sexta-feira, 15 de outubro de 2010

O segredo da vida equilibrada

O grande mestre Yogananda, tem uma passagem deliciosamente tocante em sua juventude, quando era discípulo de Sri Yuktéswar, e entrou para meditar na sala de meditação. O mestre o chamou. Três vezes.
- Ele não deveria me perturbar quando sabe o motivo de minha vinda a esta sala. Pensou.
 - Senhor, estou meditando - gritou, em protesto.
- Sei como está meditando - disse o guru, em voz alta, - Com sua mente dispersa como folhas numa tempestade! Venha cá.
Contrariado e desmascarado, ele foi.
 O mestre tocou seu peito levemente, acima do coração e ele foi para uma outra dimensão.
Seu corpo tornou-se imóvel como se tivesse raízes; o alento saiu dos pulmões como se um imã enorme o extraísse. Instantaneamente o espírito e a mente romperam com sua escravidão ao físico e jorraram de cada um de seus poros como luz perfurante e fluida. A carne parecia morta e, contudo, em sua intensa lucidez, ele percebia que nunca antes estivera tão plenamente vivo. Seu senso de identidade já não se achava confinado à estreiteza de um corpo, mas abarcava os átomos circundantes. Pessoas em ruas distantes pareciam mover-se suavemente em sua periferia. Raízes de plantas e árvores eram percebidas através de uma tênue transparência do solo; e ele distinguia a interna circulação da seiva.
A vizinhança inteira surgia desnuda. A visão frontal comum havia se transformado em vasto olhar esférico, que percebia tudo simultaneamente. Através da nuca viu homens caminhando além da distante viela de Rai Ghat e também notou uma vaca branca aproximando-se preguiçosamente. Quando ela chegou à porta aberta do áshram, observou-a como se o fizesse com os dois olhos físicos. Depois que passou para trás do muro de tijolos do pátio, continuou a vê-la, claramente.
Todos os objetos dentro de seu olhar panorâmico tremiam e vibravam como rápidos filmes cinematográficos. Seu corpo, o corpo de seu Mestre, o pátio com suas colunas, a mobília, o assoalho, as árvores e a luz do sol, tornavam-se, de vez em quanto, violentamente agitados até que tudo se fundia num mar luminescente, assim como os cristais de açúcar, mergulhados num copo de água, diluem-se depois de serem sacudidos. A luz unificadora alternava-se com materializações de forma e as metamorfoses revelavam a lei de causa e efeito na criação.
Uma alegria oceânica rebentava nas praias serenamente intermináveis de sua alma. Atingiu a realização de que o Espírito de Deus é Beatitude inesgotável; Seu corpo compreende incontáveis tecidos de luz. Um sentimento de glória crescente dentro dele começou a envolver cidades, continentes, o planeta, os sistemas solares e as constelações, as tênues nebulosas e os universos flutuantes. O cosmo inteiro, suavemente luminoso, semelhante a uma cidade vista de alguma distância à noite, cintilava dentro da infinidade de seu ser, Para além de seus contornos definidos, a luz ofuscante empalidecia ligeiramente nos confins mais longínquos; ali ele via uma radiação branda, nunca diminuía. Era indescritivelmente sutil; as figuras dos planetas constituíam-se de uma luz mais densa.
Os raios luminosos dispersavam-se oriundos de uma Fonte Perpétua, resplandecendo em galáxias, transfiguradas com auras inefáveis, Viu, repetidas vezes, os fachos criadores condensarem-se em constelações e depois dissolverem-se em lençóis de transparente chama. Por reversão rítmica, sextilhões de mundos transformavam-se em brilho diáfano e, em seguida, o fogo se convertia em firmamento. Conheceu o centro do empíreo como um ponto de percepção intuitiva em seu coração. Esplendor irradiante partia de seu núcleo para cada parte da estrutura universal. O beatífico amrita, néctar da imortalidade, corria através dele, com fluidez de mercúrio. Ouviu ressoar a voz criadora de Deus, AUM (OM), a vibração do Motor Cósmico.
De súbito, a respiração voltou aos seus pulmões. Com desapontamento quase insuportável, constatou que havia perdido a infinita vastidão. Mais uma vez limitava-se à jaula humilhante do corpo, tão desconfortável para o Espírito. Como filho pródigo, fugira de seu lar macro-cósmico e se encarcerara em um estreito microcosmo.
O guru continuava de pé, imóvel diante dele; Yogananda inclinou-se, no intento de se prostrar a seus santos pés em gratidão por lhe haver concedido a experiência da Consciência Cósmica que tão apaixonadamente ele buscara. Mas ele o impediu e, retendo-o de pé, disse com tranqüilidade:
 - Você não deve se embriagar com o êxtase. Muito trabalho ainda resta para você fazer no mundo. Venha, vamos varrer o chão da sacada, e depois caminharemos ao longo do Ganges.
Ele foi buscar a vassoura; o Mestre, ele sabia, estava lhe ensinando o segredo da vida equilibrada: a alma deve alargar-se sobre os abismos cosmogônicos, enquanto o corpo executa seus deveres diários.

Extraído traduzido e adaptado de YOGANANDA, Autobiografia de um Yogui Contemporâneo

6 comentários:

  1. AAAAiiii que texto gracioso...
    Um frescor...
    Beijos
    Luara

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  2. Esse texto só foi adaptado por mim mas é quase o original. Me encantou porque foi feito para os espíritos, como eu, que não se conformam em estar encarnados e querem ir logo embora sem fazer a lição de casa. Contraditoriamente não querem largar o osso desta vida por puro apego... é mole?
    Beijão

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  3. Insegurança
    Quer ir porque tem medo de ficar aqui, mas não quer ir porque não sabe como é lá e já se acostumou com a miséria conhecida daqui.
    Malandro !... Se liga.
    Joaquim

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  4. Apesar de eu já ter explicado, você não resistiu em aplicar a sua "interpretose". Se você não fosse anônimo, eu dedicaria um tempo a explicar melhor. Já entendi: segurança é se sentir anônimo. Aliás vá se acostumando com a idèia de que não há anônimos neste blog. Este é o seu último comentário sob essa carapuça . (Hê ...Hê...Hê...)
    Abraço

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  5. Desculpe aí amigo.
    Esse Bolg só tem coisa boa.
    Não vou falar mais como anonimo.
    Boa sorte.
    Joaquim

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  6. Sem desculpas, companheiro. Ninguém é assim tão importante par merecer desculpas. O que eu afirmei sobre mim, serve também para a maioria das pessoas, mas elas não se dão conta...
    Bom que você gostou do blog. Só importa ele tocar o sentimento, como tocou você. O resto é conversa. Forte abraço.

    PS - para você não aparecer como Anônimo, assine na caixinha "Comentar como"

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