domingo, 10 de julho de 2011

Parousia, o Renascer

 Dos quatro reinos conhecidos, mineral, vegetal, animal e humano, o ser humano é “o ponto alto da Criação”, certo?
Sim e não. Depende do jeito que se aborda a questão. Do ponto de vista da estrutura biológica e hereditária que forma o ser humano hoje, é sim. Já somos uma máquina sofisticada, única, testada há muito tempo em condições desfavoráveis e aprovada, e ela tem sim um potencial para abrigar um emocional neurológicamente complexo, um mental e memória sofisticados, uma consciência digna do “super homem” que deveria vir e se instalar, como diria Nietzsche e outros estudiosos, (mas não vem nunca - rsrs). Os hindus e os budistas afirmam que é um privilégio nascer com a forma humana, um presente que recebemos, e não podemos desperdiçar. Talvez seja a esse dom que eles se referem, mas precisamos agora fazer a nossa parte. Como dissemos em O Ser e o Caminho de Volta essa “aparente evolução” que somos, veio no “piloto automático” do Raio de Criação. Nada fizemos por ela, nós seres humanos. Foi um presente, sei-lá-de-quem, para que agora alguns, pouquíssimos, conscientemente, por esforço individual, comecem a evoluir e cheguem até “o ponto alto da criação”. Há uma porta estreita ai conforme dizem os livros sagrados. Esse é o significado esotérico oculto de “Muitos serão chamados, poucos os escolhidos”. A Natureza generosa faz isso mesmo: põe um zilhão de ovos para que talvez um somente possa conseguir chegar lá, se for esperto. Mas o esforço deverá ser dele, ser humano. Nada vai ajudar agora, muito pelo contrário. Tudo vai estar jogando contra, no outro time. Essa é a nossa parte no contrato que assinamos, aliás nem dá para reclamar, nós é que fizemos o contrato, esqueceu? Ou você pensou que o show era de graça?
Não devemos esquecer: somente uns poucos humanos serão necessários para a mutação que produzirá o “homem novo”. Lembra-se de Noé?
Então do ponto de vista da nossa potencialidade como seres humanos comuns, estamos muito longe das nossas possibilidades de atingir “o topo da Criação”, como pressupõe a maioria. Quando lemos as tradições temos o mau costume, cultivado pela ignorância ou orgulho, de assumir sempre o lado vantajoso para nós. Ao ler que o ser humano é composto de corpo, alma e espírito, e somos eternos, dizemos: “Olha eu aí”...
Não, não, cumpadre (ou cumadre), esse aí descrito nas tradições é o verdadeiro Ser Humano já completo, “o homem nº 7” segundo o Quarto Caminho, desenvolvido e poderoso, é o tal “super homem” que, quando sai da lagarta e vira a linda borboleta, nem ficamos sabendo que virou, e ele também vai embora e nem lembra mais da lagarta que já foi um dia. Para virar borboleta, tem muito chão ainda. Como diz o ditado árabe, temos que comer um saco de sal, junto a um mestre autêntico, dentro de uma tradição autêntica. Só então seremos candidatos. A uma possibilidade.
Não há garantia de que temos uma alma, já diziam Don Juan, Castaneda, Gurdjieff,  e outros mestres irados, linhas duras. Será que temos?  O que temos, sim, é um embrião, um rascunho de “corpo astral” que será, se-ráá...,  a sede da alma, ou o nome que tenha, se nós o desenvolvermos para isso, é claro. Se não, volta ao pó.
Esse desenvolvimento vai acontecer numa paisagem que não é bem um mar de rosas. Quando a gente falar no blog sobre o assunto da “Lei de Sete” vai ficar claro o porquê disso, vamos ver que o palco em que estamos atuando, a nossa vida, não ajuda muito. Há muita pedra no caminho como diria Drummond. Sem muito esforço a coisa vai parando, parando, e para. Ou como diriam os cientistas “O Universo tende naturalmente à Entropia”. Ou é uma outra forma de dizer, como o grande humorista-filósofo Millôr,  “ Se você deixar as coisas como estão para ver como é que ficam, a tendência é só piorar. A Natureza está sempre do lado da falha”. Tem que aplicar inteligência e esforço. E na hora certa. É uma arte.
Essa é a essência da tal Lei de Sete. Ela foi formatada assim mesmo, por uma Inteligência que precisa do resultado desse esforço, e conhece muito bem a natureza humana preguiçosa.  Aliás, nem é preciso esperar a publicação da Lei do Sete no blog. É só olhar à nossa volta, e ver que viver é uma tarefa que requer esforço e paciência, as coisas não são tão fáceis, os planos, projetos, objetivos, requerem esforço, habilidade, decisões difíceis, e no final só muito poucos dão certo.
Um dos pontos é que precisamos de energia para enfrentar isso, e o melhor jeito é economizar a pouca e finita energia de que dispomos.  O caminho tolteca de Don Juan e Castaneda, além dos Passes Mágicos, exercícios para reequilibrar essa energia, insistia que o guerreiro precisava de “impecabilidade”, e isso não era nenhuma regra moral de conduta. Nada a ver com o pecado como o conhecemos, é um outro tipo de pecado. E a fórmula é simplesmente “fazer tudo da forma mais econômica em termos energéticos”, senão a gente gasta toda ela nas insignificâncias da nossa vida corriqueira e não sobra nada para o desenvolvimento interior. O pecado aqui é desperdiçar energia. Significava que devemos deter os vazamentos “normais” de energia do nosso funcionamento, adquirindo assim poder pessoal. Então a gente faz a pergunta certa, de um milhão de dólares: “E quais são esses vazamentos?”.
Temos uma lista grande, mas que pode ser resumida no fato de que “gastamos uma energia descomunal para manter a estrutura da nossa personalidade (leia-se ego) intacta, segura”.  É a chamada Auto Importância, e com ela vem, auto imagem, auto piedade, auto estima, auto reflexão, hábitos e rotinas, inventário de conceitos, etc., exaustivamente tratadas na obra de Castaneda.
A literatura esotérica de busca interior no budismo, hinduísmo, xamanismo, taoísmo, também está repleta de práticas para trabalhar o gradual esvaziamento da ação do ego em nossas vidas, cujo maior escudo é o incessante e diabólico Diálogo Interno.
O outro ponto é que é preciso Interesse para vencer a inércia dos hábitos e preocupações da vida diária que competem ferozmente com a busca interior da evolução, e isso é função de algumas influências que nós no Ocidente não tivemos, e outras que infelizmente tivemos. A herança da cultura grega, racional que formatou o Ocidente europeu, tem a ver com isso. No Oriente a criança nasce já envolta numa cultura que privilegia o ser, o equilíbrio, o silêncio, a meditação e os valores do espírito. Então o nosso esforço tem que ser maior do que o do oriental (o legítimo), para vencer isso.
Então, só potencialmente somos o ponto alto da Criação, mas isso é só uma possibilidade, não uma realidade. Dependendo do esforço, somos uma promessa. No máximo.
Para ser realmente o ponto alto da Criação, nós temos que nascer de novo. Esvaziar a fortaleza do ego. Todas as tradições mencionam isso.
Os toltecas falam disso o tempo todo de uma maneira até drástica. Como eles dividiam a nossa percepção de mundo em duas ilhas, o tonal (racional, controle) e o nagual (impensável, indescritível, sem nome), eles treinavam a limpeza total da ilha do tonal: apagar a história pessoal, desligar-se dos padrões da sociedade, família, amigos, passar para outros estados de atenção, outros mundos, eliminar nossos inventários de conceitos, recapitular e limpar as nossas experiências da vida...
O que é isso, senão “renascer da água”, do mundo físico, como propõe o Cristianismo esotérico, que fala em “renascer da Água e do Espírito para ver o Reino”? Ou “esvaziar a xícara” para receber o chá, o verdadeiro alimento, como na história do Budismo Zen?
Desde muito cedo sempre me soaram assombrosas duas coisas que os dogmáticos dos templos (para não dar nomes aos bois) falam: a primeira é  que a “salvação da alma” virá depois da morte física. A porta já é estreita e eles, falando isso, nem entram nem deixam os outros entrarem enquanto estão vivos. A outra é que haverá uma “segunda vinda” de alguém que vai chegar para nos salvar, ou a todos, ou alguns mais chegados, ou cada um interprete de acordo com a sua compreensão. Novamente fecham a porta. Não vai chegar ninguém de fora.
Os dogmáticos dos templos, ao contrário dos "místicos", nunca entenderam que a segunda vinda é um nascer de novo, de dentro para fora, uma transformação integral, interna do ser.  Lamentavelmente informamos em primeira mão (rsrs) os nossos queridos leitores que o único que pode nos salvar está dentro da nossa roupa. A “segunda vinda” não é um salvador anunciado vindo de fora, por mais que a idéia seja atraente. Nem está vinculada a um “pessoal autorizado” que vai decidir quem tem o bilhete de entrada. Ela vai se dar dentro de cada um que se esforçar, e em muitos caminhos e tradições. Por isso as escrituras não marcam data. Elas só dizem:”O espírito assopra onde quer. Você ouve a sua voz mas não sabe de onde ele vem nem para onde vai. Assim é todo aquele nascido do espírito”. O ser humano nunca saberá a hora em que vai ocorrerá o seu nascimento no mundo espiritual porque ele vai ocorrer em cada um na medida do seu esforço. Não tem carona nem caravana. Os guerreiros a duras penas vão conquistá-la. É verdade que há certos períodos da história da humanidade em que além do esforço imprescindível, "os céus se aproximam dos seres humanos" e o renascer é facilitado, mas essa é outra história, que fica para outra vez. Esse renascer sim marca o ponto alto da Criação. A segunda vinda interior, o renascer, é chamada nos textos antigos de Parousia. Alguns chamam Ressurreição. Vamos falar dela ainda.


2 comentários:

  1. Uuaau, foi ótimo ver de novo esse filme Encontros... O Universo traz pra cada um na hora certa.
    Ali diz que uma pessoa sozinha
    faz muito pouco por si.

    Mas o negócio é não parar,

    Brigada Preto
    Luara

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  2. Bom saber que você gostou. Você tem razão, o négócio é não parar.
    Abração

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