Quando postamos um vídeo da entrevista de Eckhart Tolle, há umas semanas atrás, falando em detalhes da sua experiência de Despertar, ficamos surpresos com o relato dos fatos: havia um tesouro na experiência, nos detalhes, nas verdades simples e mágicas de quem viveu isso. Nada de conversa de guru. Só a certeza tranqüila e lúcida do contato com a Verdade. Então resolvemos postar também a transcrição. Vamos lá:
Entrevistadora:
- Eckhart, agora com a Eckhart Tolle TV, você tem a chance de responder a centenas de diferentes questões dos membros da comunidade, e eu não tenho mais perguntas. Mas o que eu estou realmente curiosa hoje é para saber sobre você, sobre a sua experiência. Muitas das questões tem sido sobre os membros de nossa comunidade e seu processo de despertar . No seu caso o despertar não foi realmente um processo foi uma súbita completa ultrapassagem, uma religação, uma reestruturação do ser. Mas sendo esse um evento tão importante, na verdade um evento raro, na vida da humanidade, você escreveu sobre ele em apenas alguns poucos parágrafos no seu livro “O Poder do Agora”. Mas eu nunca ouvi você contar a história dos seu despertar. E, se você permitir, é por aí que eu gostaria de começar, com tantos detalhes quanto possível.
ET:
- Bem o fundamento para isso começa vários anos antes num crescente estado de ansiedade e depressão nos meus vinte anos e mesmo na universidade... Fui para a universidade tarde porque inicialmente eu não tinha qualquer qualificação. Eu deixei a escola cedo, aos quatorze anos. Mais tarde na Inglaterra obtive a qualificação para entrar na universidade. Estava no início dos meus vinte anos e tinha um emprego em tempo integral, ao mesmo tempo. E naquele tempo gradualmente a depressão e muitos episódios de grande ansiedade também começaram a ocorrer.
Eu me desempenhei muito bem na universidade. Eu trabalhei muito duro e não estava muito ciente disso naquela época, mas anos depois encontrei um colega contemporâneo da faculdade que me disse eu estava sempre trabalhando até meia noite na biblioteca e eu não podia acreditar mas ao ouvir isso percebi que tinha trabalhado muito duro. Mas a motivação era o medo e a ansiedade de não estar me desempenhando bem. Não era agradável. Eu era motivado pela ansiedade. E isso veio à tona ...
Depois que me formei, eu me desempenhei bem, fiquei feliz por duas ou três semanas e, aos poucos a ansiedade e a depressão voltaram ainda pior do que antes. Eu estava vivendo num pequeno quarto em Londres e tinha terminado a universidade e não sabia o que faria depois. Naquela noite, eu acordei de novo de noite com uma mente muito ativa. Mas naquele momento, sem dúvida, eu era a minha mente, eu não sabia que não havia uma “mente ativa” porque eu era o processo de pensamento que me mantinha acordado me dizendo das muitas razões que eu tinha para estar em estado de medo: incerteza com o futuro, aonde eu ia viver, o que ia fazer e assim por diante... Infelicidade com quem eu era como pessoa, inadequabilidade e assim por diante... Havia essa incessante atividade durante aquela noite novamente criando uma enorme ansiedade até o ponto de uma falta de ar. E me sentindo completamente destacado do mundo exterior isto é me sentindo estranho.
Lembro-me olhando os objetos no quarto que pareciam completamente estranhos para mim. Anos depois eu li uma novela, não lembro muito dela, mas havia um semelhante sentimento era descrito nela e eu o reconheci. Era uma novela de Jean Paul Sartre e se chamava “Náusea” – angústia existencial – e era o que eu havia experimentado. Intensa infelicidade e medo e um novo pensamento veio enquanto eu estava deitado na cama de que a carga de viver era demasiada. Eu não queria mais suportá-la e aí surgiu o pensamento: “eu não posso viver mais tempo comigo mesmo”. Este pensamento se repetiu algumas vezes e chegou um momento que me dei conta desse pensamento como um pensamento. “Eu não posso viver comigo mesmo ” O que isso significa? Deve haver dois de “mim” aqui! Porque se “eu não posso viver com ‘mim mesmo’”, então quem é o “eu” e quem é o “mim mesmo?”
E de repente eu estava olhando para aquela declaração que minha mente havia criado e vi a estranheza dela. Eu tinha me separado em dois e pensei: quem é “eu” e quem é o “mim”?
E essa questão foi o último pensamento, o último pensamento significativo antes da experiência do “Despertar”.
Esse último pensamento significativo colocou a questão, e a questão era: “quem é esse ‘eu’ e quem é esse ‘mim’ com quem eu não posso mais viver”? Há um ou dois aqui? Eu sou um ou dois? Esse foi o último pensamento. E a resposta a essa questão não chegou como um pensamento, a resposta a essa questão - e eu não o sabia naquela época, mas isso foi o que aconteceu, eu posso explicá-lo agora e não o podia explicar então - A resposta a essa questão não chegou como um pensamento, mas como uma colocação interior por traz do pensamento. Uma desidentificação interior com o pensamento. Então eu subitamente percebi - mas não através do pensamento analítico - que aquele “mim” [self] com o qual eu não poderia viver não tinha uma realidade concreta, ele era um “mim” [self] infeliz. Então sua natureza ilusória foi reconhecida mas não mediante o pensamento, não pensando: “esse ‘mim’ é realmente ilusório” - não. Mas essa natureza ilusória foi um “reconhecimento direto “- além do pensamento. Eu pude ver que ele não era nada, mas sem dizer isso mentalmente.
Eu sou um ou dois? Essa última questão conduziu a uma desidentificação com o “mim” infeliz e com todo o senso de “self” que estava carregado de infelicidade, medo, ansiedade, inadequabilidade e assim por diante. Então esse “self” como que se dissolveu, porque eu devo ter removido completamente toda a minha identificação. Saí para fora do “self” criado pela mente e o que restou foi eu mesmo como consciência, mas não como o “mim” infeliz. Então o “mim” infeliz começou a sacudir e algo aconteceu com ele e no estágio final eu me senti quase desaparecendo em algum buraco negro. Porque foi um tipo de experiência de morte. Foi a morte do “mim” infeliz.
A percepção disso não era tanto visual mas mais como um sentimento, como se eu estivesse desaparecendo em algum buraco. E havia ainda algum medo deixado lá, ansiedade sobre o que o que estava acontecendo comigo. Então eu ouvi uma voz – não uma voz audível mas era mais uma percepção: “não resista ou resista nada”. Então eu simplesmente deixei ir, e então uma espécie de vácuo se abriu, mas não um vácuo visual. E eu não lembro mais. Devo ter caído no sono logo após isso.
Então[recapitulando] houve: Sou eu um ou dois? - foi a questão que surgiu. Eu não posso viver com “mim mesmo”. Essa questão trouxe uma separação interior entre o “mim”, criado pela mente, e a consciência que tinha se identificado com ele numa percepção ilusória. Então a consciência que criou essa figura onírica se afastou dela. Então eu percebi que sim eu era dois: o “self” e o “eu”, mas somente um era real. Então a consciência que eu era, era real e a outra parte, a “não real”, não mais podia ser sustentada pela minha identificação com ela.
Eu estou explicando agora, mas eu não podia explicá-lo então. Simplesmente aconteceu! Levou alguns anos, eu nem sei quantos... talvez pelo menos sete ou oito anos, antes que eu pudesse explicá-lo do modo que o estou explicando agora. E na manhã seguinte eu acordei. No princípio eu não me lembrei do que tinha ocorrido à noite. Então meus olhos se abriram e a primeira impressão foi a que tudo era fresco e novo a minha volta nesse velho quarto familiar. Tudo parecia vivo, tudo era maravilhoso e mesmo os mais simples objetos cuja simples presença era adorável de olhar.
A vida partindo das cortinas que eu sabia estarem vivas e, o mais importante de tudo, uma profunda impressão de paz interior. Então eu estava olhando tudo através da paz. E então eu disse: Uau, maravilha! Eu pequei algo e me senti como se tivesse nascido nesse mundo naquele momento. E sem dúvida eu posso dar uma explicação adicional agora mas eu não podia dá-la então. Eu estava trazendo o passado para a minha percepção sensorial, era tão somente a percepção sensorial sem uma rotulação dessa percepção sensorial. Era somente um pacífico fundo para ela. E eu não estava nomeando nada. Não eram os velhos objetos familiares no quarto, porque o velho “self” familiar não estava mais lá.
Havia consciência lá. Uma sensação de consciência. E naquele dia eu pequei um ônibus para o centro de Londres e continuava a mesma coisa. No meio do tráfego, observando as pessoas saindo do ônibus, andando pela cidade... Aquela incrível sensação de paz! E eu pensei: “Bem, é incrível toda essa sensação de paz. E no dia seguinte a mesma sensação de paz. Então eu pequei um caderno de notas e escrevi: “algo importante aconteceu comigo mas eu não sei o que é, mas eu vou escrever sobre essas coisas porque eu posso perde-las outra vez e esquecer o que aconteceu”. A propósito eu não mais olhei para esse caderno por muito, muito tempo, então eu não sei exatamente o que escrevi lá. Eu gostaria de vê-lo. Deve ser curioso. Sim, vou olhá-lo um dia desses.
- Você estava deitado durante toda essa experiência de separação?
- Sim, na cama e estava escuro, sim.
- Algumas vezes as pessoas dizem que você não pode descrever o despertar como uma “experiência”. E mesmo em seus encontros há alguns aspectos que você tenta achar as palavras porque não há um processo para essa difícil visão.
- Sim. Não é propriamente uma experiência. Sobre o que aconteceu lá você não pode propriamente dar uma visão para isso, não pode propriamente dizer que é isso ou aquilo. Pode-se dizer que não é uma experiência como tal, porque uma experiência é algo que se acrescenta a você; quando você experimenta algo novo que é acrescentado à sua vida. É o que chamamos de “experiência de vida”. Isso não é definitivamente uma “experiência de vida”. É o oposto de algo sendo acrescentado a você. Nesse sentido é o oposto de uma experiência. Porque ao invés de algo que está sendo acrescentado a você, algo está sendo removido de você. Então, algo que antes era denso e parecia substancial... Algo foi dissolvido ao invés de algo ser acrescentado.
Ele deixa por trás algo que não é inteiramente novo mas tinha sido bastante obscuro antes. Então não é um acréscimo por sobre. Então, talvez, para os buscadores espirituais há uma coisa importante a considerar nisso. Porque muitas pessoas estão procurando alguma experiência espiritual como se fosse algo que lhes pudesse ser acrescentado, e não é assim.
Digamos que é uma experiência de subtração. Tudo que se pode dizer é que é uma perda ao invés de um ganho. Mas é uma perda muito bonita. Mas no momento de transição essa perda pode ser dolorosa porque é um tipo de morte. Então você perde algo mas o que você ganha não é algo que lhe vem de fora, mas é algo que emerge. Sempre esteve lá. É a realidade essencial. Mas não é acrescentando. Podemos tão somente ponderar sobre isso.
Então o importante é não procurar por uma experiência de acréscimo porque tudo mais é desse modo: queremos ter mais, ter mais experiências. Vamos buscar pela grande “menos” experiência (-) e não pela “mais” experiência (+).
- Você colocou que a experiência de despertar se faz mediante a integração do processo físico com esse vasto, infinito estado de ser, criando certas interessantes experiências, desafios, algumas vezes as pessoas alcançam grandes estados de abertura onde podem ver o seu corpo tremer sentido grande energia. Então essa forma física se enche de energia. Sua experiência é uma (-)experiência. Então, uma completa gigantesca reestruturação. Como foi isso para você fisicamente?
- Eu não me lembro de nenhum tipo de experiência física dolorosa acompanhando isso. Parte do senso de paz vinha de um mais escondido senso de vida do campo de energia interior do corpo. Então meu inteiro ser se sentia mais vivo. Eu dificilmente sabia disso, pois isso era parte da experiência total posterior; não uma experiência, porque era duradouro. Esse vibrante e vívido senso de paz interior que estava lá todo o tempo e parte disso era a vida que eu podia sentir a partir de todo o corpo. Mas isso era muito prazeroso, não era uma coisa desagradável.
- Então, porque algumas pessoas parecem experimentar esse incremento de energia como algo até mesmo doloroso?
- Pode ser que a dor ou a pressão seja sentida quando ainda há bloqueios no corpo. Pode ser que o que me rodeava aquela noite pode ter também dissolvido, aqueles bloqueios que ainda estavam lá. Mas eu estou supondo, eu não sei a resposta definitiva do porque eu não o experimentei.
-Você alguma vez esteve consciente do corpo interior “antes”.
-Não. Eu estava completamente “na cabeça”. Eu não me sentia vivo exceto quando a cabeça se sentia um pouco viva, mas não era uma presença viva.
- Pode me descrever em maior detalhe como é esse sentimento dentro do corpo?
- Bem como você sabe muitos anos depois isso se tornou parte do ensinamento em que eu mostrei às pessoas que um aspecto do que me aconteceu acidentalmente eles podem realmente conscientemente dirigir sua atenção para fora do que normalmente habita no movimento do pensamento e dirigir a atenção... Quando me perguntam com que se parece, minha resposta é orientar você ou quem esteja ouvindo isso... E você realmente pode ir lá agora, dentro de você mesmo, e reviver o que aconteceu lá comigo acidentalmente, mediante escolher dirigir a atenção, conscientemente, para o campo interior de energia do corpo. Usualmente eu peço as pessoas para começar com uma parte do corpo. Colocar a atenção nas suas mãos por exemplo.
-Pode descrever o que se sente?
- Um zumbido pode ocorrer, algumas pessoas o descrevem como um zumbido interior. Um Zuu... Se eu pudesse fazer um som, não há um som, mas se houvesse um som seria: Zuu....
Parece como uma vibração mas não é bem uma vibração. É muito difícil colocar em palavras porque a linguagem é desenhada para refletir objetos, sejam objetos físicos ou mentais. Mas a linguagem não pode realmente achar palavras adequadas para falar sobre isso porque não há objetos nele.
Aproximadamente o que pode ser dito é que é um tanto parecido com um zumbido ou um tanto parecido com uma vibração e pode mesmo ser como um calor. Algumas vezes a temperatura do corpo aumenta quando eles se tornam mais atentos para o que estamos chamando agora de corpo interior. E uma vez que você sinta essa energia dentro de suas mãos como um zumbido vibrando a sua vitalidade, muito sutil mas que sempre está bem.
Então você pode estar atento também a outras partes do seu corpo. E é um modo prazeroso de se tornar enraizado mais profundamente no SER que você é. E também é um modo bem efetivo de se tornar ancorado ao momento presente. A mente sem descanso nunca está realmente no momento presente está sempre em outro lugar. Então você põe sua atenção fora do pensamento, para dentro disso, e então você repousa nisso. E você ainda pode falar, ouvir e mesmo pensar. Mas você não terá mais pensamentos do que realmente sejam necessários para aquele momento. E pode ser que você não necessite ter nenhum pensamento para o que você precisa fazer naquele momento.
O corpo interior é parte do que eu chamo agora de PRESENÇA, “estado de presença”: Você é presença com todo o seu corpo.
Isso aconteceu comigo acidentalmente e eu posso dizer que quando eu comecei a entender, depois de anos, o que aconteceu comigo acidentalmente e quando eu comecei a trabalhar com pessoas que chegavam a mim com perguntas, então comecei a falar com elas e as respostas vinham e aquilo que aconteceu comigo acidentalmente tornou-se parte do ensinamento, e eu percebi que isso é não algo que você tenha que esperar que aconteça com você acidentalmente nem o despertar do corpo interior nem o contexto envolvente, o que quer ele seja, essa des-identificação com o pensamento. Todas essas coisas você pode realmente fazer. Eu estou mostrando às pessoas um modo de ir em frente.
Muito do ensinamento sai dessa ocorrência espontânea que aconteceu comigo, por assim dizer, e o que aconteceu aquela noite eu gradualmente, na medida em que comecei a entende-lo, ajudando as pessoas com seus problemas, isso gradualmente no decorrer dos anos tornou-se mais diferenciado e tornou-se um ensinamento espiritual. Levou anos e anos e tornou-se um processo orgânico. Os fundamentos não mudaram.
- Você diz que no estado de presença o corpo interior estará sempre lá num estado de pleno despertar...
- A vida está lá. A presença é um inteiro estado do corpo. Parece também que na Presença as coisas ao seu redor estão mais presentes. Ela realmente afeta tudo. Seu corpo, e no momento que, em estado de presença, você olha as coisas você percebe que elas são Um com você, você se torna mais vivo e parece que o mundo a sua volta se torna mais vivo. Ou talvez não é que esteja mais vivo, mas é que você reconhece pela primeira vez sua vitalidade. E você compartilha. Você compartilha essa vitalidade com a flor. Vitalidade é uma palavra que eu uso; eu poderia usar outras palavras.
- Quando você começou a verificar o sentido e a estrutura de sua experiência alguma vez se perguntou: “Porque eu?”. Esse súbito despertar que ocorre tão raramente em uma geração você se perguntou: “Porque aconteceu comigo?”
- Não. Eu nunca tive esse pensamento, e eu a acho que a razão é porque eu nunca percebi isso como algo que realmente tenha acontecido comigo. Quando eu falo sobre isso, por usar a linguagem, se parece como que tenha sido algo que aconteceu comigo. Mas a linguagem não é como isso. Eu não sou capaz de usar a linguagem de modo algum. Mas mais profundamente eu nunca tive um sentimento que isso foi algo que aconteceu comigo. Isso porque a essência disso é o desaparecimento do “mim”. O senso de uma identidade pessoal separada: “mim”; “mim”... Nesse sentido da formação dessa identidade, “mim” se torna tão fraca nisso, que algo está brilhando através de onde o “mim” estava e havia tão somente uma transparência; havia ainda, em alguma extensão, a forma, naturalmente, mas nenhuma identificação nela, e sem identificação a forma se torna semi-transparente e a coisa inteira que acontece é que o “mim” se torna transparente e a consciência surge muito forte. Portanto não é o “mim” mas a consciência e isso nada tem a ver com a pessoa. Então isso acontece porque o “mim” quase desaparece e essa é a razão pela qual não me ocorreu perguntar porque isso aconteceu comigo.
- Faz sentido, mas há uma questão que ainda permanece para mim. Esse corpo, a mente, a forma foi de alguma maneira selecionado pelo cosmos para passar por essa experiência para benefício de outras pessoas. Ocorreu que esse particular corpo-mente foi escolhido e porque foi assim?
- Eu não sei se ele foi escolhido. Isso poderia sem dúvida ter ocorrido com qualquer “mim” em qualquer parte do mundo que reconhece que essencialmente seu senso de identidade fosse, em grande extensão, ilusório e então a realização está lá. Por que a realização ocorreu a essa ilusória identidade em particular, eu não sei. Eu realmente nunca me fiz essa pergunta. É um mistério...
-Você nunca se fez essa questão no passado mas nesse momento, quando você dá uma olhada nela, você tem alguma idéia de porque há muitas pessoas que entendem o que você disse sobre seus pânicos, ansiedades, e que tem o senso do pequeno “mim”, mas embora rezem para ter a mesma experiência que você teve, ao passarem por isso nada lhes acontece e acordam na manhã seguinte da mesma forma que estavam e talvez se tornem membros da Eckhart Tolle TV. Vêem o que lhe aconteceu como algo único. Para você é isso tão somente um mistério?
- Sim. Talvez a forma estava pronta mediante vidas passadas de um modo ou de outro. Eu nunca investiguei sobre vidas passadas porque eu perdi o interesse no passado. Bem pode ser que a forma tenha sido preparada para isso e essa seja a razão de porque isso aconteceu. Eu seria relutante em dizer que esse foi realmente o caso porque isso significaria que o único modo em que você poderia realmente despertar seria se você tivesse suficientes encarnações. O Ensinamento está realmente realçando que virtualmente qualquer um pode despertar , não tão drasticamente quanto aconteceu aqui, mas que quase todos podem, pelo menos, entrar no processo de Despertar sem ser uma entrada extrema. Sim, algum grau de prontidão é requerido. Mas qualquer um que leia um livro como “O Poder do Agora” ou qualquer outro livro espiritual que tenha sido escrito a partir de um profundo lugar de realização; em qualquer um que leia isso, que esteja aberto e reconheça a verdade essencial nisso, em qualquer um dirigido ao ensinamento espiritual, há uma abertura ali. Mas há ainda milhões de pessoas que ainda nem tocaram em livros espirituais e mesmo se o abrissem lhes seriam totalmente sem sentido, então eu não estou falando dessas pessoas, pois sem dúvida elas terão que esperar mais um tempo. Mas em outros em quem há uma abertura, o processo de despertar pode começar, eles podem entrar no processo de abertura e isso é tudo que é necessário. Eu não posso me ver como “o escolhido”, há algo dentro de mim que diz não a isso. Mas eu posso estar errado.
- Eu tive a oportunidade de te entrevistar cerca de dez anos atrás e uma das coisas que você colocou então foi que depois deste despertar você experimentou uma redução de cerca de oitenta por cento de sua atividade mental. Eu estou curiosa a respeito de como é a vida para você em termos de seu relacionamento com os pensamentos. Literalmente não há nenhum pensamento ou os pensamentos passam e nenhuma atenção lhes é dada. Qual a diferença de por exemplo você estar num aeroporto ou relaxando em casa....
-Sim, sim. Bem, há longos períodos sem pensamentos e eu posso funcionar nesses estados. Por exemplo você falou no aeroporto eu posso perfeitamente fazer meu “check-in”, ir para a revista da segurança e ir para aonde for sem nenhum pensamento. Isso não é incomum. Eu vou fazer algo ou entro no carro e dirijo para uma loja para comprar algo e virtualmente sem pensamentos. Isso não é incomum. Ocasionalmente pequenos fragmentos podem surgir como pequenos estalidos de nuvens e então eles vão. Pode ser, por exemplo, eu estar sentado em casa sem fazer nada e ocasionalmente os pensamentos podem fluir para dentro e para fora do estado da atenção como pequenas lufadas de nuvens surgindo de tempos em tempos no céu azul e então se vão... Eu não sigo os pensamentos e eles nem mesmo tentam mais prender minha atenção, como é o caso das pessoas que estão ainda fortemente identificadas com os pensamentos. Cada pensamento te puxa aonde você vá. Os pensamentos já não tem muito mais a capacidade de puxar. Quando eles aparecem há um céu azul e as nuvens aparecem e desaparecem... Eu posso mesmo ter ocasiões de uma cadeia de pensamentos, em certas situações ou nem mesmo conectadas com que aconteça fora de mim. Pode haver ocasiões onde há certas sequências de pensamento... Mas, de novo, são inofensivos. Não são pensamentos que tem esse empuxo gravitacional que você tem que segui-los com sua inteira atenção. Sim, de tempos em tempos podem mesmo haver nuvens no céu azul mas essas nuvens não são mais nuvens de um tempo pesado que eu tive no meu passado e que outras pessoas podem reconhecer em toda a sua vida. Elas são mais como inocentes pequenas nuvens pulsantes mas nenhum pensamento importa muito. E então eles desaparecem. Não são amplificados por serem empurrados para cima e identificar-se com eles, nem então se tornam pesados e o tomam em possessão. Então eu nunca sinto que qualquer pensamento está me tomando em possessão.
Então, para sumarizar: penso que qualquer um que entrasse no meu estado interior ficaria surpreso quão pouco pensamento realmente há, comparado com o que ainda há nas maiorias das pessoas “normais” em um “quase contínuo”. Sim há alguns pensamentos, mas quando há não há mais um peso que há quando você se identifica com os pensamentos, e há um empuxo gravitacional e se desenvolvem em fluxos e você se perde completamente neles. Isso não acontece. Então o “não pensar” é o predominante a não ser que haja algo específico para se pensar. Ocasionalmente, sim, as nuvens vem e vão mas há sempre o estado de atenção do céu. Eu posso estar andando na floresta em contato com a natureza: olhando ao redor... andando... olhando... um cachorro... Nenhum pensamento... as árvores, as flores, há vida nelas... vendo o seu campo de energia... E então um pensamento pode vir: Oh! quando eu for para casa eu preciso fazer isso... Eu preciso comprar algumas bananas mais tarde... Ok, então ele se vai... Hum... Então algum outro pensamento vem ... Pode ser qualquer coisa, um caminhante que eu tentei contatar um outro dia ... Então ele se vai de novo... Então vem e vai. Predominantemente há o estado de atenção que é muito melhor que o pensar.
- Nunca lhe aconteceu que um pensamento tivesse um “anzol” que lhe puxasse pela garganta do tipo: eu esqueci de fazer tal coisa e então...?
- Boa pergunta. Eu tive experiências no passado em que ocasionalmente algum pensamento fisgasse - o que é uma boa analogia - querendo mais de mim do que tão somente aparecer e desaparecer. É como algo assim... ele puxa e deixa. Usualmente eu o noto e há uma intensificação da presença, nesse momento há uma escolha da consciência em estar mais intensamente presente. O mesmo acontece quando no dia a dia um desafio aparece, algo dá errado e o desafio vem; o que de outro modo poderia se desenvolver num pequeno drama. Usualmente isso nem é mesmo uma escolha da consciência, isso acontece naturalmente e imediatamente há uma intensificação da presença. Isso é algo que eu não tinha mencionado antes: Isto é a tomada do nível normal de presença que é quando o desafio surge, o que eu chamo algumas vezes de “chave reguladora” é aumentada e há uma mais intensa presença quando o desafio chega. Porque somente a intensa presença pode dar conta do pensamento que assim surge. Não há como descrever como é um aumento de presença mas eu posso representá-lo. A presença normal é assim...(ET encena com os olhos), uma presença mais intensa é ...(ET encena observando mais atento), e de volta ao normal...e mais intensa... A presença mais intensa se torna uma espada afiada que é rodeada pelo pandemônio (rsrs). Isso é requerido se há um puxão muito forte do pensamento dizendo: “venha cá, eu vou te conduzir a um lugar maravilhoso chamado drama e infelicidade, siga-me. Você vai adorar”. Você não pode brigar com isso: “Não! Vá embora!”. Assim lhe dá mais poder. Você tão somente... Você tem que ter essa coisa feroz. A presença se torna uma presença feroz. Como era antes, a presença era meiga. Uma presença meiga.
-Você notou que tipos de pensamento aconteceram em sua vida que requereram esse aumento de intensidade da presença? Eu não estou sendo pessoal aqui...
- Bem...o incompreensível mundo pessoal das finanças; ter que ver minhas contas amanhã por exemplo, e não compreendendo toda aquela papelada e assim por diante... E a atenção da mente para tudo isso. E então eu percebi que tinha que voltar para a presença. Isso pode ser um exemplo.
- E sem dúvida você ensina algumas abordagens para se obter essa presença... O que você faz para ampliar a presença, você tem uma abordagem padrão para intensificá-la?
- Eu posso dizer que às vezes eu faço e às vezes simplesmente acontece. Mas eu não posso dizer o como disso porque não há um “como”. Se você não faz isso eu posso recomendar para alguém estar mais intensamente presente no seu corpo interior, mas no meu caso eu não fico dizendo: “ok eu preciso ter uma presença mais intensa no meu corpo”. Simplesmente acontece sem nenhuma etapa intermediária. Eu posso mesmo fazê-lo aqui. Eu posso estar com uma presença meiga normal e eu posso demonstrar uma presença mais intensa que é a “navalha afiada”. Não requer nenhuma etapa. Acontece imediatamente. São ambas as presenças muito prazerosas. E você pode ter... vamos dizer... Eu estou participando numa conversação e então a presença está no fundo. Então eu posso estar falando ou contribuindo para a conversa e a presença está lá como um senso de vitalidade o que eu muitas vezes chamo de “sentir o espaço interior”. Isso é vital porque caso contrário a mente toma conta. Afortunadamente isso não acontece mais.
- Uma das coisas que eu descobri sobre você nesse meu trabalho aqui na Eckhart Tolle TV, e passei a te conhecer melhor nos últimos anos, é o quão afinada e precisa é a sua mente. No princípio eu não notei isso e penso ser porque seu ensinamento é sobre explorar o espaço entre os pensamentos. Por exemplo quando você conta uma história ou quando você ensina num livro, você é muito exato. Você acha que há uma relação entre o espaço de sua mente e a exatidão e a precisão de sua mente e qual pode ser a causa dessa relação?
- Quando há o senso de espaço você pode atuar melhor: mais precisa, mais simples e mais vigorosamente do que... vamos comparar por exemplo com um motor de um carro em que o dono senta no carro e a maioria do tempo fica em ponto morto e põe o pé no acelerador só para ouvir o barulho do motor e fica assim por horas: Vurrr... Vurrr... Vurrr... não indo pra lugar nenhum. E quando ele tem uma necessidade de ir para algum lugar o motor não está mais eficiente porque esquentou demais. O mesmo se aplica à mente. Esse contínuo mau uso da mente. Você nem mesmo pode chamar de uso porque a mente foi assumida. E a cada hora do dia há o contínuo fluxo de um montão de pensamentos inúteis, repetitivos e mesmo negativos. E quando essa pessoa que está perdida nessa inútil, densa e repetitiva corrente de “barulho mental” tem que realmente aplicar sua mente, para analisar algo, relacionar algo ou achar a solução para um problema - pois certas situações requerem pensamento - e aí ele não está mais eficiente porque a máquina de pensar foi mal usada e perdeu sua precisão e sua potência. Então eu estou usando uma melhor analogia e acredite-me isso é verdadeiro. minha mente se sai melhor agora do que quando eu estava na universidade. As pessoas dizem: bem, você perde seu poder mental quando vai envelhecendo. Eu não acho isso. Meu poder mental aos meus vinte anos era menor do que é agora e eu posso ser mais criativo agora do que podia ser então.
- Ok, Eckhart. Acho que tivemos uma boa noção de sua mente e agora eu gostaria de falar sobre as emoções. Alguns professores que enfatizam a des-identificação ainda valorizam uma total gama de experiências com emoções. A abordagem tântrica: induzir a raiva, induzir o desejo, induzir a tristeza trazem diferentes nuvens desses sentimentos, mas com você não é assim em termos da gama e da profundidade da experiência com emoções. Não é desse modo! Eu já senti.
- É relativamente pouco e quando acontece é muito breve. Ela pode vir, digamos, ira em algumas raras ocasiões, como um flash que atravessa e passa. O pensamento não a segura e começa a amplificá-la e prolongá-la. Alguma emoção que surge, tristeza talvez quando vejo uma mulher sofrendo, a tristeza surge, eu posso chorar - ocasionalmente eu choro quando estou vendo um filme. Então a emoção está lá, surge e passa; dura um minuto, dois minutos ou menos. E isso é raro realmente e não acontece frequentemente nenhuma forma de emoção. Isso não significa que eu estou morto por dentro. Se não houvesse a Presença e também não houvesse emoções eu estaria morto por dentro. Então, se você não tem nenhuma presença nem nenhuma emoção isso significa que não está verdadeiramente vivo por dentro. Mas se há Presença e Conhecimento em você, essa é a fonte primordial da Vida. E comparado a isso a emoção é tão somente uma turbulência dentro dessa Vida primordial. Se você não tem acesso à fonte primordial da Vida então você precisa da turbulência para lhe dar algum sentido de vida. E isso é o porque muitas pessoas precisam desse drama diário ou desse drama semanal ou drama nos relacionamentos, para se sentirem ainda vivas. Sem o drama tudo parece morrer. Então as pessoas amam esse drama. Elas o criam inconscientemente na sua vida diária porque pelo menos isso lhes da algum sentido de vida. “Eu fico excitado com os meus problemas e falo sobre eles, pelo menos assim eu sei que estou vivo. Eu não tenho isso. Você realmente não precisa dessas coisas tendo essa Presença. Então, dentro do campo da Presença ocasionalmente um pouco de turbulência acontece, mas é raro e é assim que eu experimento isso. Eu não quero pronunciar um julgamento sobre as pessoas que dizem que estão na Presença mas são indulgentes com todos os tipos de emoções. Eu não estou dentro deles então eu não posso realmente dizer o que eles querem dizer com isso: É só uma justificação para a perda de estado de consciência ou é tão somente pelo fato que eles amam se entregar às emoções apesar do fato de estarem em estado de consciência. Eu teria que entrar nessas pessoas para saber como elas experimentam isso e assim não quero pronunciar um julgamento sobre isso. Muitos dias passam sem que eu tenha uma emoção em particular. É muito mais comum eu não ter nenhuma emoção. A propósito, sentir empatia com outro ser humano, sentir amor ou uma gentileza amorosa com outro ser humano eu não vejo como uma emoção. Emoção é a necessidade de uma ligação com outro ser humano. Mas o fluir de gentileza amorosa ou amor endereçado a outro ser humano não é uma turbulência, é algo profundo que emerge do reconhecimento que a Consciência que eu sou é a essência do que também você é. Quando eu estou amando é a consciência amando a si mesma. O que eu amo no meu cachorro... quando eu olho pro meu cachorro além da sua agradável e macia pelagem, o que faz adorável tocá-lo, mas quando eu olho nos olhos do cachorro, há algo que eu amo no cachorro que é mais que seu pelo ou seus tecidos ou seu sangue e ossos que estão lá. O que está sob aquela pelagem é tão somente uma bagagem de órgãos e ossos, tecidos, sangue que não são os mesmos do ser humano e que não é o que você ama, mas o que você ama no cachorro é a consciência do cachorro que eu posso ver lá. Dentro das limitações da forma do cachorro há uma consciência emergindo e eu posso ver a mim mesmo dentro dessa diferente forma. E é o mesmo quando você olha outro ser humano. Há uma conexão interior. Para mim não é de modo algum uma emoção que não é tão profunda quanto isso. Eu amo tantas coisas que não estão conectadas com os humanos. Eu não tinha falado sobre isso ainda porque isso chega a mim e é tão natural que eu não penso sobre isso. Eu amo objetos inanimados. Muitas vezes eu pego alguma coisa e o seguro por alguns segundos porque amo a sua presença. Uma pasta de dente, pode ser um livro, não pelo que está escrito nele mas pela sua simples presença física. Pode ser qualquer coisa: a mesa, ... Então o mundo é... Há um aspecto que eu diria que é o senso de vida no mundo que você habita. E não estou reduzindo tudo a sua volta para uma finalidade “isto é”: eu estou usando isso ou aquilo para esse propósito, para me levar lá... mas é apreciar as coisas pelo que elas são e não pelo que elas podem fazer para você. Então isso faz você amoroso para as coisas. A apreciação das coisas. Mas tudo isso não é emocional. Não há emoção aí. A emoção pode ser parte, mas o mais profundo fundamento para a conexão entre seres humanos é a Atenção, a Presença, a Consciência que os conecta. Em acréscimo a esse fundamento pode haver emoções flutuando na superfície, mas elas não são o ponto focal, elas não são a coisa principal que os conecta. Eu não quero criar a impressão para ninguém que ele deve livrar-se de suas emoções. Não é assim que funciona. Algumas pessoas melancólicas podem pensar que algo como a tristeza pode ser bonito e interessante e que vale a pena passar algum tempo com isso. Mas para você é como uma formação de nuvem que passa. Sim, sim. Eu não sinto que ser atraído pela música seja emocional. Então eu não tenho medo das emoções. Mas há um lugar que é mais profundo que qualquer emoção e permanentemente cheio de vida e não algo temporariamente alto e temporariamente baixo como são as emoções.
- O que você parece dizer, sem um específico julgamento, é que as pessoas que se satisfazem em “levar suas emoções para um passeio” é porque representam com isso um substituto para o Despertar e para a Vitalidade.
- Sim, e tanto quanto lhes diz respeito elas estão certas porque estão conectadas com esse senso substituto de vitalidade e pelos menos há alguma vitalidade nelas. Assim ao invés de estarem “mortas” há algum drama nelas.
- Eu tenho agora uma questão diferente. Algumas pessoas que experimentaram algum grau de despertar parecem ainda manifestar tempos difíceis em algumas áreas de suas vidas: pode ser nos seus negócios ou nos seus relacionamentos ou pode ser na saúde física e a abertura espiritual que elas tocaram parecem não ter penetrado nesses outros aspectos de suas vidas. Você pensa que o toque espiritual na pessoa resolve os outros problemas ou ao mesmo tempo é importante para as pessoas trabalharem o seu aspecto psicológico, sua saúde física, preocuparem-se com a nutrição... Isso acontece naturalmente?
- O despertar espiritual não resolve imediatamente todos os problemas e também não significa que a sua vida dai em diante será livre de desafios. Então os desafios continuam. Não é também que você se verá em contínuas situações de disfunção, o que é pouco provável quando você está desperto espiritualmente. Mesmo se você está relativamente consciente e não totalmente desperto é pouco provável que você se veja em longos períodos de tempo ou a maioria do tempo em estado disfuncional ou em situações desagradáveis de drama e assim por diante. No entanto os desafios continuarão. A vida continuará a lhe dar desafios o que é parte de “se estar aqui como forma física”. Então não haverá nenhum fim para qualquer desafio de qualquer tipo. Eles virão de tempos em tempos. Não é que o despertar espiritual remova todos esses desafios, ele realmente incrementa a sua vida imensuravelmente mesmo em um nível mais externo em grande extensão mas os desafios ainda aparecem. E em qualquer nova situação que você vá haverá alguns novos desafios que surgem aí. O despertar espiritual não significa que isso não acontecerá. O que acontece com o despertar espiritual é que mesmo que você seja confrontado com o desafio, o desafio é visto dentro do contexto da mais profunda dimensão interna transcendente. Há um espaço no qual o desafio não é visto como uma coisa gigantesca que ocupa completamente a sua atenção. Está aqui como desafio mas dentro do espaço da Presença. Você primeiramente habita na Presença, você não habita no problema. Isso é porque o desafio não se torna um problema. Ele permanece um desafio. Então você permanece enraizado na dimensão transcendente e de lá você faz o que pode, se é que haja algo a fazer, para lidar com o desafio. Também você nunca encontra situações na vida que são totalmente satisfatórias. Você nunca encontrará uma localização física que seja totalmente satisfatória; você nunca encontrará uma situação de vida que seja totalmente satisfatória;mesmo relações que sejam totalmente satisfatórias; ou uma atividade que seja totalmente satisfatória, você não poderá nunca encontrar isso. Não importa onde você vá ou o que você faça sempre encontrará elementos de insatisfação. Isso é parte da “vida na forma”, na qual cada forma é limitada. Não é o caso de acreditar que quando da realização espiritual o elemento de insatisfação irá desaparecer de sua vida exterior. Não, ele permanece. Mas isso não é mais um problema pois é tudo visto num contexto mais amplo no que eu algumas vezes chamo de dimensão transcendente. Em outras palavras: sua felicidade ou seu senso de satisfação nunca derivará das condições de sua vida. Mas é ai, nas condições da vida, que as pessoas, antes de despertarem, buscam por satisfação. Quando não estão despertas elas buscam por satisfação nas condições de suas vidas. Por um instante elas a acham aqui, por outro instante as acham ali, mas as condições de vida, em última instância, sempre proverão mais insatisfação. E é um fato que por fim tal produzirá mais e mais sofrimento e o sofrimento por fim produzirá o despertar. Portanto fica tudo certo. Mas o fato é que as condições não podem lhe dar felicidade e satisfação porque haverá sempre algo que falta. A diferença entre estar ou não desperto ou entre um ser humano inconsciente e um que já é de algum modo um ser humano mais consciente é que o inconsciente continua a procurar as condições adequadas como um pré-requisito para a felicidade. Um ser humano desperto já não mais busca pelas perfeitas condições em sua vida porque a sua felicidade, satisfação, alegria, vitalidade ou paz ou como você queira chamar ele não mais necessita derivá-las das condições de sua vida, mas elas vem da consciência incondicionada e da presença vivente que você experimente, que você é: a consciência em si mesma. Essa é a definitiva satisfação e essa é a dimensão transcendente da vida – sem forma. Não tem nada a ver com as condições de sua vida. E então você passa a ter um espaço de relacionamento com as condições de sua vida, sem estar agarrado às condições ou sem se tornar repelido pelas condições. Você pode ter um espaço de relacionamento com as condições, permitindo-as serem o que são nesse momento, por um instante, em toda a sua amorosidade ou em todos os seus defeitos: algumas vezes algo está faltando ou algo está errado nelas. E a vida se torna pela primeira vez satisfatória porque você não está mais dependendo das condições de sua vida para sua satisfação ou felicidade. E isso é uma grande liberação. Então há um erro de percepção nas pessoas que pensam que quando despertarem espiritualmente tudo em volta será absolutamente excelente. Não. Não é da natureza do mundo das formas ser desse modo. É uma contínua flexão. É uma contínua mudança. Nada permanece. O que é absolutamente excelente hoje não o será amanhã ou no próximo ano. E você não precisa disso. O que você precisa é estar em contato com aquilo que transcende todas as condições. E isso Buda também coloca muito claramente nos seus ensinamentos.
- Depois do seu despertar você não precisou de ver um terapeuta para um problema psicológico ou ver um instrutor físico para isso ou aquilo, para trabalhar algo que restava ainda problemático?
- Não. Nunca me ocorreu que eu precisava buscar ajuda para algo a nível psicológico. Eu poderia buscar ajuda para o meu corpo pois ele não é absolutamente um corpo perfeito. É um pouco torcido aqui ou ali... Mas eu estou bem assim. Não me causa absolutamente muitos problemas. Pode ser que poderá acabar causando algum problema... Alguns amigos me dizem que eu deveria ver um fisioterapeuta. Poderia ajudar, mas de algum modo eu não gosto que meu campo de energia seja invadido por alguém não importando quão consciente o fisioterapeuta possa ser ou quão excelente seja seu trabalho. Eu tenho uma relutância em ter meu campo de energia invadido por isso. Eu não estou dizendo que haja necessariamente grande sabedoria nisso mas é tão somente uma característica minha.
- Bem vamos à pergunta final. Em se falando da sua (-)experiência pode ser que haja um intervalo entre as muitas pessoas no processo de despertar e a dramática experiência de Eckhart Tolle. Eu quero ter uma possível visão ampla sobre isso. Então quão individual você acha que o despertar pode ser?
- Parece que pode ser muito diferente em relação a cultura e ao lugar onde ocorre... provavelmente o que acontece no Despertar deve ser o mesmo em qualquer ser humano, mas o modo pelo qual esse ser humano então interpreta o que acontece ou o modo em que fala sobre ele pode ser bem diferenciado, Vai depender do contexto cultural ou particular forma de espiritualidade dessa pessoa. Por exemplo se o despertar acontece a alguém num “ashram” na Índia pode ser interpretado bem diferentemente. Ou alguém que é cristão poderá falar do “nascimento de Cristo em mim”, pode dizer: “eu subitamente tive essa incrível sensação de Cristo entrando em mim”. Esse poderia ser um modo de interpretação do processo de despertar. O que não seria inteiramente errado porque se Cristo significa o homem transcendente - Jesus se tornou O Cristo – o Cristo não se refere ao passado mas sim à realidade transcendente. E mesmo Paulo disse no Novo Testamento algo como: “ Eu devo diminuir e Cristo em mim deve crescer”. Eu falo sobre isso e outro que fala sobre isso e pode parecer como se fosse totalmente diferente, mas fundamentalmente não é. É somente quando aquilo que aconteceu na “não forma” chega a dimensão da forma é que pode parecer diferente de pessoa a pessoa. Mas a des-identificação fundamental com as formas mentais pode ser a mesma. Porque é somente então que a Consciência Crística ou a Natureza Búdica, ou como quer que você a chame, então subitamente nasceu em você. Não importa o modo que você a chame e isso é belo. Então essa é uma parte da resposta. A segunda parte é o que essa pessoa faz com esse estado de despertar, como esse estado de despertar funciona naquele particular ser humano, quando esse ser humano interage no mundo com outros em situações que também variam muito. Então nem todos que despertam escrevem um livro ou se tornam um instrutor espiritual formal. Pode ser bem diferente. Pode ser que alguma criatividade emerja em você e você trabalhe com um grupo de pessoas. Pode haver inúmeras possibilidades que variam de pessoa a pessoa. Pode ser também que algumas poucas características pessoais perdurem. Você não tem mais o ego então não está identificado com elas, mas certos negócios que você tinha antes podem perdurar depois do despertar. Isso aconteceu mesmo na Índia com um famoso instrutor espiritual. Ele queria deixar de fumar antes de despertar e queria deixar de fumar depois de seu despertar. Ele morreu sem dúvida porque fumava muito. Então há variações na superfície mas o núcleo é o mesmo, eu estou certo disso, o que acontece profundamente em você é o mesmo com todos no processo de despertar.
- O que você pode dizer para as pessoas que estão almejando por um mais profundo processo de despertar?
- Bem o almejar pelo despertar já é parte do despertar. Então se você está almejando pelo despertar a porta já está lá um pouco aberta. Porque de outra forma você pertence a esses milhões que não somente não tem nenhum desejo de mudança como mesmo decisivamente não gostam de nenhum conceito de despertar ou nunca ouviram sobre isso e nem mesmo entrou em sua consciência. Então se há um desejo de despertar você já o está tocando e ele já está começando a acontecer porque o desejar está lá, porque você já está reconhecendo que algo que nós estamos dizendo aqui é verdade e você imediatamente diz: Sim... Em algum nível você pode sentir que há uma verdade aqui sobre a condição humana e sobre você. E isso em você, que já pode sentir isso, é aquela parte que já está desperta. E isso precisa crescer em você, mas não acredite no que sua mente pode estar lhe dizendo que você não está lá ainda de modo algum. Sim, você está ouvindo isso e diz: Sim! Isso significa que parte de você já está despertando. Então não acredite em sua mente, porque a mente não sabe disso, pois a mente pensante não pode reconhecer o despertar, e diz: “Eu preciso despertar”... Já está acontecendo!! Então reconhecer isso será de grande ajuda.
- Obrigado Eckhart por essa entrevista.
- Obrigado!
Transcrição de Paulo Azambuja, editor do segmento do vídeo original e tradução, gentilmente cedidos. http://pauloaza.blogspot.com
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