A maioria quase absoluta dos seres humanos sobre o planeta não se dá conta do Mistério. Diz o povo por aí que cada um de nós é uma ilha. Mas, então, o que é o mar que nos cerca, hein?
- É mistééério, o mundo que nos cerca é só mistééério.
Hoje pela manhã, no metrô cheio, eu discretamente olhava as pessoas enquanto fazia uma das práticas que O Invisível me ensinou, e de que aprendi a gostar. É da milenar tradição havaiana chamada Ho’ oponopono, que na língua havaiana significa consertar o que está torto. Discretamente eu tentava amar as pessoas... é isso mesmo que você ouviu: amar as pessoas. Pedreira pura. Principalmente as que me “travavam” interiormente, mesmo sem explicação aparente, a moça sisuda, o executivo de nariz empinado, o menino colocando um papelzinho no meu colo pedindo esmola... demora um bocado, mas é uma coisa indescritível. O poeta Rilke traduziu muito bem, “Só o que é difícil nos interessa..”.
Então baixou uma compreensão da armadilha, da pressão dos afazeres da vida, combinada com o ego automatizado controlador de tudo, que impede cada um, e portanto a humanidade toda, de ver e amar o outro, de trabalhar sobre si, evoluir. E eu, praticando, quase chegava no ponto crucial: o outro sou eu!
Eu via. As pessoas estavam sem exceção falando consigo mesmas, mesmo sem os head-phones no ouvido, reagindo mecanicamente e padronizadas a qualquer estímulo, desde um esbarrão ou um choro de criança. Não há possibilidade de um recuo interior, abrir um espaço que permita à vítima, que somos cada um de nós, uma perspectiva aberta e ampla de sentir, sentir qualquer coisa que passe pela tela dos sentidos do corpo. É assim, não há espaço para o mistério. Atenção na respiração? Nem pensar. Acalmar o mental? Vixe...
Se a gente não produzir um destacamento da realidade que nos cerca para poder contemplá-la, sem fugir dela, nem querer interpretá-la, não há escapatória para nós.
A saída real não é pensar sobre o assunto, é só contemplar no mesmo instante em que a gente sentiu o fato no agora. É fazer um gesto interior concreto e manso de amar o próximo, independente dele mesmo, como a gente ouviu dizer no primeiro mandamento. No início a gente não aceita nem a idéia, quanto mais iniciar a prática. Insista. O mistério aparece. Nem vou dizer qual é, não adianta.
Em algum lugar do mistério de Ser está plantada esta semente compassiva de amar o próximo. Temos de cavoucar isso dentro de nós e começar a usar, por mais bobo, carola e difícil que possa parecer à primeira vista. O metrô é um bom lugar para começar, a gente não conhece ninguém, mesmo...
Mas depois, aumentando o nível da dificuldade, a gente pode tentar no trabalho, com o colega, o concorrente, o chato, o chefe, o subordinado. Depois na família, com a sogra, cunhado, filhos adolescentes... mas na surdina. Eles não devem saber de nada, never.
Um amigo disse outro dia, desanimado com o desafio, “Amar o próximo? Eu não faço a menor idéia de o que é isso. Não sei amar nem a mim mesmo.”
Pois é... Boa hora para começar a aprender.