o suicida lento e paciente |
Há poucos dias a vida me deu uma rasteira para eu deixar de ser bocudo e metido a besta: tive que fazer uma “barreira química” contra os cupins subterrâneos que estavam perfurando o concreto da minha nova casa atrás de celulose para comer. Logo eu, ecologista briguento de carteirinha... o fato esticou a corda da incompatibilidade entre interesses e princípios. Tremendo stress.
Barreira química: Esse é o nome que os experts dão ao serviço de furar todo o chão da sua casa e despejar um bocado de veneno no subsolo para matar a rainha do cupinzeiro, diferentemente da chamada dedetização comum. Pelos meus cálculos, só essa empresa faz 500 operações dessas por mês, só na região de São Paulo. Antes de tomar a decisão fui fundo na Internet e aprendi com gente do ramo muita coisa sobre o assunto. Você sabia que o Parque do Ibirapuera é o cupinzeiro central da cidade de São Paulo?
Só não aprendi como agir com os cupins de uma forma alternativa e sem potenciais danos ao meio ambiente. Ainda não digeri o assunto, apesar de o técnico, um engenheiro simpático, me garantir que “o produto moderníssimo, de alto avanço tecnológico-químico, não apresenta nenhum risco ao meio ambiente”... Lembrei-me do episódio da explosão na Índia da fábrica de produtos químicos Union Carbide em 1984 (hoje Dow Chemical) cujos efeitos maléficos persistem até hoje, segundo o Greenpeace. Também "não havia na época nenhum risco ao meio ambiente”, segundo a empresa.
E esse episódio de dano ambiental me remeteu também ao do vazamento do navio petroleiro da Exxon - Valdez no Alasca (US $ 2,9 bi de prejuízo em dinheiro, e não-se –sabe-quanto de prejuízo ecológico). Sem contar o recente desastre de vazamento de petróleo no Brasil, bola da vez, minimizado pelo governo oportunista e orgulhoso do pré-sal. E outras centenas de outros casos no mundo.
Mas o assunto não é ecologia. É sobre o ser humano em relação ao tema. Há um traço imediatista e suicida do ser humano associado à ganância pessoal e capitalista, que sempre me incomodou. É uma mistura de várias coisas perversas que produzem um resultado desastroso no longo prazo, não só para os agentes, mandantes do crime, e defensores do desastre em vários níveis, mas para os outros, para toda a humanidade.
A base do desastre é a ganância, o apego ao dinheiro, à minha segurança econômica, da família, dos amigos, da minha tribo, sempre nessa ordem. A humanidade “que se exploda”, como dizia o velho Chico Anísio, crítico bem humorado dos costumes, mas mordaz como sei-lá-o-quê.
Vamos exemplificar isso: você já viu, por exemplo, um porta-voz ou relações públicas de uma indústria química poluidora, automobilística, uma petroleira, fabricante de cigarros, medicamentos, etc., justificando a nobreza de suas intenções e o benefício do produto? É patético.
Pois bem, esse “elemento” como diz a gíria policial, é geralmente um profissional no mínimo de nível superior, inteligente segundo os nossos padrões, “pai de família”, cujos filhos aprendem na escola a serem ecologicamente corretos, e vai por aí afora. Mas por um processo que escapa à nossa compreensão, ele convenientemente falseia a realidade e defende o mau produto que ajuda a vender, a má empresa onde trabalha como um mouro, o mau patrão, o mau chefe, a má circunstância.
Por que?
Ele sabe que aí tem uma mentira, mas por um processo mental cheio de arabescos e justificativas (as crianças, o orçamento doméstico, os credores, o padrão de vida, a viagem à Disney, a sogra, o diabo) à noite, põe a cabeça no travesseiro e... e dorme o sono dos justos. E levanta motivado para mais um dia de labuta na defesa da empresa ou entidade criminosa. Um bom funcionário...
Se questionado, vai alegar uma centena de razões para agir assim. É um suicida letrado e esperto promovendo um suicídio lento e paciente . E homicida também. Um homicida por omissão, no mínimo. O que o hinduismo e o budismo chamam de karma não é uma abstração filosófica ou esotérica é uma realidade concreta: os efeitos dessa ação e omissão vão alcançar o diretor, o gerente, contador, faxineiro, boy, o padre, o rabino, o papa, vixe...nós, certamente, estamos na lista. Há uma gradação de vítimas-réus com diferentes níveis de culpa, desde os mandantes até os omissos, quase todos, que acreditam piamente que “eu não tenho nada a ver com isso”. Eles se esquecem de que a médio prazo não há saída na aldeia global que chamamos de planeta Terra.
A outra face do mesmo processo suicida e homicida que sempre me encasquetou é a guerra. Como nos crimes ecológicos, o dinheiro e o capitalismo amoral continuam por trás da cena, mas diferentemente do caso citado acima, o dinheiro é uma influência que induz quem motiva a guerra, não a jovem vítima que pega o fuzil, matando porque foi induzida a erro.
Quem, como eu, acompanhou o dia a dia da guerra do Vietnã ficava com perguntas sem resposta: por que esse pessoal vai para a guerra? Por que simplesmente não se recusam? Por que se iludem com esse falso patriotismo sabendo que ela é feita por interesses de um conluio industrial-militar acenando com ameaças terríveis, mas mentirosas, do inimigo? Curiosamente quem tinha a visão mais equilibrada sobre o absurdo da guerra do Vietnã eram os hippies, “puxadores de fumo” rejeitados pela sociedade e pelo stablishment da época. Pouca gente faz um raciocínio objetivo sobre quem produz, com que falsos argumentos, e a quem interessa a guerra, e por que.
Eu me lembro quando servi ao Exército ficava incomodado com a letra das músicas militares, usadas para seduzir as emoções jovens dos recrutas. O hino da Infantaria dizia na terceira estrofe:
“És a nobre Infantaria,
Das armas a rainha,
Por ti daria
A vida minha,
E a glória prometida,
Nos campos de batalha,
Está contigo,
Ante o inimigo,
Pelo fogo da metralha!”
Brincadeira hein cumpadre. Ninguém se toca de que a glória prometida ao ser humano não é "o fogo da metralha”, é o Despertar, e “o inimigo” é o meu semelhante. O verdadeiro inimigo é quem produziu a guerra. E ele ainda é meu conterrâneo, provavelmente um político, intelectual, empresário, banqueiro, ou “líder espiritual”
Na passagem abaixo Gurdjieff fala em Leningrado (hoje São Petersburgo) para pra seu grupo de discípulos:
Pergunta: “- Pode se deter as guerras?
- Sim, é possível.
- Entretanto, devido às nossas conversas anteriores, eu estava certo que responderia “Não, é impossível”.
- Mas tudo está na pergunta: Como? – continuou. Tem que saber muito para compreender isso. O que é uma guerra? A guerra é um resultado de influências planetárias. Em alguma parte lá em cima, dois ou três planetas se aproximam demais e resulta uma tensão.
- Notou como você se tensiona quando um homem esbarra em você numa rua escura? Entre os planetas se produz a mesma tensão. Para eles talvez não dure um ou mais segundos. Mas aqui sobre a terra, as pessoas começam a se matar e continuam a matança durante anos. Durante todo esse tempo parece a eles que se odeiam uns aos outros, ou que é o seu dever se destroçarem por algum propósito sublime, ou devem defender algo ou alguém, e que é muito nobre fazer isso, ou algo assim.
São incapazes de se dar conta de até que ponto são simples peões de um tabuleiro de xadrez. Se atribuem importância, se acreditam livres de ir e vir a seu critério, pensam que podem decidir o fazer isso ou aquilo, mas em realidade todos os seus movimentos, todas as suas ações são resultados de influências planetárias. Por si mesmos não tem nenhuma influência. Quem tem o papel importante é a Lua. Mas falaremos disso mais tarde.”
Essa influência planetária parece ser só o “gatilho” imediato da guerra. O pano de fundo que está por trás e que fornece combustível para a fogueira é a Lei do Karma, magistralmente explicada pelo Budismo. Sem essa bagagem pesada das ações passadas e do lado sombrio de cada ser vivo, de cada família, país, raça e a própria humanidade como um todo no tempo, nada aconteceria com o gatilho planetário. Só um mal estar passageiro, não uma guerra.
Durante milhares de gerações as duas atitudes do ser humano de “defesa do indefensável” aqui apresentadas são um reflexo de uma outra situação citada na maioria das tradições autênticas, uma paisagem que permeia a nossa vida neste planeta: é o fato de que “estamos adormecidos”. Mas isso não é o pior. O trágico é que nas profundezas do nosso sono pensamos que estamos acordados, atuando, despertos e no mínimo inteligentes e sagazes. Um espanto!
Barreira química: Esse é o nome que os experts dão ao serviço de furar todo o chão da sua casa e despejar um bocado de veneno no subsolo para matar a rainha do cupinzeiro, diferentemente da chamada dedetização comum. Pelos meus cálculos, só essa empresa faz 500 operações dessas por mês, só na região de São Paulo. Antes de tomar a decisão fui fundo na Internet e aprendi com gente do ramo muita coisa sobre o assunto. Você sabia que o Parque do Ibirapuera é o cupinzeiro central da cidade de São Paulo?
Só não aprendi como agir com os cupins de uma forma alternativa e sem potenciais danos ao meio ambiente. Ainda não digeri o assunto, apesar de o técnico, um engenheiro simpático, me garantir que “o produto moderníssimo, de alto avanço tecnológico-químico, não apresenta nenhum risco ao meio ambiente”... Lembrei-me do episódio da explosão na Índia da fábrica de produtos químicos Union Carbide em 1984 (hoje Dow Chemical) cujos efeitos maléficos persistem até hoje, segundo o Greenpeace. Também "não havia na época nenhum risco ao meio ambiente”, segundo a empresa.
E esse episódio de dano ambiental me remeteu também ao do vazamento do navio petroleiro da Exxon - Valdez no Alasca (US $ 2,9 bi de prejuízo em dinheiro, e não-se –sabe-quanto de prejuízo ecológico). Sem contar o recente desastre de vazamento de petróleo no Brasil, bola da vez, minimizado pelo governo oportunista e orgulhoso do pré-sal. E outras centenas de outros casos no mundo.
Mas o assunto não é ecologia. É sobre o ser humano em relação ao tema. Há um traço imediatista e suicida do ser humano associado à ganância pessoal e capitalista, que sempre me incomodou. É uma mistura de várias coisas perversas que produzem um resultado desastroso no longo prazo, não só para os agentes, mandantes do crime, e defensores do desastre em vários níveis, mas para os outros, para toda a humanidade.
A base do desastre é a ganância, o apego ao dinheiro, à minha segurança econômica, da família, dos amigos, da minha tribo, sempre nessa ordem. A humanidade “que se exploda”, como dizia o velho Chico Anísio, crítico bem humorado dos costumes, mas mordaz como sei-lá-o-quê.
Vamos exemplificar isso: você já viu, por exemplo, um porta-voz ou relações públicas de uma indústria química poluidora, automobilística, uma petroleira, fabricante de cigarros, medicamentos, etc., justificando a nobreza de suas intenções e o benefício do produto? É patético.
Pois bem, esse “elemento” como diz a gíria policial, é geralmente um profissional no mínimo de nível superior, inteligente segundo os nossos padrões, “pai de família”, cujos filhos aprendem na escola a serem ecologicamente corretos, e vai por aí afora. Mas por um processo que escapa à nossa compreensão, ele convenientemente falseia a realidade e defende o mau produto que ajuda a vender, a má empresa onde trabalha como um mouro, o mau patrão, o mau chefe, a má circunstância.
Por que?
Ele sabe que aí tem uma mentira, mas por um processo mental cheio de arabescos e justificativas (as crianças, o orçamento doméstico, os credores, o padrão de vida, a viagem à Disney, a sogra, o diabo) à noite, põe a cabeça no travesseiro e... e dorme o sono dos justos. E levanta motivado para mais um dia de labuta na defesa da empresa ou entidade criminosa. Um bom funcionário...
Se questionado, vai alegar uma centena de razões para agir assim. É um suicida letrado e esperto promovendo um suicídio lento e paciente . E homicida também. Um homicida por omissão, no mínimo. O que o hinduismo e o budismo chamam de karma não é uma abstração filosófica ou esotérica é uma realidade concreta: os efeitos dessa ação e omissão vão alcançar o diretor, o gerente, contador, faxineiro, boy, o padre, o rabino, o papa, vixe...nós, certamente, estamos na lista. Há uma gradação de vítimas-réus com diferentes níveis de culpa, desde os mandantes até os omissos, quase todos, que acreditam piamente que “eu não tenho nada a ver com isso”. Eles se esquecem de que a médio prazo não há saída na aldeia global que chamamos de planeta Terra.
A outra face do mesmo processo suicida e homicida que sempre me encasquetou é a guerra. Como nos crimes ecológicos, o dinheiro e o capitalismo amoral continuam por trás da cena, mas diferentemente do caso citado acima, o dinheiro é uma influência que induz quem motiva a guerra, não a jovem vítima que pega o fuzil, matando porque foi induzida a erro.
Quem, como eu, acompanhou o dia a dia da guerra do Vietnã ficava com perguntas sem resposta: por que esse pessoal vai para a guerra? Por que simplesmente não se recusam? Por que se iludem com esse falso patriotismo sabendo que ela é feita por interesses de um conluio industrial-militar acenando com ameaças terríveis, mas mentirosas, do inimigo? Curiosamente quem tinha a visão mais equilibrada sobre o absurdo da guerra do Vietnã eram os hippies, “puxadores de fumo” rejeitados pela sociedade e pelo stablishment da época. Pouca gente faz um raciocínio objetivo sobre quem produz, com que falsos argumentos, e a quem interessa a guerra, e por que.
Eu me lembro quando servi ao Exército ficava incomodado com a letra das músicas militares, usadas para seduzir as emoções jovens dos recrutas. O hino da Infantaria dizia na terceira estrofe:
“És a nobre Infantaria,
Das armas a rainha,
Por ti daria
A vida minha,
E a glória prometida,
Nos campos de batalha,
Está contigo,
Ante o inimigo,
Pelo fogo da metralha!”
Brincadeira hein cumpadre. Ninguém se toca de que a glória prometida ao ser humano não é "o fogo da metralha”, é o Despertar, e “o inimigo” é o meu semelhante. O verdadeiro inimigo é quem produziu a guerra. E ele ainda é meu conterrâneo, provavelmente um político, intelectual, empresário, banqueiro, ou “líder espiritual”
Na passagem abaixo Gurdjieff fala em Leningrado (hoje São Petersburgo) para pra seu grupo de discípulos:
Pergunta: “- Pode se deter as guerras?
- Sim, é possível.
- Entretanto, devido às nossas conversas anteriores, eu estava certo que responderia “Não, é impossível”.
- Mas tudo está na pergunta: Como? – continuou. Tem que saber muito para compreender isso. O que é uma guerra? A guerra é um resultado de influências planetárias. Em alguma parte lá em cima, dois ou três planetas se aproximam demais e resulta uma tensão.
- Notou como você se tensiona quando um homem esbarra em você numa rua escura? Entre os planetas se produz a mesma tensão. Para eles talvez não dure um ou mais segundos. Mas aqui sobre a terra, as pessoas começam a se matar e continuam a matança durante anos. Durante todo esse tempo parece a eles que se odeiam uns aos outros, ou que é o seu dever se destroçarem por algum propósito sublime, ou devem defender algo ou alguém, e que é muito nobre fazer isso, ou algo assim.
São incapazes de se dar conta de até que ponto são simples peões de um tabuleiro de xadrez. Se atribuem importância, se acreditam livres de ir e vir a seu critério, pensam que podem decidir o fazer isso ou aquilo, mas em realidade todos os seus movimentos, todas as suas ações são resultados de influências planetárias. Por si mesmos não tem nenhuma influência. Quem tem o papel importante é a Lua. Mas falaremos disso mais tarde.”
Essa influência planetária parece ser só o “gatilho” imediato da guerra. O pano de fundo que está por trás e que fornece combustível para a fogueira é a Lei do Karma, magistralmente explicada pelo Budismo. Sem essa bagagem pesada das ações passadas e do lado sombrio de cada ser vivo, de cada família, país, raça e a própria humanidade como um todo no tempo, nada aconteceria com o gatilho planetário. Só um mal estar passageiro, não uma guerra.
Durante milhares de gerações as duas atitudes do ser humano de “defesa do indefensável” aqui apresentadas são um reflexo de uma outra situação citada na maioria das tradições autênticas, uma paisagem que permeia a nossa vida neste planeta: é o fato de que “estamos adormecidos”. Mas isso não é o pior. O trágico é que nas profundezas do nosso sono pensamos que estamos acordados, atuando, despertos e no mínimo inteligentes e sagazes. Um espanto!
Olá Arnaldo. Não posso deixar passar o teu texto sem citar o filme "Obrigado por Fumar", que narra de forma magistral o "trabalho" de um sujeito que faz bem o que tu disse, defende racionalmente uma indústria voltada ao mau-estar da humanidade:
ResponderExcluirhttp://www.overmundo.com.br/overblog/obrigado-por-fumar-um-filme-inteligente
Muito menos deixar de citar o Zeitgeist, que com certeza tu já conhece:
http://video.google.com/videoplay?docid=-1437724226641382024
Existe também um documentário chamado "Razões para a Guerra", um tanto desconhecido, que posto também aqui:
http://vimeo.com/1559192
Um abraço.
O Zeitgeist eu já conheço, o "Razões para a guerra" foi deletado. Uma pena...
ExcluirAbraço