domingo, 6 de novembro de 2011

A Arte e a Consciência

As pessoas tem perguntado sobre a Arte, e qual o seu papel no processo de evolução do Ser, no caminho de volta.
Considerando-se que a única razão da existência dos seres é a transformação alquímica consciente da sua matéria densa em sutil, tudo o que pode ser utilizado nesse processo é bem vindo. E a Arte está nos primeiros lugares dessa lista desde os primórdios da humanidade. O ser humano tem sido conduzido pelas escolas autênticas a uma habilidade em transformar atividades corriqueiras em Arte, e portanto caminhos de evolução da consciência. É o caso da cerimônia do chá, do tiro de arco, do cozinhar, da ouriversaria tradicional, da caligrafia, da pintura, da poesia, das lendas infantis, da fabricação dos antigos tapetes orientais através da dança, dos monumentos antigos, da construção precisa das estátuas de deuses, das catedrais góticas, do sexo, e por aí afora...um só caminho já é suficiente. Não é preciso ler, aprender ou praticar sobre tudo. A maioria das pessoas que buscam já sabem o essencial. É só praticar no Agora, e não no tempo, como diz Eckhart Tolle.
Há apenas um porém no papel da Arte no processo de evolução do Ser: segundo a tradição antiga, existem dois tipos de arte, a Arte Objetiva e a arte subjetiva,  e 7 tipos de Ser, conforme o seu nível e portanto sua relação com a evolução, segundo Gurdjieff:
Os homens número 1, 2 e 3  são a humanidade mecânica que não evoluiu após o nascimento.
•    O homem número 1 tem o centro de gravidade psíquico no centro físico motor e sexual. 0 2 no emocional. 0 3 no intelectual
•    0 4 nasceu 1ou 2 ou 3 e evoluiu. Já é produto de uma Escola Interior, mas não atingiu a Unidade psíquica.
•    0 5 idem, mas já atingiu a Unidade psíquica
•    O 6 já tem propriedades do 7 mas ainda não permanentes
•    O 7 chegou ao topo. Possui a Vontade, a Consciência e um Eu permanente e imutável.
Ouspenski relata os ensinamentos de Gurdjieff (G) sobre a relação entre a Arte e o homem, nessa sua multiplicidade.
“ - Atualmente, disse G, você não compreende ainda que os homens podem pertencer a níveis muito diferentes, sem parecer diferir em nada uns dos outros. Ora, há diferentes níveis de arte, assim como diferentes níveis de homens. Mas você não vê hoje que a diferença entre esses níveis é muito maior do que imagina; coloca tudo no mesmo plano, justapõe as coisas mais diferentes e imagina que os diferentes níveis lhe são acessíveis.
“Tudo o que você chama arte é apenas reprodução mecânica, imitação da natureza - quando não de outros "artistas" - simples fantasia ou ainda ensaio de originalidade: tudo isso não é arte para mim. A arte verdadeira é totalmente diferente. Em certas obras de arte, em particular nas obras mais antigas, você é tocado por muitas coisas que não se pode explicar e que não se encontram nas obras de arte modernas. Mas, como não compreende onde está a diferença, esquece disso muito depressa e continua a englobar tudo sob o mesmo rótulo. E, no entanto, a diferença entre a sua arte e a de que falo é enorme. Em sua arte, tudo é subjetivo: a percepção que o artista tem desta ou daquela sensação, as formas nas quais procura expressá-la e a percepção dessas formas pelos outros, Em presença de um só e mesmo fenômeno, um artista pode sentir de certo modo e outro artista de modo inteiramente diferente. Um mesmo pôr de sol pode provocar sensação de alegria num e de tristeza noutro. E eles podem esforçar-se por exprimir a mesma percepção por métodos ou formas sem relação entre si; ou, então, percepções muito diversas sob uma mesma forma, segundo o ensinamento que receberam ou em oposição a ele. E os espectadores, os ouvintes ou os leitores perceberão, não o que o  artista lhes queria comunicar ou o que sentiu, mas o que as formas pelas quais tiver expressado suas sensações lhes façam experimentar por associação. Tudo é subjetivo e tudo é acidental, isto é, baseado em associações: as impressões acidentais do artista, sua "criação" (acentuou a palavra "criação") e as percepções dos espectadores, ouvintes ou leitores.
- Na arte verdadeira, ao contrário, nada é acidental. Tudo é matemático, Tudo pode ser calculado e previsto de antemão. O artista sabe e compreende a mensagem que quer transmitir e sua obra não pode produzir certa impressão num homem e impressão completamente diferente noutro, sob a condição, naturalmente, de que se tomem pessoas de um mesmo nível. Sua obra produzirá sempre, com certeza matemática, a mesma impressão.
"Entretanto, a mesma obra de arte produzirá efeitos diferentes sobre homens de níveis diferentes. E os de nível inferior nunca extrairão dela tanto quanto os de nível mais elevado. Eis a arte verdadeira, objetiva. Tome, por exemplo, uma obra científica - um livro de astronomia ou química. Não pode ser compreendido de duas maneiras; qualquer leitor suficientemente preparado compreende o que o autor quis dizer e precisamente do modo pelo qual o autor quis ser compreendido. Uma obra de arte objetiva é exatamente semelhante a um desses livros, com uma única diferença: de que se dirige à emoção do homem e não à sua cabeça
- Existem em nossos dias obras de arte desse gênero?
- Naturalmente que existem, respondeu G. A grande Esfinge do Egito é uma delas, do mesmo modo que certas obras arquitetônicas conhecidas, certas estátuas de deuses e muitas outras coisas ainda. Certos rostos de deuses ou de heróis mitológicos podem ser lidos como livros, não com o pensamento, repito, mas com a emoção, desde que esta esteja suficientemente desenvolvida, No curso de nossas viagens à Ásia Central, encontramos no deserto, ao pé do Hindu Kush, uma curiosa escultura.que, à primeira vista, pensamos representar um antigo deus ou demônio. Causou-nos a princípio somente uma impressão de estranheza. Cedo, porém, começamos a sentir o conteúdo dessa figura: era um grande e complexo sistema cosmológico. Pouco a pouco, passo a passo, deciframos esse sistema: estava inscrito sobre seu corpo, sobre as pernas, sobre os braços, sobre a cabeça, sobre o rosto, sobre os olhos, sobre as orelhas e sobre todas as suas partes. Nada tinha sido deixado ao acaso nessa estátua, nada era desprovido de significação. E, gradualmente, esclareceu-se em nós a intenção dos homens que a haviam erigido. Podíamos, daí por diante, sentir seus pensamentos, seus sentimentos. Alguns dentre nós acreditavam ver seus rostos e ouvir suas vozes. Em todo caso, havíamos captado o sentido do que queriam nos transmitir através de milhares de anos e, não somente esse sentido”
 Eu (Ouspenski) estava multo interessado pelo que G. dissera a respeito da arte. Seu exemplo de divisão entre arte subjetiva e arte objetiva era muito evocador para mim. Ainda não compreendia tudo o que ele colocava nessas palavras. Mas sempre sentira, na arte, certas divisões e gradações, que .eu não podia, aliás, definir nem formular e que ninguém jamais formulara. Entretanto, sabia que essas divisões e gradações existiam. De modo que todas as discussões sobre arte que não as admitiam pareciam-me frases ocas, vazias de sentido e inúteis.
Graças às indicações que G. me dera dos diferentes níveis que não chegamos a ver nem compreender, sentia que devia existir um caminho de acesso a essa mesma gradação que eu sentira, mas não havia podido definir. Em geral, muitas coisas ditas por G. me espantavam. Havia nelas idéias que eu não podia aceitar e me pareciam fantásticas, sem fundamento. Outras, ao contrário, coincidiam estranhamente com o que eu mesmo pensara ou confirmavam resultados aos quais já havia chegado há muito tempo.
Sobretudo estava interessado no encadeamento do que ele dissera. Sentia já que seu sistema não era um amontoado de idéias, como todos os sistemas filosóficos e científicos, mas um todo indivisível, do qual, aliás, até então, só vira alguns aspectos.”
Mais adiante ele relaciona a busca de uma “linguagem universal” com a arte:
“- Há muito que os homens se esforçam por encontrar uma linguagem universal, dizia. E nesse campo, como em muitos outros, buscam o que foi encontrado desde há muito e tentam inventar algo cuja existência era bem conhecida antigamente. Já disse que não há uma, mas três línguas universais ou, para falar com mais exatidão, três graus de uma mesma língua. Em seu primeiro grau, esta língua já torna possível às pessoas a expressão de seus próprios pensamentos e a compreensão dos outros, quando se trata de coisas para as quais a linguagem comum é impotente.
“- Que relações têm essas linguagens com a arte? disse alguém. E a própria arte não representa essa "linguagem filosófica" que outros procuram intelectualmente? “
“- Não sei de que arte fala, disse G . Há Arte e arte. Já devem ter reparado, sem dúvida, que em nossas reuniões com muita freqüência me interrogaram, sobre a arte e que sempre evitei qualquer conversa sobre esse assunto. Acho, de fato, totalmente desprovidas de sentido todas as conversas ordinárias sobre a arte. O que as pessoas dizem nada tem a ver com o que pensam e nem mesmo percebem isto. Além disso, é perfeitamente vão tentar explicar as verdadeiras relações das coisas a um homem que não sabe o A B C sobre si mesmo, isto é, sobre o homem. Mas estudamos suficientemente para que ,a partir de agora tenham alguma noção desse A B C, de modo que talvez lhes fale hoje sobre a arte”.
"Lembrarei primeiramente que há duas espécies de arte sem termo de comparação entre si - a arte objetiva e  a arte subjetiva. Tudo o que conhecem, tudo o que chamam arte é a arte subjetiva que, de minha parte, evitarei chamar arte, porque reservo este nome à arte objetiva.
"O que chamo arte objetiva é muito difícil de definir, primeiro porque vocês atribuem as características dela à arte subjetiva e, segundo, porque colocam as obras de arte objetiva, quando na presença delas, no mesmo nível que as obras de arte subjetiva.
"Vou expor claramente minha idéia. Vocês dizem: um artista cria. Reservo esta expressão para o artista objetivo. Para o artista subjetivo, digo que nele "isto se cria". Mas vocês não distinguem a diferença; e, no entanto, é imensa. Além disso, atribuem à arte subjetiva uma ação invariável, ou seja, crêem que todo mundo reagirá 'do mesmo modo às obras de arte subjetiva. Imaginam, por exemplo, que uma marcha fúnebre provocará em todos pensamentos tristes e solenes e que qualquer música de dança provocará pensamentos felizes. De fato, esse não é absolutamente o caso. Tudo depende das associações. Se me acontece ouvir pela primeira vez, sob o peso de grande infortúnio, uma melodia alegre, esta provocará em mim depois disto, durante toda a minha vida, pensamentos tristes e opressivos. E se, num dia em que me sinta particularmente feliz, ouvir uma melodia triste, esta sempre provocara em mim pensamentos felizes. E o mesmo ocorre com tudo.
"Entre a arte objetiva e a arte subjetiva a diferença está em que, no primeiro caso, o artista "cria" realmente - faz o que tem a intenção de fazer, introduz em sua obra as idéias e os sentimentos que quer. E a ação de sua obra sobre as pessoas é absolutamente precisa; elas receberão, cada uma de acordo com seu nível, naturalmente, as próprias idéias e sentimentos que o artista quis transmitir-lhes, Quando se trata de arte objetiva, não pode haver nada de acidental, nem na própria criação da obra, nem nas impressões que dá.
"Quando se trata de arte subjetiva, tudo é acidental. O artista, como já disse, não cria; nele "isto se cria sozinho". O que significa que tal artista está em poder de idéias, de pensamentos e de humores que ele mesmo não compreende e sobre os quais não tem o mínimo controle. Eles o governam expressam-se por si mesmos sob uma ou outra forma. E, quando tomaram acidentalmente tal ou qual forma, essa forma, da mesma maneira acidental, produz esta ou aquela ação sobre o espectador segundo seus humores, gostos, hábitos e a natureza da hipnose sob a qual vive. Aqui nada é invariável, nada é preciso. Na arte objetiva, ao contrário, nada há de impreciso.
- A arte não corre o risco de desaparecer tornando-se assim precisa? perguntou um de nós. E não há, justamente, certa imprecisão, um não sei quê que distingue, digamos, a arte da ciência? Se esta imprecisão desaparecer, se o próprio artista não mais ignorar o que quer obter, se souber de antemão a impressão que sua obra produzirá sobre o público, será então um "livro"...Não será mais arte.
Não sei de que está falando, disse G. Temos medidas diferentes:aprecio a arte por sua consciência e você a aprecia tanto mais quanto for inconsciente. Não nos podemos compreender.  Uma obra de arte objetiva deve ser um "livro", como diz; a única diferença é que o artista não transmite suas idéias diretamente através das palavras, sinais ou hieróglifos, mas através de certos sentimentos que ele desperta conscientemente e de maneira metódica, sabendo o que faz e por que o faz.

Estátua de Zeus, por Fídias
- Certas lendas, disse então um dos ouvintes, falam de estátuas de deuses, nos antigos templos da Grécia - por exemplo a estátua de Zeus em Olímpia - que produziam em todo mundo uma impressão bem definida, sempre a mesma.
- Totalmente exato, disse G .. E o fato de tais lendas existirem mostra que os Antigos tinham compreendido a diferença entre a arte verdadeira e a arte falsa; o efeito produzido pela primeira é sempre o mesmo, o efeito produzido pela segunda é sempre acidental.
- O senhor não nos poderia indicar outras obras de arte objetiva? Há algo que possamos chamar objetivo na arte contemporânea? Quando foi criada a última obra de arte objetiva? Quase todo mundo se tinha posto a falar e a fazer perguntas desse gênero a G.
- Antes de falar de tudo isso, respondeu, devem compreender os princípios. Se os compreenderem, serão capazes de responder, vocês mesmos, a todas essas perguntas. Mas se não compreenderem os princípios, nada poderia dizer que lhes pudesse explicar seja o que for. Foi a esse respeito que foi dito: “olharão com seus olhos e não verão, escutarão com eus ouvidos e não ouvirão”.
Só lhes darei um exemplo - a música. Toda a música objetiva baseia-se nas oitavas interiores. E pode dar resultados precisos, não só de ordem psicológica, mas de ordem física. Existe uma música tal, que congela as águas. Existe uma musica capaz de matar um homem imediatamente. A história da destruição das muralhas de  Jericó pela música é uma lenda de música objetiva. Nunca a música comum, seja qual for, fará cair muralhas, mas a música objetiva, na verdade, pode fazer isso. E não só pode destruir como pode também edificar. A lenda  de Orfeu é tecida sobre lembranças como essas de música objetiva, porque Orfeu servia-se da música para ensinar. A música dos encantadores de serpentes, no Oriente, tende para a música objetiva, mas de maneira muito primitiva. Freqüentemente trata-se apenas de uma nota só, quase sem modulação e prolongada indefinidamente; dentro desta simples nota desenvolvem-se sem cessar "oitavas interiores" e, nessas oitavas, melodias inaudíveis, mas que podem ser sentidas pelo centro emocional. E a serpente  ouve essa música ou, mais exatamente, sente-a e obedece-lhe. Uma música dessa espécie, apenas um pouco mais complexa, faria homens obedecerem.
Assim, vêem que a arte não é só uma linguagem, mas algo muito maior. E se lembrarem do que disse sobre os diferentes níveis do homem, compreenderão o que acabo de dizer sobre a arte. A humanidade mecânica é composta de homens número 1, 2 e 3 e estes, naturalmente, só podem ter uma arte subjetiva. A arte objetiva requer, pelo menos, vislumbres de consciência objetiva; para poder extrair alguma coisa dela, são necessários uma grande unidade interior e um grande controle de Si Mesmo.

2 comentários:

  1. Maravilhoso! Compartilhei com meus amigos do FB, em sua maioria artistas visuais. Eu tenho, às vezes,lampejos desta visão de Arte com a qual vc nos brindou e fico muito feliz em ver isto colocado em seus pontos básicos para poder refletir e meditar a respeito.Obrigada.

    ResponderExcluir