Quando a gente inicia a prática da meditação, ou contemplação, ou prática na calma, não importa o nome, instala-se sub-repticiamente (adoro essa palavra) uma armadilha. É a seguinte:
Eu praticante, automaticamente, monto na mente um aparato de auditoria interior que durante a prática identifica os desvios que ocorrem, e comparo isso a uma situação ideal que aprendi, de estar atento ao meu corpo de sensação, lembrando de mim mesmo ou, simplificando, estar sendo, nas profundezas da calma. As diferenças entre as duas situações, teórica e prática, deveriam ser apenas observadas, mais nada, pois papel de auditor é esse mesmo, observar e notificar. Até aí tudo bem...
O “olhar” que vê por trás da atenção à sensação, porém, ao identificar o desvio entre o que é e o que deveria ser, faz uma avaliação comparativa de quão longe eu estou da situação ideal (o que até parece apropriado) mas no mesmo instante algo imperceptivelmente se apossa do processo e, se envolvendo também na coisa, numa aparente inocência, identifica-se com o objeto, a existência do desvio. Começa então um silencioso bate-boca interior com um juiz, que surgiu não-sei-de-onde, mas é eu mesmo, que faz um julgamento do tipo que lamentável... e, sutilmente, aquele que observa sofre um processo de identificação com a coisa obervada, que nesse caso é esse estado já rotulado de incompetência. É essa a armadilha! É um fazer identificado, se é que isso tem nome. Nessa altura do campeonato eu já estou ladeira abaixo, num torvelinho de considerações mentais e esqueci do essencial, contemplar sem dar palpite. É puro ego.
Quando isso acontece, a manobra interior mais adequada, o antídoto, é algo como um não-fazer desidentificado, se é que isso também tem nome. É um olhar impessoal que só olha. Contempla. Mais nada. É difícil e fácil ao mesmo tempo. Basta se desapegar um pouco. Se estiver atento à respiração fica mais fácil como diz Sogyal Rinpoche, lama tibetano, no seu O Livro Tibetano do Viver e do Morrer.
Na verdade seria melhor que o olhar da atenção se dispusesse somente a “contemplar” a situação de incompetência como se essa tarefa fosse a competência almejada, ou seja, quanto mais eu identificar essa tal incompetência, mais competente é o olhar da consciência. Mas sem tomar partido como um juiz.
Isso deve ser feito de forma sutil, contemplativa, sem imposição e principalmente sem apego, senão, ao ser conseguido o resultado de só contemplar, o pêndulo do ego ao invés da crítica severa do juiz, vai pro outro lado, do orgulho da coisa bem feita, o que é farinha do mesmo saco.
Pois é, meus caros, se fosse fácil estava todo mundo iluminado andando por aí. À noite seria lindo...
Nossa Preto,
ResponderExcluirApesar de ser difícil contar esses acontecimentos, vc descreveu a armadilha bem. O aparato de auditoria é ótimo, e muuuuito furtiva a instalação, talvez só mude a sentença do juiz conforme a pessoa que medita. No meu caso o resultado da armadilha é a sensação de estar fracassanda. O Juiz diz : fracassada. Olhar, contemplar quando está se sentindo fracassada é difícil. Olhar a respiração é uma boa dica, porque força a sair do estado.
Então, se faz mal feito o ego te sentencia se faz bem feito o ego lhe joga confetes.
Cara, que situação sutiiill... esse é o detalheee...tem que ficar no meeeeiiioo.
É uma corda bamba. Transformar o chumbo em ouro é difícil e fácil. Está só por um triz.
Luara
É isso aí cumadre. pegou a sutileza. Na mosca.
ResponderExcluirAbração
Que clareza.
ResponderExcluirObrigado, so tenho a agradecer.
Oi Quiron
ResponderExcluirA gente pode não ser mestre, mas claro a gente é (rsrs)
Abraço