A vocação deste blog é ajudar os leitores, e o próprio autor, a preparar o terreno para o "estar presente", que acontece somente no momento fugidio do Agora - a porta estreita - de que as tradições falam. A diversidade de temas é proposital e tem dois objetivos: mostrar que não há só uma tradição exclusiva, e, se houver Intento, qualquer situação corriqueira da Vida é adequada para quem busca interiormente, até mesmo a de uma passista no desfile da escola de samba. - Arnaldo Preto
domingo, 3 de fevereiro de 2013
O Centro para Decisões - Visão Tolteca
O Livro Passes Mágicos, do xamanismo tolteca de Castaneda é uma compilação de práticas corporais para equilibrar as energias do praticante. Ele pressupõe a existências de seis principais, entre milhares de vórtices de energia no corpo, que podem ser manipulados e estimulados. Um deles é o centro para decisões.
"O tópico mais importante para os xamãs que viveram no México em tempos antigos e para todos os xamãs da linhagem de Dom Juan era o centro para decisões. Através dos resultados práticos dos seus esforços, os xamãs estão convencidos de que existe um ponto no corpo humano responsável pela tomada de decisão, o ponto V - a área na crista do esterno na base do pescoço onde as clavículas se encontram para formar a letra V. É um centro no qual a energia é refinada a ponto de ficar tremendamente sutil e que armazena um tipo específico de energia que os xamãs são incapazes de definir. Entretanto eles têm absoluta certeza de que podem sentir a presença dessa energia e os seus efeitos. Os xamãs acreditam que essa energia especial é sempre expulsa daquele centro bem no início da vida dos seres humanos e que ela nunca retorna para lá, privando os seres humanos de algo talvez mais importante do que toda a energia combinada dos outros centros: a capacidade de tomar decisões.
Em relação ao tema de tomar decisões, Dom Juan expressava a severa opinião dos feiticeiros da sua linhagem. Através dos séculos, suas observações os tinham levado a concluir que os seres humanos são incapazes de tomar decisões e que, por essa razão, criaram a ordem social: instituições gigantescas que assumem a responsabilidade pela tomada de decisões. Deixam essas instituições gigantescas decidirem por eles e simplesmente cumprem as decisões já tomadas em seu benefício.
Para os xamãs, o ponto V na base do pescoço era um local de tal importância que eles raramente o tocavam com as mãos. Se fosse tocado, o toque era ritualístico e sempre realizado por uma outra pessoa com a ajuda de um objeto. Eles usavam peças altamente polidas de madeira resistente ou ossos polidos de animais e utilizavam a parte arredondada do -osso para ter um objeto de contorno perfeito, do tamanho do ponto côncavo no pescoço. Pressionariam com aqueles ossos ou peças de madeira para criar pressão nas bordas daquele ponto côncavo. Embora raramente, esses objetos também eram usados para auto massagem ou para o que, nos dias de hoje, conhecemos como acupressura.
- Como eles vieram a descobrir que aquele ponto côncavo é o centro para decisões? - perguntei um dia a Dom Juan.
- Cada centro de energia no corpo - respondeu ele - mostra uma concentração de energia; uma espécie de vórtice de energia, como um funil, que, da perspectiva do vidente, parece realmente girar no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio. A força de um determinado centro depende do vigor do movimento. Se ele mal se move, o centro fica exaurido, esvaziado de energia.
"Quando os feiticeiros dos tempos antigos estavam examinando minuciosamente o corpo com os seus olhos de videntes, notaram a presença desses vórtices. Ficaram muito curiosos a esse respeito e fizeram um mapa deles.”
- Existem muitos de tais centros no corpo, Dom Juan? - perguntei.
- Existem centenas deles - respondeu ele - se não milhares! Pode-se dizer que um ser humano não é mais que um conglomerado de milhares de vórtices giratórios, alguns deles tão minúsculos que são, vamos dizer, como furinhos de alfinete, mas furinhos muito importantes. A maioria dos vórtices são vórtices de energia. A energia flui livremente através deles ou fica presa neles. No entanto existem seis tão enormes que merecem tratamento especial. São centros de vida e vitalidade. Neles a energia nunca fica presa, mas às vezes o suprimento de energia é tão escasso que o centro mal gira.
Dom Juan explicava que esses enormes centros de vitalidade estavam localizados em seis áreas do corpo. Ele os enumerava segundo a importância que os xamãs lhes concederam. O primeiro, na área do fígado e da vesícula biliar; o segundo, na área do pâncreas e do baço; o terceiro, na área dos rins e das glândulas supra-renais; e o quarto, no ponto côncavo na base do pescoço na parte frontal do corpo. O quinto, ao redor do útero, e o sexto, no topo da cabeça.
De acordo com o que Dom Juan dizia, o quinto centro, pertinente apenas às mulheres, tinha um tipo especial de energia que dava aos feiticeiros a impressão de liquidez. Era uma característica que somente algumas mulheres tinham. Parecia servir como um filtro natural que peneirava as influências supérfluas.
Dom Juan descrevia o sexto centro, localizado no topo da cabeça, como algo mais do que uma anormalidade e abstinha-se totalmente de ter alguma coisa a ver com isso. Retratava-o como possuindo não um vórtice circular de energia, como os outros, mas um movimento de um lado para o outro, como um pêndulo, que, de certo modo, lembra a pulsação de um coração.
- Por que a energia desse centro é tão diferente, Dom Juan? perguntei.
- Esse sexto centro de energia - disse ele - não pertence inteiramente ao homem. Entenda, nós seres humanos estamos, por assim dizer, sob estado de sítio. Esse centro foi assumido por um invasor, um predador invisível. E a única maneira de dominar esse predador é fortificando todos os outros centros.
- Não é um tanto paranóico achar que estamos sob estado de sítio, Dom Juan? - perguntei.
- Bem, talvez para você, mas certamente não para mim - respondeu ele. - Eu vejo a energia e vejo que a energia sobre o centro no topo da cabeça não flutua como a energia dos outros centros. Ela tem um movimento de um lado para o outro muito desagradável e muito estranho. Também vejo que, em um feiticeiro que foi capaz de dominar a mente, que os feiticeiros chamam de uma instalação alienígena, a flutuação desse centro torna-se exatamente como a flutuação de todos os outros.
Durante os anos do meu aprendizado Dom Juan recusou-se sistematicamente a conversar sobre o sexto centro. Na ocasião em que estava me falando sobre os centros de vitalidade, desprezou rudemente minhas frenéticas indagações e começou a falar sobre o quarto centro, o centro para decisões.
- O quarto centro - disse ele - tem um tipo especial de energia que aparece ao olho do vidente como possuindo uma extraordinária transparência, algo que poderia ser descrito como semelhante à água: energia tão fluida que parece líquida. A aparência líquida dessa energia especial é a marca de uma qualidade do próprio centro para decisões parecida com um filtro que peneira qualquer energia que chega até ele e extrai dela apenas o seu aspecto que é parecido com líquido. Essa qualidade de liquidez é uma característica uniforme e consistente desse centro. Os feiticeiros também o chamam de o centro aquoso.
A rotação da energia no centro para decisões é a mais fraca de todas elas. É por essa razão que o homem raramente decide alguma coisa. Os feiticeiros vêem que, após praticarem determinados passes mágicos, esse centro torna-se ativo e eles podem, com certeza, tomar decisões que satisfaçam os seus corações, enquanto que, antes, não conseguiam sequer dar um primeiro passo.
Dom Juan era bastante enfático sobre o fato de que os xamãs do antigo México tinham uma aversão, que beirava a fobia, com relação a tocarem em seus próprios pontos côncavos na base do pescoço. A única maneira pela qual eles aceitavam qualquer interferência que fosse naquele ponto era através do uso dos seus passes mágicos que reforçam aquele centro trazendo para ele a energia dispersa e, desse modo, impedindo, na tomada de decisão, qualquer hesitação nascida da dispersão natural de energia ocasionada pelo desgaste da vida cotidiana.
- Um ser humano - dizia Dom Juan -, percebido como um conglomerado de campos de energia, é uma unidade completa e lacrada na qual nenhuma energia pode ser injetada e da qual nenhuma energia pode escapar. A sensação de perder energia, que todos nós experimentamos de vez em quando, é o resultado da energia sendo afugentada, dispersada dos cinco enormes centros naturais de vida e vitalidade. Qualquer sensação de obtenção de energia é devida à redistribuição da energia previamente dispersada daqueles centros, isto é, a energia é recolocada naqueles cinco centros de vida e vitalidade."
Do livro Passes Mágicos - Carlos Castaneda
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