Yogananda |
Nas primeiras publicações deste blog, apresentamos o texto O Segredo da Vida Equilibrada, uma das melhores coisas que já foram escritas por um mestre. O texto é de Yogananda no seu livro Autobiografia de um Yogui Contemporâneo. Uma pérola.
Nesta passagem abaixo, no mesmo livro, Yogananda conta como Srí Yuktéswar, seu mestre, o surpreendia com sua mestria mansa e bem humorada, e com seus poderes aparentemente incríveis, que vinham de uma mente poderosamente assentada no Silêncio que tudo percebe. Hoje chamamos isso de poderes, mas são, inversamente, o resultado despretensioso de um fluir solto da mente do mestre, que por isso acessava de forma simples, paragens akáshicas impensáveis do espectro possível ao humano. O que chamamos ingenuamente de poder vinha, contraditoriamente, do Silêncio, Presença, Desapego e abandono do ego. Curiosamente o trabalho interior nos ensina que devemos estar presentes e atentos ao Si Mesmo, e desapegados de Si Mesmo. Ao mesmo tempo, moçada. Ao mesmo tempo. Aí está o nó, e a chave do mistério...ficar nessa corda bamba, no fio da navalha.
O Invisível se apresenta no Silêncio, na simplicidade e no Desapego Atento. Vamos lá:
“-Mestre, um presente para o senhor! Estas seis enormes couves-flores foram plantadas por minhas mãos; cuidei de seu crescimento com ternura de mãe que aleita e cria seu filho. - Apresentei a cesta de vegetais com um gesto floreado e cerimonioso.
- Obrigado! - O sorriso de Srí Yuktéswar era de calorosa apreciação. - Por favor, guarde-as em seu quarto; precisarei delas amanhã para um jantar especial.
-Eu acabava de chegar a Puri para gozar minhas férias de verão em companhia de meu guru, em seu eremitério à beira-mar. Construído pelo Mestre e seus discípulos, o alegre e pequenino retiro, com um andar superior, dá frente para a baía de Bengala. (Puri, cerca de quinhentos quilômetros ao sul de Calcutá, é uma famosa cidade de peregrinação para os devotos de Krishna; seu culto celebra-se ali, todos os anos, com dois enormes festivais, Snanavátra e Rathayátra.)
Acordei cedo na manhã seguinte, reanimado pela salgada brisa marinha e o encanto quieto do áshram. A voz melodiosa de meu guru estava chamando; dei uma vista de olhos às minhas estimadas couves-flores e acondicionei-as com esmero sob meu leito.
- Venham, vamos à praia. - O Mestre seguia em frente, mostrando o caminho; diversos discípulos jovens e eu o seguíamos, em grupo esparso. Nosso guru nos examinava com brando espírito crítico.
- Quando nossos irmãos ocidentais caminham, timbram comumente em “acertar o passo”. Agora, por favor, marchem em duas fileiras; conservem todos o mesmo passo, ritmicamente. - Srí Yuktéswar observava se obedecíamos; começou a cantar: “Meninos marcham, ida e volta, em garbosa fileira”. Era-me impossível não admirar a facilidade com que o Mestre acompanhava o passo rápido de seus jovens estudantes.
- Alto! - Os olhos de meu guru procuravam os meus. - Você se lembrou de fechar a porta traseira do eremitério? - Penso que sim, senhor.
Sri Yuktéswar permaneceu silencioso durante alguns minutos, com um sorriso meio reprimido em seus lábios. - Não, você se esqueceu - disse ele, afinal. - A contemplação divina não se deve tornar uma desculpa para o descuido material. Você descurou seu dever de salvaguardar o áshram; deve ser punido.
Julguei que ele estivesse obscuramente gracejando quando acrescentou: - Suas seis couves-flores, em breve, serão apenas cinco.
Demos meia volta, obedientes às ordens do Mestre, e nos apressamos até as proximidades do eremitério. - Descansem um pouco, todos. Mukunda, olhe à esquerda, por entre o casario; observe a estrada além. Ali, certo homem aparecerá logo, e será o instrumento de seu castigo.
Escondi meu vexame ao receber estas indicações incompreensíveis. Um camponês logo apareceu na estrada; dançava grotescamente e movia os braços em torno, gesticulando sem sentido. Quase paralisado de curiosidade, não despreguei os olhos do hilariante espetáculo. Quando o homem atingiu um ponto da estrada, de onde desaparecia de nossa vista, Sri Yuktéswar disse: - Agora, ele dará mais volta.
O camponês imediatamente mudou de direção e dirigiu-se para o lado traseiro do eremitério. Atravessando um trecho arenoso, penetrou na moradia pela porta dos fundos. Eu não a fechara à chave, conforme dissera meu guru. O homem saiu pouco depois, segurando uma das minhas preciosas couves-flores. Agora ele caminhava em atitude respeitosa, investido da dignidade de possuir.
A farsa que se desenvolvia, na qual meu papel parecia ser o de vítima assombrada, não era desconcertante a ponto de me impedir a perseguição indignada ao ladrão. Eu tinha corrido metade do caminho quando meu Mestre me chamou de volta; sacudia-se de riso, da cabeça aos pés.
- Aquele pobre louco ansiava por uma couve-flor - explicou-me entre acessos de hilariedade. - julguei que seria boa idéia se ele obtivesse uma das suas, tão mal guardadas!
Corri para meu quarto onde descobri que o ladrão, evidentemente padecendo de uma fixação em vegetais, deixara intocados meus anéis de ouro, o relógio e o dinheiro, tudo exposto sobre o cobertor. Ele preferira engatinhar sob a cama, onde o cesto de couves-flores, completamente oculto ao olhar casual, fora o alvo dócil de seu sincero apetite.
Pedi a Sri Yuktéswar, naquela noite, que me explicasse o incidente (por apresentar, a meu ver, certos aspectos perturbadores).
Meu guru assentiu com a cabeça, lentamente. - Você compreenderá, algum dia. A ciência em breve descobrirá algumas destas leis ocultas.
Quando, alguns anos mais tarde, noticiou-se a maravilhosa descoberta do rádio ao mundo atônito, recordei-me da predição do Mestre. Antiquíssimos conceitos de espaço e tempo foram aniquilados; nenhuma casa era tão humilde e estreita que Londres ou Calcutá, nela, não pudessem entrar! A mais obtusa inteligência se ampliava ante a prova indiscutível de um aspecto da onipresença do homem.
O “enredo” da comédia da couve-flor pode ser entendido melhor por analogia com o rádio. Meu guru era um perfeito rádio humano.
Os pensamentos nada mais são que vibrações sutilíssimas movendo-se no éter. Exatamente como um rádio sintonizado capta o número musical que se deseja, em meio a milhares de outros programas, irradiados em todas as direções, Sri Yuktéswar fora um receptor sensível a determinado pensamento (o daquele homem simplório, ansiando ardentemente por uma couve-flor), em meio aos inúmeros pensamentos das mentes humanas emissoras em todo o mundo. Durante a marcha rumo à praia, tão logo captou o singelo ensejo do camponês, o Mestre desejou satisfazê-lo. O olho divino de Sri Yuktérwar descobrira o homem, dançando ao longo da estrada, antes de tornar-se visível aos discípulos. Meu esquecimento de trancar a porta do áshram dera ao Mestre uma desculpa conveniente para me privar de um de meus valiosos legumes. Depois de assim funcionar como instrumento receptor, Sri Yuktéswar então operou, através de sua poderosa mente, como estação emissora ou radiodifusora. Neste desempenho, ele pudera dirigir com êxito a inversão de rumo do camponês e seu encaminhamento para meu quarto, até uma única das couve-flores comestíveis.
A intuição, que é o guia da alma, surge com naturalidade no homem, nos instantes em que a mente se acha calma. Quase todos já tiveram a experiência de um pressentimento inexplicavelmente correto, ou transferiram seus pensamentos com exatidão a outra pessoa.
A mente humana, quando liberta das perturbações ou da “estática” da inquietude, tem o poder de realizar todas as funções dos complicados aparelhos de rádio - enviando e recebendo pensamentos ou deixando de sintonizar os indesejáveis. Assim como a potência de uma estação radiodifusora é regulada pela quantidade de energia elétrica que pode utilizar, a eficiência de um rádio humano depende do grau de força de vontade de cada pessoa.
Todos os pensamentos vibram eternamente no cosmos. Por meio da concentração profunda, um mestre pode descobrir os pensamentos de qualquer pessoa, viva ou morta. Os pensamentos têm raízes de universalidade e não de individualidade; uma verdade não pode ser criada, mas apenas percebida. Todo pensamento errôneo de um homem resulta de uma imperfeição, pequena ou grande, em seu discernimento. O objetivo da ciência da ioga é acalmar a mente, de modo que, sem distorções, esta possa ouvir o conselho infalível da Voz Interior.
Um rádio-microscópio, inventado em 1929, revelou um novo mundo de raios até então desconhecidos. “O próprio homem e todas as espécies de matéria supostamente inerte, emitem sem cessar os raios que este instrumento “vê” - informou a Associated Press. - “Aqueles que acreditam em telepatia e clarividência encontram nesta notícia a primeira prova científica da existência de raios invisíveis que realmente viajam de uma pessoa para outra. Este rádio-invento é, na realidade, um espectroscópio de rádio-freqüência. Sua função relativa à matéria fria e opaca é a mesma do espectroscópio, ao revelar as espécies de átomos que compõem as estrelas ... A existência de tais raios provindos do homem e de todas as coisas vivas havia sido suspeitada pelos cientistas há muitos anos. Hoje temos a primeira prova experimental de sua existência. Tal descoberta mostra que todo átomo e toda molécula na natureza é uma contínua estação rádioemissora... Assim, até mesmo após a morte, a substância que constitui um homem prossegue emitindo esses raios delicados. O comprimento de onda destes raios varia, desde o de ondas mais curtas do que as já usadas pelo rádio, até as mais longas. O exame destas ondas é quase inconcebível. Existem milhões delas. Uma só molécula grande pode emitir um milhão de diferentes comprimentos de onda ao mesmo tempo. As ondas mais longas desta espécie viajam com a facilidade e a rapidez das ondas de rádio. Existe uma assombrosa diferença entre estes novos raios de rádio e os raios familiares como os da luz: é o tempo prolongado, ascendendo a milhares de anos, em que estas ondas de rádio continuarão sendo emitidas da matéria imperturbada.”
O rádio e a televisão trouxeram a voz e a visão instantâneas de pessoas remotas, ao convívio de milhares de ouvintes e de espectadores: as primeiras débeis insinuações científicas de que o homem é espírito omni-penetrante. Embora o ego, nas mais bárbaras formas, conspire para escravizá-lo, o homem não é um corpo confinado a um ponto no espaço, mas é, em essência, alma onipresente.
“Fenômenos muito estranhos, prodigiosos e aparentemente improváveis, ainda poderão ocorrer, e uma vez constatados, não nos surpreenderão mais do que nos surpreende hoje tudo o que a ciência nos ensinou no último século - declarou Charles Robert Richet, Prêmio Nobel de fisiologia. Supõe-se que fenômenos, agora aceitos por nós sem surpresa, não provocam nosso espanto porque são compreendidos. Mas a verdade é outra. Se eles deixaram de nos surpreender, não é porque sejam compreendidos, mas porque nos são familiares; pois se aquilo que não compreendemos devesse nos surpreender, então deveríamos nos surpreender com tudo: - a queda de uma pedra arrojada ao ar, a semente que se converte em carvalho, o mercúrio que se dilata ao ser aquecido, o ferro atraído pelo ímã.
“A ciência de hoje é conhecimento insignificante... As verdades assombrosas que serão descobertas por nossos descendentes encontram-se agora mesmo a nosso redor, de olhos arregalados postos em nós, digamos assim; e apesar disso, nós não as vemos, Mas não basta dizer que não as vemos; nós não as queremos ver - pois logo que se apresenta um fato imprevisto, com o qual não estamos familiarizados, tratamos de situá-lo no esquema de lugares-comuns...”
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