"Como um grande número de pessoas no Ocidente não conhece a tradição Bön, vou contar um pouco da sua história:
Como acontece com a história de qualquer tradição, povo ou país, existem muitas versões do passado. A tradição oral afirma que a religião Bön teve início há mais de dezessete mil anos, mas os estudiosos modernos acreditam que ela começou muito depois. Em ambos os casos, a tradição Bön é reconhecida como a tradição nativa do Tibete e a origem de muitas tradições espirituais.
O Yungdrung Bön (Bön Eterno) foi o primeiro caminho completo de libertação espiritual no Tibete. Começou com o Buda Tonpa Shenrab, nascido na família Mushen a noroeste do Tibete. Outros afirmam que era na terra mítica de Shambhala,
A tradição afirma que Bön tinha três "portas" ou origens¨:
Conta a lenda que Tonpa Shenrab chegou à terra que é hoje o Tibete meridional em busca de cavalos roubados por um demônio. Ele visitou a montanha sagrada Kong-po, que os peregrinos ainda circundam no sentido anti-horário, à maneira Bön. Quando Tonpa Shenrab chegou, encontrou um povo primitivo cuja prática espiritual se baseava no apaziguamento de espíritos por meio do sacrifício de animais. Ele pôs um fim ao sacrifício, ensinando o uso de formas animais feitas com farinha de cevada nas oferendas, prática até hoje comum entre os tibetanos de todas as tradições.
Como no caso de todos os budas, Tonpa Shenrab ensinava de acordo com a capacidade dos alunos. Ao perceber que o povo de Zhang Zhung não estava preparado para os ensinamentos superiores da libertação, ele só ensinou os veículos inferiores, xamanistas, e rezou para que, por meio da perseverança, da devoção e da aplicação, eles se preparassem para os veículos superiores do Sutra, do Tantra e do Dzogchen. E com o tempo, todos os ensinamentos de Tonpa Shenrab chegaram a Zhang Zhung.
Séculos mais tarde, durante o período do segundo rei tibetano, Mu Khri Tsenpo, muitos ciclos de ensinamentos Bön, tântricos e Dzogchen, foram traduzidos do Zhang Zhung para o tibetano. Embora os ensinamentos já existissem no Tibete há séculos, por transmissão oral, esta era a primeira vez que eram registrados na linguagem escrita tibetana. Durante muito tempo, Zhang Zhung e a linguagem Zhang Zhung foram considerados apenas míticos pelos estudiosos ocidentais, mas essa visão está sendo reavaliada à medida que mais fragmentos da linguagem Zhang Zhung são descobertos.
Segundo a tradição, os sete primeiros reis tibetanos teriam morrido sem deixar um corpo físico, o que é um sinal de grande realização espiritual. Alguns estudiosos acreditam que eles alcançaram o "corpo de luz", um sinal de iluminação específico do Dzogchen, o que sugere que os ensinamentos Dzogchen já existiam no Tibete naquela época. Os eruditos budistas acreditam que a tradição Dzogchen veio da Índia, e o Bön de fato reconhece que uma das tradições Dzogchen chegou ao Tibete através desse país, embora os principais ciclos de ensinamento Dzogchen tenham se originado em Zhang Zhung.
Os principais ensinamentos Bön estão incluídos em Os Nove Caminhos, ou os Nove Veículos. Trata-se de nove categorias de ensinamentos, cada uma com uma visão característica, bem como práticas e resultados próprios. Por exemplo, os veículos inferiores estão relacionados à medicina, à astrologia, à adivinhação e assim por diante. Acima deles estão os ensinamentos do Sutra e do Tantra. Finalmente, o veículo superior é o ensinamento Dzogchen, a Grande Perfeição. Existem tradicionalmente três versões dos Nove Caminhos, conhecidas como Tesouros do Sul, do Centro e do Norte. Neste livro, as informações sobre xamanismo derivam fundamentalmente do Tesouro do Sul. O Tesouro do Centro é muito próximo dos ensinamentos do Budismo Nyingma. O Tesouro do Norte foi perdido. Cada Tesouro abrange alguns aspectos dos ensinamentos do sutra, do tantra e do Dzogchen. Além disso, há quinze volumes que contêm as principais biografias do Buda Tonpa Shenrab.
Segundo estatísticas chinesas, Bön é o segundo grupo mais populoso do Tibete e os Bön-po são encontrados em todas as regiões do país. Os antigos ensinamentos ainda são seguidos por praticantes de yoga monásticos e leigos e, já no século XX, houve mestres Bön que alcançaram o "corpo de arco-íris". Este é o sinal supremo da completa realização na tradição Dzogchen: na hora da morte, o praticante de grande aperfeiçoamento liberta os cinco elementos que constituem o corpo. Ele os dissolve na sua essência, que é a pura luz elementar. Durante o processo, a substancialidade do corpo se dissipa numa exibição de luzes multicores, o que explica o nome de corpo de arco-íris. Às vezes o cadáver desaparece, ficando apenas o cabelo e as unhas. Seja como for, a aparição do corpo de arco-íris é o sinal de que o praticante alcançou o mais elevado nível de realização e não está mais limitado pelos dualismos matéria e mente ou vida e morte.
Depois que os chineses dominaram o Tibete, um rigoroso programa de treinamento para monges Bön teve início no mosteiro Menri, em Dolanji, H. P., na Índia, e no mosteiro Tristsen Norbutse, em Kathmandu, no Nepal. Esse treinamento foi realizado graças ao árduo trabalho de S. S. Lungtok Tenpa’i Nyima Rinpoche, Lopon Tenzin Namdak Rinpoche e dos monges mais antigos. O programa educacional conduz ao grau Geshe. A primeira turma formada fora do Tibete (Nota:da qual fez parte Tenzin Wangyal Rinpoche, autor deste texto), graduou-se em 1986.
Muitas das tradições Bön, ao lado de várias tradições budistas tibetanas, foram perdidas durante a dominação chinesa. Muitas outras tradições estão ameaçadas. No entanto, a religião Bön e o Budismo do Tibete estão lançando raízes no Nepal e começando a se espalhar pelo mundo.
Como alguns leitores talvez saibam, há muitas interpretações incorretas da religião Bön, mesmo entre budistas tibetanos. O Bön teve o destino de muitas religiões nativas, destino esse semelhante ao das religiões da Europa e das Américas quando o Cristianismo foi introduzido. Uma nova religião que se espalha numa cultura, muitas vezes garante seu crescimento referindo-se à religião nativa em termos negativos, como algo a ser superado e rejeitado.
Notei que muitos tibetanos, até mesmo altos lamas que não estão familiarizados com a tradição ou a literatura Bön, costumam passar adiante opiniões negativas mal informadas sobre essa tradição. Eu não entendo essa atitude. É claro que esse preconceito não é dirigido apenas à tradição Bön o preconceito existe entre as escolas do Budismo Tibetano também. Acrescento essa observação para todos os alunos de Bön, para que saibam desse triste preconceito antes de depararem com ele. Agora que as formas de espiritualidade tibetanas estão saindo do Tibete para o resto do mundo, espero que a tacanhice do preconceito seja deixada para trás.
Por sorte, há muitos budistas tibetanos, leigos e monges, chefes de família comuns e altos lamas, que são herdeiros do movimento não-sectário que floresceu no Tibete no século XIX. A mais eminente voz tibetana que defende hoje em dia a tolerância e a compreensão é a de Sua Santidade, o Décimo Quarto Dalai Lama, que reconheceu formalmente a tradição Bön como uma das cinco principais tradições do Tibete. Em várias ocasiões, ele ofereceu apoio a S. S. Lungtok Tenpa'i Nyima Rinpoche e a Lopon Tenzin Namdak Rinpoche, pedindo que trabalhem para preservar a antiga herança Bön como um tesouro para todos os tibetanos.
No Ocidente, as pessoas adotam uma atitude mais aberta diante da tradição Bön na medida em que aprendem mais a seu respeito. Em seus textos e tradições elas encontram um equilíbrio entre estudo e prática, entre fé e questionamento crítico. Elas também descobrem que a tradição Bön, enraizada em tempos anteriores à história registrada, desenvolveu tradições de xamanismo, filosofia e debate, monasticismo, transmissões tântricas e yogas, bem como os mais elevados ensinamentos da Grande Perfeição. Embora este livro ( A Cura Através da Forma da Energia e da Luz) seja basicamente para praticantes, espero que os estudiosos tenham uma idéia da profundidade e da variedade das tradições espirituais Bön.
As práticas do caminho espiritual, quando feitas com o entendimento e a aplicação corretas, trazem resultados. Os resultados desenvolvem a fé. Quando é forte e baseada na certeza, a fé favorece a prática. A fé e a prática juntas conduzem à sabedoria e à felicidade. É meu sincero desejo que este livro contribua para o bem estar e o progresso espiritual de todos os que o lerem."
• Este texto é do grande e jovem mestre vivo da tradição xamânica Bön-Budista, Tenzin Wangyal Rinpoche, incansável viajante, que veio duas vezes ao Brazil e fundou o Instituto Ligmincha, já presente em todo o mundo, incluindo São Paulo. O livro, uma pérola do Ensinamento, chama-se "A Cura através da Forma, da Energia, e da Luz". Imperdível.
Como acontece com a história de qualquer tradição, povo ou país, existem muitas versões do passado. A tradição oral afirma que a religião Bön teve início há mais de dezessete mil anos, mas os estudiosos modernos acreditam que ela começou muito depois. Em ambos os casos, a tradição Bön é reconhecida como a tradição nativa do Tibete e a origem de muitas tradições espirituais.
O Yungdrung Bön (Bön Eterno) foi o primeiro caminho completo de libertação espiritual no Tibete. Começou com o Buda Tonpa Shenrab, nascido na família Mushen a noroeste do Tibete. Outros afirmam que era na terra mítica de Shambhala,
A tradição afirma que Bön tinha três "portas" ou origens¨:
- A primeira era em Tazig Olmo Lung Ring.
- A segunda ficava na Ásia Central, possivelmente concentrada na região onde estava situada a antiga Pérsia. Os historiadores acreditam que a religião Bön estava espalhada pela Ásia Central antes de o Islã chegar e dominar as culturas locais, e que muitas antigüidades encontradas na Ásia Central, consideradas budistas, são na verdade Bön.
- A terceira era o reino de Zhang Zhung, que englobava uma grande parte do que é hoje o Tibete ocidental.
Conta a lenda que Tonpa Shenrab chegou à terra que é hoje o Tibete meridional em busca de cavalos roubados por um demônio. Ele visitou a montanha sagrada Kong-po, que os peregrinos ainda circundam no sentido anti-horário, à maneira Bön. Quando Tonpa Shenrab chegou, encontrou um povo primitivo cuja prática espiritual se baseava no apaziguamento de espíritos por meio do sacrifício de animais. Ele pôs um fim ao sacrifício, ensinando o uso de formas animais feitas com farinha de cevada nas oferendas, prática até hoje comum entre os tibetanos de todas as tradições.
Como no caso de todos os budas, Tonpa Shenrab ensinava de acordo com a capacidade dos alunos. Ao perceber que o povo de Zhang Zhung não estava preparado para os ensinamentos superiores da libertação, ele só ensinou os veículos inferiores, xamanistas, e rezou para que, por meio da perseverança, da devoção e da aplicação, eles se preparassem para os veículos superiores do Sutra, do Tantra e do Dzogchen. E com o tempo, todos os ensinamentos de Tonpa Shenrab chegaram a Zhang Zhung.
Séculos mais tarde, durante o período do segundo rei tibetano, Mu Khri Tsenpo, muitos ciclos de ensinamentos Bön, tântricos e Dzogchen, foram traduzidos do Zhang Zhung para o tibetano. Embora os ensinamentos já existissem no Tibete há séculos, por transmissão oral, esta era a primeira vez que eram registrados na linguagem escrita tibetana. Durante muito tempo, Zhang Zhung e a linguagem Zhang Zhung foram considerados apenas míticos pelos estudiosos ocidentais, mas essa visão está sendo reavaliada à medida que mais fragmentos da linguagem Zhang Zhung são descobertos.
Segundo a tradição, os sete primeiros reis tibetanos teriam morrido sem deixar um corpo físico, o que é um sinal de grande realização espiritual. Alguns estudiosos acreditam que eles alcançaram o "corpo de luz", um sinal de iluminação específico do Dzogchen, o que sugere que os ensinamentos Dzogchen já existiam no Tibete naquela época. Os eruditos budistas acreditam que a tradição Dzogchen veio da Índia, e o Bön de fato reconhece que uma das tradições Dzogchen chegou ao Tibete através desse país, embora os principais ciclos de ensinamento Dzogchen tenham se originado em Zhang Zhung.
Os principais ensinamentos Bön estão incluídos em Os Nove Caminhos, ou os Nove Veículos. Trata-se de nove categorias de ensinamentos, cada uma com uma visão característica, bem como práticas e resultados próprios. Por exemplo, os veículos inferiores estão relacionados à medicina, à astrologia, à adivinhação e assim por diante. Acima deles estão os ensinamentos do Sutra e do Tantra. Finalmente, o veículo superior é o ensinamento Dzogchen, a Grande Perfeição. Existem tradicionalmente três versões dos Nove Caminhos, conhecidas como Tesouros do Sul, do Centro e do Norte. Neste livro, as informações sobre xamanismo derivam fundamentalmente do Tesouro do Sul. O Tesouro do Centro é muito próximo dos ensinamentos do Budismo Nyingma. O Tesouro do Norte foi perdido. Cada Tesouro abrange alguns aspectos dos ensinamentos do sutra, do tantra e do Dzogchen. Além disso, há quinze volumes que contêm as principais biografias do Buda Tonpa Shenrab.
Segundo estatísticas chinesas, Bön é o segundo grupo mais populoso do Tibete e os Bön-po são encontrados em todas as regiões do país. Os antigos ensinamentos ainda são seguidos por praticantes de yoga monásticos e leigos e, já no século XX, houve mestres Bön que alcançaram o "corpo de arco-íris". Este é o sinal supremo da completa realização na tradição Dzogchen: na hora da morte, o praticante de grande aperfeiçoamento liberta os cinco elementos que constituem o corpo. Ele os dissolve na sua essência, que é a pura luz elementar. Durante o processo, a substancialidade do corpo se dissipa numa exibição de luzes multicores, o que explica o nome de corpo de arco-íris. Às vezes o cadáver desaparece, ficando apenas o cabelo e as unhas. Seja como for, a aparição do corpo de arco-íris é o sinal de que o praticante alcançou o mais elevado nível de realização e não está mais limitado pelos dualismos matéria e mente ou vida e morte.
Depois que os chineses dominaram o Tibete, um rigoroso programa de treinamento para monges Bön teve início no mosteiro Menri, em Dolanji, H. P., na Índia, e no mosteiro Tristsen Norbutse, em Kathmandu, no Nepal. Esse treinamento foi realizado graças ao árduo trabalho de S. S. Lungtok Tenpa’i Nyima Rinpoche, Lopon Tenzin Namdak Rinpoche e dos monges mais antigos. O programa educacional conduz ao grau Geshe. A primeira turma formada fora do Tibete (Nota:da qual fez parte Tenzin Wangyal Rinpoche, autor deste texto), graduou-se em 1986.
Muitas das tradições Bön, ao lado de várias tradições budistas tibetanas, foram perdidas durante a dominação chinesa. Muitas outras tradições estão ameaçadas. No entanto, a religião Bön e o Budismo do Tibete estão lançando raízes no Nepal e começando a se espalhar pelo mundo.
Como alguns leitores talvez saibam, há muitas interpretações incorretas da religião Bön, mesmo entre budistas tibetanos. O Bön teve o destino de muitas religiões nativas, destino esse semelhante ao das religiões da Europa e das Américas quando o Cristianismo foi introduzido. Uma nova religião que se espalha numa cultura, muitas vezes garante seu crescimento referindo-se à religião nativa em termos negativos, como algo a ser superado e rejeitado.
Notei que muitos tibetanos, até mesmo altos lamas que não estão familiarizados com a tradição ou a literatura Bön, costumam passar adiante opiniões negativas mal informadas sobre essa tradição. Eu não entendo essa atitude. É claro que esse preconceito não é dirigido apenas à tradição Bön o preconceito existe entre as escolas do Budismo Tibetano também. Acrescento essa observação para todos os alunos de Bön, para que saibam desse triste preconceito antes de depararem com ele. Agora que as formas de espiritualidade tibetanas estão saindo do Tibete para o resto do mundo, espero que a tacanhice do preconceito seja deixada para trás.
Por sorte, há muitos budistas tibetanos, leigos e monges, chefes de família comuns e altos lamas, que são herdeiros do movimento não-sectário que floresceu no Tibete no século XIX. A mais eminente voz tibetana que defende hoje em dia a tolerância e a compreensão é a de Sua Santidade, o Décimo Quarto Dalai Lama, que reconheceu formalmente a tradição Bön como uma das cinco principais tradições do Tibete. Em várias ocasiões, ele ofereceu apoio a S. S. Lungtok Tenpa'i Nyima Rinpoche e a Lopon Tenzin Namdak Rinpoche, pedindo que trabalhem para preservar a antiga herança Bön como um tesouro para todos os tibetanos.
No Ocidente, as pessoas adotam uma atitude mais aberta diante da tradição Bön na medida em que aprendem mais a seu respeito. Em seus textos e tradições elas encontram um equilíbrio entre estudo e prática, entre fé e questionamento crítico. Elas também descobrem que a tradição Bön, enraizada em tempos anteriores à história registrada, desenvolveu tradições de xamanismo, filosofia e debate, monasticismo, transmissões tântricas e yogas, bem como os mais elevados ensinamentos da Grande Perfeição. Embora este livro ( A Cura Através da Forma da Energia e da Luz) seja basicamente para praticantes, espero que os estudiosos tenham uma idéia da profundidade e da variedade das tradições espirituais Bön.
As práticas do caminho espiritual, quando feitas com o entendimento e a aplicação corretas, trazem resultados. Os resultados desenvolvem a fé. Quando é forte e baseada na certeza, a fé favorece a prática. A fé e a prática juntas conduzem à sabedoria e à felicidade. É meu sincero desejo que este livro contribua para o bem estar e o progresso espiritual de todos os que o lerem."
• Este texto é do grande e jovem mestre vivo da tradição xamânica Bön-Budista, Tenzin Wangyal Rinpoche, incansável viajante, que veio duas vezes ao Brazil e fundou o Instituto Ligmincha, já presente em todo o mundo, incluindo São Paulo. O livro, uma pérola do Ensinamento, chama-se "A Cura através da Forma, da Energia, e da Luz". Imperdível.
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