o Dzogchen, ou seja não se muda nada no mundo, apenas deixa-se fluir e observa-se no Agora.
A fusão do intelecto com o espiritual é o matrimônio do Sol e da Lua do qual resulta o terceiro princípio, chamado na Alquimia de “pedra filosofal”, que simbolicamente transformava os metais em ouro.
Não há nada de errado com o intelecto, apenas ele deve ser conscientemente “sacrificado” à espiritualidade através da Meditação. Ele deixa de ser o condutor e orientador da vida e é silenciado no vazio, dando um espaço para que algo realmente transcendental desça. O Cristianismo Esotérico chama isso de A Graça. A Meditação é um meio de se despertar a Consciência como um todo para as revelações do alto e não apenas o Intelecto que é uma ferramenta inadequada para isso.
Sacrificar o Intelecto é uma espécie de morrer, o que deixa o ego muito incomodado, mas quem tenta isso com persistência e fluidez começa a perceber em instantes do dia-a-dia sentimentos sutis e fugidios que vem de algum lugar insondável, mas que dão ao praticante uma inefável e agradável certeza de que ele está no caminho certo.
Comece a sacrificar o intelecto para diminuir a bagagem, tentando ficar 30 segundos sem pensar em nada. Pauleira pura, companheiros de jornada...
Como é difícil abandonar a bagagem. A meditação é realmente o melhor remédio para nos deixar conscientes, sempre no presente.
ResponderExcluirArnaldo, você vê diferença entre técnicas de meditação que usam substâncias, como o rapé, e outras técnicas que não utilizam nada? Desculpe a pergunta que foge do tema...
Abraços,
Flor
Oi Flor
ResponderExcluirJá leu o de hoje? Você é rápida no gatilho...
Eu já experimentei rapé num rito com um pagé, mas acho uma adição desnecessária, porque o objetivo final é meditar na ação, 24X7, e isso deve ser simples, não tem aditivos senão manter a intenção de estar presente e largar, deixar fluir (o que é fácil e difícil ao mesmo tempo, (rsrs)). Eu vejo assim: se você está num rito qualquer que seja, incorpore aquilo na moldura do "estar presente", mas não coloque aquilo como condicionante, do tipo "agora vou meditar sempre com rapé", ou o que for. As substâncias devem ser experimentadas mais como uma ajuda ocasional, e sempre monitorada por um orientador experiente que conhece a coisa, mas sempre no sentido de mostrar que existe uma realidade invisível que não conhecemos. Dom Juan fez isso com o Castaneda mas preveniu que era pelo fato de ele "ser muito burro" (palavras dele). Na verdade queria quebrar a couraça de racionalidade do ego dele. Só isso. Mesmo assim, Castaneda teve problemas de saúde depois. O resumo é o seguinte: onde e quando eu estiver, é a hora e lugar de estar presente. Forte abraço
Oi Arnaldo! A segunda coisa que eu faço no domingo, é ler seu blog!
ResponderExcluirTe perguntei isso porque fiquei um tempo sem meditar e ando com dificuldades em me concentrar, dar o pontapé inicial na meditação. Pensei que o rapé poderia ser um bom começo, por enquanto, para ver se o fôlego aumenta. Mas certamente não é isso que vai trazer a verdadeira concentração. Bom ler tua resposta, vou deixar isso pra lá e ser mais disciplinada. rs.
Gratidão, Arnaldo!
Abraços,
Flor
Ilham disse: vc conhece a chamada respiração holotrópica, que foi elaborada pelo psicanalista Stanislaw Groff ? Pelo que eu entendi serve para conscientizar as pessoas , que se dispõem a passar pelo processo a tomar consciência, justamente da existência de outras dimensões.
ResponderExcluiroi Ilham, tudo bem/
ExcluirNão conheço, mas vou dar uma olhada nisso
Abraço