domingo, 13 de maio de 2012

A Ignorância, o Apego, o Ódio

Na publicação A Roda da Vida falamos do símbolo tibetano mais expressivo do sofrimento, que é, aliás, a condição humana, lembram-se?
“No centro do símbolo há 3 animais, uma cobra, um galo, um porco, ou seja, o ódio/medo (uma unidade), a avidez e a ignorância entrelaçados, um correndo atrás do outro e mordendo avidamente um ao outro como não podia deixar de ser (pois são ligados intrinsecamente). E essa trindade é tingida, pela shenpa, (fisgar, ficar colado) como eles dizem.
É como um átomo do sofrimento, a partícula indivisível que é a fonte da dor, atrelada ao apego, o seu núcleo. Essa é uma redução ao denominador comum, de toda variedade do sofrimento que encontramos desde sempre no planeta. O budismo tibetano fez uma obra prima de sintetização de um dos temas metafísicos de maior complexidade que conhecemos, o sofrimento.  E a partir dessa gênese, em círculos concêntricos a roda se esparrama na diversidade estabelecendo o quadro todo da Vida.”
Essa tríade está conectada com fortes ligações, como um átomo com suas ligações químicas, e uma puxa a outra, num círculo vicioso, ou melhor, num triângulo vicioso.  

Vamos falar disso um pouco mais fundo?
Observemos com atenção todo e qualquer aspecto da nossa vida que tenha algum resquício, por menor que seja, de sofrimento. Ele tem sempre uma dosagem dos três bichos combinados em doses diferentes. Não se preocupem, nem percam muito tempo em procurar exemplos de situações. Peguem o primeiro que aparecer pois são aproximadamente 99,9% dos casos da nossa vida (rsrs). Somos um planeta de expiação, e para isso, um planeta em que a vida é sofrimento, conforme diz o budismo. Sem pessimismo, nós temos é que aceitar o processo, e isso realmente muda tudo. Mas continuando:
Vamos tomar com simplicidade o tema e transportá-lo para dentro de nós através da Presença. Vamos sentir a natureza e o efeito das três coisas (ódio, apego e ignorância), mas de uma forma real e prática, sentindo-as dentro de nós mesmo, do nosso corpo: onde tocam? Em que lugares? O que produzem? Que gosto tem? Como e onde a gente se contrai, como disfarça, como se engana e foge para a TV, cinema, sexo, baladas, fantasias?...
Vejamos o apego, o galo, essa coisa que produz, ou mesmo é, a própria avidez: como ele se combina com os outros dois? Se eu me flagro numa situação de apego, de colamento a algo, seja uma pessoa, uma emoção, um fato, ou o que for, se eu olhar de soslaio (gosto dessa palavra) eu vou identificar o ódio, ou pelo menos o seu germe, o potencial ódio, colado ao apego, pois basta alguém ou algo contrariar o meu apego, e o demônio do ódio desperta, incontrolável. Quando eu consigo ver isso, vejo por tabela que o que me impedia de ver antes era a ignorância. Faz sentido? Aí estão os três, mais unidos que político e corrupção.
Se fizermos a mesma coisa com a raiva, ou ódio, que é simbolizado pela cobra, o processo é muito parecido. Vamos lá: eu me flagro com raiva de alguém ou algo, um fato, uma situação, um imprevisto. Se eu olhar para a gênese da raiva em questão, verei que ela existe pelo fato de que eu estou apegado ao resultado frustrado em relação ao que eu queria, ou não quería, que acontecesse. A pessoa me agrediu, ou me enganou, ou o fato era imprevisto em relação ao que eu apegadamente queria. E do canto do olho eu vejo a ignorância rindo de mim. É a ignorância do fato de que esse evento ruim que aconteceu estava no quadro das possibilidades e eu deveria então desapegadamente prevê-lo como possível de acontecer e não desenhar um futuro já previsto e fixo, ao gosto
do meu ego. O contrário disso chama-se fluir, soltar-se. Como dizia Gurdjieff, "temos direito ao esforço, não ao resultado". Então, é fazer todo o esforço, colocar toda a vontade em conseguir algo, mas sem se apegar ao resultado. Se ele vier, beleza. Se não, vamos em frente. É difícil? É. Mas se fosse fácil você não seria chamado, ora essa. Qualquer um faria (rsrs)
Intervalo para recreio: desci agora para tomar um cafezinho entre uma frase e outra, e fui olhar uma das três misteriosas larvas prateadas que apareceram na parede do quintal. Estava vazia e havia uma esguia borboleta secando as asas. Amarela, rosa e preta. Daí a pouco alçou vôo, pousou uns segundos na samambaia ao sol, e caiu na mata e no mundo...êta mundo velho...
E para fechar o triângulo, a ignorância, o porco. Vamos observá-la dentro de nós. Ela é mais difícil, porque o nosso ego não aceita que ela exista, ele já acha que sabe tudo e portanto não há ignorância para o bonitão do porco. Temos que fazer um esforço para assumir e sentir a ignorância dentro de nós.
Eu olho para qualquer situação, pessoa ou fato e não percebo “o que eu não sei” sobre aquilo. Isso é a ignorância, e eu não sei ficar diante dela impassível e calmo. Eu assumo que só existe o que eu vejo e pronto. Já procuro, com o pouco que percebo da situação, fazer, controlar, decidir, etc., ignorando que só vejo uma pequena parte do iceberg. Então, a partir da falsa premissa de que eu compreendo e comando a situação, a porta está aberta para sentir raiva de quem não concorda comigo, ou sentir apego às minhas idéias, valores, concepções, planos, visão do mundo, etc..
É isso. Estamos numa prisão de 3 paredes, uma colada à outra. Indivisível. Mas transponível. Isso é o sofrimento.

No Budismo Bön, e em todo o Budismo há uma representação da alquimia interna do ser humano que traz esse dilema para dentro do nosso corpo e ensina o caminho para sair da prisão através da respiração, do prana, a energia vital. Já falamos disso na publicação O Sonho – Visão Budista. , mas é sempre bom recordar.
Há 3 canais energéticos interligados que unem as narinas e um ponto abaixo do umbigo, no interior do corpo. Dois ficam nas laterais da coluna, um vermelho e outro branco. Um é ligado à raiva, outro ao apego e começam nas narinas, sobem para o topo da cabeça e descem latralmente até o ponto no baixo ventre onde se unem no centro e sobem num canal azul até o chacra da coroa no topo da cabeça. Nas 9 respirações purificadoras, o prana ou energia vital, é conduzido a partir do nariz para dentro de nós e limpa os 3 canais saindo pelo topo da cabeça com o nosso lixão interior, e nos tornando conscientes do trabalho sobre os 3 animais, e portanto sobre o sofrimento. Como dizem os anúncios na tv: Experimente!...

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