domingo, 4 de novembro de 2012

Os ciganos, Tarot, Quiromancia, Mistério

Índia - O Berço Cigano
 Já que este blog tem uma afinidade natural com o Mistério, não poderia deixar de falar do povo cigano, envolto desde a aurora dos tempos numa aura de enigmas, segredo e magia . Dizem que foram os responsáveis pela difusão do tarot no mundo inteiro. Dizem. Se for verdade, é um bom cartão de visita.
Cigano quer dizer "intocável". Vem do grego athinganoi, que se transformou em atsigan e tsigane. E reflete a relativa  incomunicabilidade que existiu entre esse povo e os demais. Na Espanha, seu nome é gitano, resquício da crença em sua origem egípcia (gitano vem de egiptano), o que também acontece com a denominação húngara de Faraonemtség, que quer dizer “raça do faraó”. A crença foi disseminada pelos próprios ciganos, que, ao chegarem à Europa, se apresentavam como nobres egípcios. Mas, na verdade, os ciganos têm ascendência hindu.

Semelhanças indicam a origem
Ruppa, em prakiti (dialeto hindu da casta Domba), significa prata. Rup, em romani (língua cigana), quer dizer a mesma coisa.  A coincidência ocorre entre muitas outras palavras das linguas prakiti e romani. Inclusive Roma, que os ciganos usam para nomear-se, é muito parecido com Domba, nome da casta hindu.
Não haveria parentesco entre os dois povos?  O costume das danças e do canto, a estatura média, a cor morena, os cabelos e olhos negros são comuns aos dois povos. Todos esses indícios respondem de modo afirmativo à interrogação.

Migração
O ramo Domba (que se transformaria nos ciganos) deslocou-se do centro da Índia para o noroeste, no séc. I a.C. Quatro séculos depois, migrava 
O Caminho Cigano no Mundo
novamente, dessa vez para o oeste em direção a Pérsia. Lá permaneceu até a invasão mongol, verificada no século XIII. Então, dividiu-se em dois grupos, dos quais um rumou para a Grécia, através da Armênia, e o outro para a Síria, a Palestina e o Egito. Os primeiros acabaram por atravessar o Danúbio, quando os turcos invadiram a Europa Oriental (século XIV). A partir de então, até por volta de 1460, difundiram-se pela Hungria, Áustria, Boêmia (parte da atual Checoslováquia), Hamburgo (atual Alemanha), França e Suíça.
 Apesar de se declararem nobres, eram escravizados logo que chegavam a esses países. Só a partir de 1496 puderam usufruir de alguma liberdade. O primeiro a favorecê-los foi Vladislau II, rei da Hungria, que lhes concedeu livre trânsito em território húngaro. 

Reações e perseguições
Da segunda metade do século XVI em diante, as coisas ficaram piores: começou a perseguição aos ciganos, primeiro movida pelos camponeses, depois pelos prefeitos das cidades e até pelos reis. No Ducado de Milão, em 1663, foi publicado um édito que proibia a entrada dos ciganos nos domínios milaneses, sob pena de sete anos de cárcere para os homens e de uma orelha cortada para as mulheres. Maria Teresa, da Áustria, em 1768 tornou ilegal a permanência de ciganos em seu país a menos que eles morassem em casas, trajassem à maneira dos camponeses e trabalhassem em ofícios definidos. Mas nem em Milão, nem na Áustria, nem no resto da Europa eles mudaram seu modo de vida. A América e a Austrália só os receberam na segunda metade do século XX.

Usos e costumes
Tradicionalmente, os ciganos levam vida nômade, deslocando-se em grupos de tamanhos diversos, compostos por um conjunto de núcleos familiares mais ou menos extensos, sob a liderança de um chefe vitalício escolhido. A maioria dos ciganos, até poucas décadas atrás, ainda formavam caravanas puxadas por cavalos; abrigavam-se em tendas, pedreiras e minas. Em fogueira, ao ar livre, cozinhavam seus frangos, ovos e vegetais. Seus alimentos, afirmam os comentaristas mais críticos, eram "quase sempre roubados, já que eles não plantam, nem criam animais para o abate". "Sua profissão é a mentira", diz preconceituosamente Cervantes. "Mas há uma lei cigana que proíbe roubar... alguém mais pobre." 
Viviam principalmente da criação e comércio de cavalos, do artesanato em metal, vime e madeira, e das artes divinatórias, como cartomancia e quiromancia. A música dos ciganos, executada em público apenas pelos homens, permanece muito popular e é uma atividade rendosa na Europa Central. Não abandonam a quiromancia, embora professem a religião dominante no país em que se instalam.
As adivinhações têm terminologia própria e algumas vezes utilizam as cartas como acessório. Através dos ciganos, o baralho (tarot) foi difundido pela Europa. Assimilam facilmente as artes do lugar onde habitam, em especial a música e as danças folclóricas. Interpretam-nas com um estilo próprio, que inclui o uso do violino, seu instrumento por excelência. Cada grupo tem um chefe natural, escolhido, não hereditário.
Na família, o membro central é a mãe, que exerce autoridade sobre os filhos e é dona do patrimônio. O mesmo sistema se aplica à tribo, que tem uma mãe tribal, a puri dai,  guardiã do código moral.  Os infratores são julgados por um júri de "condes". E, nos casos mais graves, a pena é o banimento da tribo. Alguns estudos dão nuances diferentes da organização social dos ciganos, possivelmente em razão da diversidade dos grupos estudados. Quanto à posição das mulheres dizem que "segundo os costumes ciganos, as mulheres devem subserviência aos homens, e as mulheres casadas sempre usam um lenço para cobrir a cabeça". 

A questão política
Várias foram as tentativas de agrupar os ciganos sob o poder de um só governante. Uma delas foi o aparecimento da dinastia Kwick, inaugurada por Gregory Kwick, cigano polonês que, por volta de 1883, se declarou "rei dos ciganos". Durante seu reinado, realizou-se, em 1909, o único recenseamento cigano de que se tem notícia; o censo informou que havia então na Europa 600 mil ciganos. Gregory abdicou em 1930 em favor de seu filho Michael II, que, após sete anos de governo, foi sucedido por Janusz I. Este proclamou-se administrador dos ciganos da Hungria, Espanha, Alemanha, Bulgária, Iugoslávia e Polônia. Planejou ir a Genebra reivindicar um país para seu povo, mas o projeto foi vetado por uma assembléia cigana. Seu "reinado" durou apenas um ano. Sucedeu-o Mathew Kwick, do qual não se tem maiores 
Em 1933, foi cogitada, sem êxito, a possibilidade de agrupar todos os ciganos do mundo (aproximadamente 2 milhões) nas ilhas da Polinésia, com subvenção da Liga das Nações. A idéia não se concretizou. Pouco depois, eclodiu a II Guerra Mundial (1939) e cerca de 20 mil ciganos foram exterminados nos campos de concentração. 
Os regimes comunistas da Europa Oriental do pós-guerra forçaram os ciganos a se fixarem em cidades industriais e residirem em grandes edifícios de apartamentos, desmembrando os grupos familiares extensos e obrigando-os a trabalhar em fábricas, fazendo-os abandonar o modo de vida tradicional.
A tendência dos governos pós-comunistas mais recentes foi permitir aos ciganos que se organizassem politicamente para encontrar os meios de reivindicar seus direitos como minoria étnica. 
Formaram-se associações e grupos de pressão, como é o caso dos phralip (em romani, "irmandade") da Hungria, para lutar por escolas especiais e adoção de livros pedagógicos na língua romani. A grande maioria do povo cigano, ainda enfrenta discriminação social, está sujeita a más condições habitacionais, desemprego e expectativa de vida mais baixa que a de seus compatriotas.
Hoje, eles estão espalhados em quase todo o mundo. E alguns relatos dão conta da inevitável mudança de costumes. "Cigano dos Estados Unidos não viaja mais de carroça: usa trailer motorizado; nem prepara mais sua refeição: come enlatados." 
Na União Soviética e na Iugoslávia, são publicados jornais em língua cigana. A Sociedade Cigana Lore, na Inglaterra, preocupa-se em recolher todas as informações possíveis sobre esse povo. A biblioteca da Universidade de Liverpool, também na Inglaterra, tem em seu acervo um conjunto de livros sobre os ciganos. Assim, esse povo se torna cada vez menos estranho aos demais.

Relato de Sarani Barrios: os ciganos Dohm 
O relato de Sarani Barrios sobre a cultura cigana do grupo Dohm foi compilado por Bete Torii a partir de entrevista realizada no segundo semestre de 2008, acrescida de referências feitas por Sarani no correr dos cursos que, no mesmo período, desenvolveu com o Clube do Tarô. Conhecer um pouco essa base cultural ajuda a compreender a atitude e o modo como os ciganos Dohm praticam as mancias.
Foi encantador entrever a força comunitária dos bandos, o processo orgânico e direto de transmissão do conhecimento tradicional, acompanhado do bom humor espontâneo que se fazia nos grupos ao tratar de certas particularidades da cultura Dohm, como foi o caso, por exemplo, da autoridade matriarcal, da magia, da sedução.
É muito confortador reconhecer a existência discreta mas muito viva, neste mundo e neste Brasil, de núcleos guiados pela solidariedade e pela sabedoria tradicional. Que suas boas vibrações alcancem a todos nós. (C.K.R.)

Apresentação
"Sou cigana  dohm, de pai e mãe ciganos. Meu nome de nascimento é Sarani Barrios, mas uso um nome brasileiro na minha vida profissional porque, assim como árabes ou outros povos que de alguma forma sofrem algum tipo de preconceito, recebemos um nome gaidji (não cigano) para não sermos pré-julgados na vida masbarra (fora do grupo). Já vivi em acampamentos, em vários países, e agora vivo em um apartamento. Mas continuo tendo estreito contato com o acampamento dohm mais próximo de São Paulo, que fica em Jundiaí, em uma propriedade particular. Levo uma vida normal, trabalhando e interagindo com gaidjis, mas mantenho hábitos que são exclusivos da minha cultura, como me basear pela Lua e louvá-la, prestar atenção aos sinais da Natureza e às estações do ano etc.

Povo cigano
Somos um povo muito antigo, e nos dividimos há pouco mais de 5.200 anos em dois grandes grupos: dohm e rohm. No Brasil, há uma concentração muito maior de rohm. Somos muito diferentes,  inclusive fisicamente. O dohm tem pele muito clara, cabelos escuros, olhos escuros, nariz sempre reto. O rohm tem cabelos e olhos claros, pele morena, nariz pequeno. Outra diferença é que, enquanto os rohm vivem em acampamentos pequenos, que migram juntos (o grupo todo) e acampam em áreas públicas ou livres, os dohm têm acampamentos fixos em áreas compradas e muradas, com infraestrutura construída para durar – e quem migra são as pessoas individualmente, conforme seu projeto de vida.
 Nosso ano novo é no dia 21 de maio. Nossa língua é o romani, que lembra o húngaro; não a ensinamos a nenhum gaidji. Como nossa tradição é oral, para pertencer ao povo cigano é necessário nascer e ser educado na nossa cultura. Ciganos nascem de ciganas; não há tradição passada apenas por pai cigano. Há aprendizados que não são transmitidos e outros podem ser levados adiante.  Aprendemos a leitura do tarot e a quiromancia desde a infância. Aprendemos a cultivar a beleza em nós mesmos e em tudo que nos rodeia. Essa é nossa tônica.

A posição da mulher e alguns costumes
Mulher Cigana - Espanha
Na vida daimarra (dentro do grupo) as mulheres são soberanas. Nossa sociedade é matriarcal e a mulher é o elemento mais importante, pois detém o poder de gerar homens e por isso desenvolve os elos de conexão com a natureza e os elementos fundamentais da vida. A essa força, chamamos dahom, a intuição. Toda mulher é vista dentro do acampamento como um ser superior. Tanto por uma questão fisiológica, como de delicadeza, de vivência, de sabedoria. 
Nós somos consideradas mais sábias e os homens aceitam isso com reverência, não existe uma resistência a nos aceitar. Tanto que no casamento cigano a mulher pode devolver o marido, se ela não gostar. O ideal para o casamento é juntar potenciais, então o marido tem que corresponder, se não correspondeu, a mulher devolve. 
A questão do dote da cigana no casamento é uma lenda; o “dote” dela é o que ela tem para oferecer por suas qualidades e sua educação. O nosso legado é justamente contra o apego material, que para nós não faz sentido. Nós achamos que alguém que precisa de jóias ou de uma bolsa de cinco mil reais tem um grande problema. Para nós o adorno é apreciado no sentido de criar beleza ao redor, mas não pelo valor da jóia em si. 
A história da virgindade das ciganas também é um mito. Nos acampamentos existe namoro, e a moça é estimulada a viver a primeira relação sexual com o homem de quem gosta, justamente para ter a vivência: como é que você vai casar com alguém se não sabe se combina com ele?  A sexualidade é vista sem tabu e também sem supervalorização. Por exemplo, quando eu tinha quatro anos minha avó já me ensinava como tocar um homem. Ela ensinava a delicadeza do toque feminino, dizendo: “um homem tem que ser tocado como se toca a superfície de um lago, sem formar ondas” – e isso era feito de uma maneira boa, sem erotismo gratuito. Quando aprendemos a dançar, aprendemos danças que são feitas para o homem – para que ele conheça as nossas delicadezas e o controle que temos sobre o corpo. Se eu tiver controle sobre o meu corpo eu vou ser uma boa mãe, não vou me deixar levar pela emoção. Se eu consigo seduzi-lo pelo olhar, eu sou franca com ele...     Esse é o nosso aprendizado, e é por isso que a mulher é considerada tão superior, porque ela tem um aparato que um homem não tem. A fisiologia feminina é muito estudada dentro do acampamento e a primeira menstruação é uma festa, porque é a abertura de outro canal. 
Uma menina que menstruou tem mais conhecimento para a leitura de qualquer mancia do que uma que ainda não menstruou, pois abre-se uma outra percepção: ela entra em mais um ciclo, entra em harmonia com a natureza. É um florescer.
Não existe cigana fumante, porque a gente não consegue entender o cheiro do cigarro, é algo impensável. Mulher tem que ser cheirosa, e não pode ser cheirosa uma mulher que fuma. Cigana não tem roupa de ficar em casa, não anda de chinelo, não anda despenteada. A gente nem olha no espelho se estiver desarrumada. Mulheres andam arrumadas sempre, no acampamento, e o contrário é uma vergonha, porque significa que ela está deixando de valorizar o fato de ser mulher. 
A roupa feminina tem toda uma simbologia, e a gente se rodeia de sedas de toque feminino, de flores perfumadas etc. A mulher cigana tem até que tomar cuidado fora do acampamento, porque para ela a sedução é uma coisa muito fácil e é necessário restringi-la ao que vale a pena. A gente aprende a cozinhar, aprende massagem, aprende tudo do universo feminino, não tem meio termo. E, aliás, eu não conheço homossexuais nos acampamentos. Possivelmente porque é tão clara a diferença e é tão cheio de orgulho o homem ser homem e a mulher ser mulher, que não existe a necessidade ou a vontade de experimentar o outro mundo. 
 Assim também, os relacionamentos são mais duradouros porque os ritos de passagem são claros. O adolescente não é rebelde, porque existe um rito de passagem da infância para a idade adulta. Não há dúvida ou necessidade de afirmação: ou você é adulto ou não é adulto. Tudo é tão claro e tão celebrado, que dá uma tranqüilidade para as pessoas viverem a vida sem se preocuparem com auto-afirmações, cada um sabe em que estágio da vida está. E cada momento é visto como uma festa, não existe melhor ou pior, existe um momento diferente do outro.

Destino, talento, felicidade
Os ciganos veem o destino da seguinte maneira: cada um de nós nasce com a missão de ir de A até B; esse destino, diferente para cada um, pode ser grandioso ou simples. Uma outra maneira de colocar a idéia é dizer que cada um de nós nasce com um dom ou talento que orienta o caminho que tem a percorrer.
Em romani, existe uma palavra que significa ao mesmo tempo dom e destino. Isso explica tudo: são a mesma coisa.. O dom é aquilo que fazemos com facilidade. Se você não sabe com que finalidade está no mundo, uma indicação é: o que você faz que lhe é fácil? O que você faz fácil é o seu talento e, portanto, é o seu destino. Se formos espertos, perceberemos logo nosso dom e faremos esse caminho em linha reta. Se não prestarmos atenção, ficaremos dando voltas e deixaremos coisas a resolver em outra vida. Há religiões que identificam isso como karma. 
Por que fazer coisas difíceis se o caminho da facilidade é o mais agradável? Uma das coisas do mundo de fora que nós ciganos não entendemos é: por que as pessoas dificultam tanto a vida? Se as suas habilidades e tudo aquilo que você faz sem esforço e com alegria constituem o seu destino, quanto mais você pratica sua alegria no dia a dia, mais perto você está de cumprir a sua missão, e quanto mais rápido você cumpre a sua missão, mais tempo vai ter para fazer outras coisas. Ser feliz é a grande contribuição que você pode dar para o mundo e a maior que pode dar a você mesmo. Esse é o destino: ser feliz, de forma simples.

Descobertas
Aqui entra a quiromancia, pois as mãos mostram quais são as nossas habilidades e quais os campos que devemos explorar. A expressão “ver o destino nas mãos” não se refere a ver o futuro, mas sim a identificar habilidades e fraquezas, pois isso abre um leque de coisas a serem feitas e mostra um caminho. Seu destino é o seu talento, é onde você vai chegar se prestar atenção a si mesmo. 
Para os ciganos, é muito mais interessante ser plural do que especialista. Quando a gente percebe que está se tornando muito especialista em alguma coisa, sente que está fechando as janelas e então vai fazer uma coisa oposta ou tenta mudar de área, para desenvolver as próprias capacidades e o autoconhecimento. O que mais eu sei fazer bem? Será que eu só sei fazer isso? É muito triste a gente achar que só tem um talento. Às vezes a gente se sente assim e a matriarca começa a fazer perguntas “qual foi a última coisa que você fez e que achou legal? quem você conhece que faz alguma coisa que você gostaria de fazer? como seria o seu dia se você não fosse quem é? onde você estaria agora se pudesse num clique aparecer em qualquer lugar? Se você fosse criança, se fosse velho, se fosse rico, se fosse pobre, se morasse na Bélgica, se você...”
Essa é uma prática que começa com as crianças, nas rodas. Por que é assim que a gente vai identificar os talentos. Às vezes a matriarca anda pelo acampamento e faz  perguntas às crianças, do tipo “onde você gostaria de estar agora?”. E a espontaneidade da resposta vai mostrando tendências.  
A gente treina isso e não se permite perder a espontaneidade quando é adulto. Existe um jogo entre os adultos, no acampamento. Quando duas pessoas se cruzam, caminhando, uma lança uma pergunta à outra: “o filme que você mais gostou, 3 segundos”; “um livro que você quer ler”; “uma pessoa que você quer conhecer”; e assim por diante. É uma maneira de a gente se conhecer, de olhar para dentro, de perceber as próprias inclinações.

O aprendizado
Procuramos identificar na criança os talentos naturais, para que ela não sofra para conquistar a sua missão. Se a vida da criança está difícil é porque ela – ou a gente, como educador – não está conseguindo identificar o que ela faz de modo fácil. Nossa perspectiva de educação é completamente oposta a forçar uma criança a aprender algo por mera obrigação. Se a criança está pintando e fazendo isso com prazer, a gente não a tira disso para que vá aprender matemática, não faz sentido pra nós. 
O nosso sistema de aprendizado também é muito diferente: a distância de pai e mãe para uma criança de dois anos é muito maior, no mundo cigano, do que no mundo fora. Nos acampamentos, uma criança de dois é ensinada por uma de quatro, que é ensinada por uma de seis, que é ensinada por uma de oito... Por que? Porque a memória da dificuldade de um certo estágio é muito maior em quem acabou de passar por ele. Uma criança que acabou de ser alfabetizada ensina a ler de maneira muito diferente de alguém que já lê há muito tempo. O adulto não lembra como era difícil; como vai ensinar? A criança sabe como é, esteve no mesmo lugar há pouco tempo. E se ela não está ensinando certo, tem alguém muito próximo para corrigir. É sempre escalonado. E se chega alguma coisa até o pai ou a mãe, é porque se trata de alguma coisa muito grave, que ninguém em toda essa escala conseguiu passar. 
Quanto à quiromancia e o tarô, todas as crianças aprendem desde muito cedo; continuam as que se destacam – geralmente, mulheres. 

Origens das mancias
Há mais de cinco mil anos nosso povo vem acumulando um conhecimento que começou com a observação do que a gente é. Os antigos viram que alguns indicativos do nosso corpo batiam com algumas características da personalidade, e começaram a estudar esse fato. 
Observando as características das crianças pequenas e a evolução delas, conseguiram ver como é que as diferentes personalidades se impunham.
A percepção dos “desenhos” que temos nas pontas dos dedos é uma coisa cigana, porque a gente já usava isso há milhares de anos: já marcávamos objetos com a impressão digital, como um carimbo, porque já sabíamos que não havia dois dedos iguais.
Das digitais evoluímos para todo o aspecto das mãos, porque começamos a ver que não existem mãos iguais; a gente vê os montes, o formato dos dedos e unhas, coloração etc. E desse estudo de comparação se foi criando um método que é passado da matriarca do bando para as meninas, e as meninas vão passando para as mais jovens. 
O conhecimento do tarô também se iniciou lá atrás, quando começamos a observar o ciclo da vida, pois o tarô representa esses ciclos. Depois de identificado os ciclos de vida é que esse conhecimento virou um baralho. A gente já jogava com os ciclos, já entendia as fases da vida e qual a regra que estava lidando com uma certa pessoa, desde o seu nascimento, que a gente identifica ao Mago, até a volta ao ponto zero – a infância ou a morte – que identificamos ao Louco.


Tarô - O Pendurado
Quiromancia - As linhas da mão
 Quiromancia e tarô: diferenças
A quiromancia mostra a personalidade, o jeito de ver a vida, pontos fracos e pontos fortes: as coisas que não podemos mudar em nós mesmos, mas aproveitar. O tarô é um momento, uma situação específica. O ideal é começar com a leitura da mão, que muitas vezes acaba esclarecendo muito do momento que a pessoa está vivendo: quanto mais nos conhecemos, mais fácil fica lidar com os acontecimentos da vida. O tarô é um instantâneo.
A leitura da mão é uma maneira de autoconhecimento, de saber quem sou eu, como eu lido com a minha vida, qual é o meu talento, meu destino. O tarô mostra um momento, uma foto daquilo que está acontecendo – e, então, ele tem um prazo de validade. É lógico que ele traz referências de quem você é, do que aconteceu, mas principalmente ele diz como é que está agora. A gente não é a mesma pessoa que era dez anos atrás, ou um ano atrás. Então, o tarô é uma ferramenta para nos guiar dentro de momentos, passo a passo. Consideramos o tarô uma escada: cada vez que você joga, você sobe um degrau. Quanto mais você conhece suas mãos, mais fácil é a subida e talvez você precise de menos degraus para chegar aonde quer. Geralmente, uma pessoa que tem uma boa leitura de mãos, que se conhece, usa muito pouco o tarô. Só usa o tarô em momentos de dúvida, de procura de orientação – mas não como uma coisa prática, de curiosidade. E quanto mais idosa, menos a pessoa usa o tarô e mais confia na própria mão.

Quiromancia 
A forma das mãos
Em um trabalho há alguns anos, na Alemanha, fiz estágio num hospital, fiquei meses lá, e consegui a permissão de ver as mãos das crianças que nasciam. Esse hospital atendia a elite da cidade ‘X’ em que eu estava, mas tinha também todo um trabalho de atender crianças que nasciam de mães drogadas, e muitas mães que não tinham condições de ter filhos vinham para Alemanha, porque a Alemanha proporcionava esse atendimento. E as crianças que foram mais negadas demoravam muito tempo para abrir a mão. 
Pois bem, o vínculo entre mãe e filho só acontece quando a criança consegue tocar a mãe de mãos abertas. Ela reconhece a confiança, a primeira pessoa para quem ela abre a mão é a mãe. Isso foi a coisa que mais me chamou a atenção e tem a ver com algo que nós ciganos falamos: que o que mais marca a vida de uma pessoa é o amor. Um amor não correspondido ou correspondido, uma crise, perda ou grande felicidade amorosa marcam mais uma mão do que a morte de um filho. Isso para mim é uma coisa impressionante. E a mão de quem lida bem com o amor é uma mão plana, aberta. 
Todo o nosso aprendizado foca muito mais isso do que as linhas. Vemos se os dedos são alongados ou largos, se a temperatura é quente ou fria, como é a cor, se a mão é grande ou pequena, como são as marcas e os montes e assim por diante. Eu também observo muito a postura de mãos... Por exemplo, pessoas muito desconfiadas e pessoas que têm muitos segredos relaxam com as mãos semi-fechadas. Mão fechada é agressão; quando você se defende, é justamente o oposto. Enfim, as mãos falam uma linguagem e dentro dessa linguagem a gente começa a entender a amplitude de cada ser. 
  Existe ainda a questão da habilidade manual, que é o domínio sobre as mãos. Geralmente são pessoas mais amorosas que lidam bem com agulhas, pincéis etc., e que se relacionam bem com o amor e conseguem entender a linguagem dele.
A mesma linguagem da mão a gente também traz nos pés, no rosto... Existem ciganos que se especializaram em leitura do rosto (fisiognomia), porque o rosto também é único. A propósito, uma cigana não tira a sobrancelha, porque com isso estaria tirando a força do olhar e deixando de ser quem é. Alterar a fisionomia seria o mesmo que fazer uma cicatriz na própria mão. O nariz adunco, por exemplo, tem um valor tremendo para o meu povo, jamais imagino uma cirurgia plástica para corrigir o nariz. A gente até brinca que diminuindo o nariz a pessoa está tirando uma parte da sabedoria, ou “ela não é sábia, pois se fosse não fazia a cirurgia”. 
A beleza, para nós, é muito fora da beleza convencional. Não vemos uma pessoa pelo modelo da beleza tradicional, mas mais ou menos assim: “essa boca assim é porque traz boas notícias, o queixo é assim porque encara a vida com coragem...” É assim que funciona.

Da infância à vida adulta
A mão conta a sua história, e quando eu começo a ler a mão de alguém eu começo lá na infância, porque tenho que pegar a pessoa pela mão e trazer para o momento em que ela está, e então mostrar aonde ela pode chegar dentro das suas potencialidades. É muito satisfatório ver pessoas que realmente evoluíram. Mas quando a gente começa, lá na infância, e a pessoa se reconhece inteiramente, isso pode ser um indicativo de uma demora muito grande para evoluir. Será que faltou experiência, ou será que ela não está usando todo o potencial que trouxe? 
Ninguém deveria permanecer igual ao que era na infância. Se uma pessoa de cinqüenta anos ainda está na primeira fase da mão, eu já prevejo ou muita agitação nos anos seguintes, ou um retorno em outra vida para poder fazer o que ficou para trás. Então é preciso esclarecer: olhe até onde você pode chegar, será que você está fazendo direito?  
Outra explicação para uma mão que não muda é que se trate de uma pessoa de alma velha, que tenha vindo com a mão mais pronta, isso acontece. Mas é um caso de “velhice”, não é um caso que a gente detecta como sendo um caso de infância ainda.

Explorar potenciais; o contrário da especialização
É muito comum eu dizer a alguém: “a sua mão mostra que você tem facilidade para fazer tal coisa” – e a pessoa responder: “ah isso eu tenho, de fato, mas preciso melhorar tal outra coisa”. Não é essa a função da mão. Não é a melhoria do ponto fraco, mas a potencialização do ponto forte. Por que você vai insistir em fazer melhor uma coisa para a qual você não tem aptidão? Não faz sentido para a gente. O que você tem de bom? A parte boa, se for desenvolvida, vai suprir aquilo que é uma parte não boa. Então, não perca tempo. É lógico que todo mundo está aqui para melhorar, mas vamos melhorar aquilo que já é bom.
Tentar desenvolver uma aptidão inexistente é mais ou menos como reformar uma casa. Se vai fazer uma casa nova, você já constrói tudo certo, enquanto uma casa reformada nunca vai ser perfeita. Não fique reformando a casa. Você é uma boa pianista? Não se preocupe com sua falta de aptidão para línguas ou se alguém acha que você precisa estudar mais inglês. Não se afaste de seus talentos, vá estudar piano.
Mas não estou falando de especialização. Para o cigano a especialização é um problema, não uma solução. Para nós, muitos talentos dão a liberdade de se poder ir para diversos lugares. Uma pessoa de vários talentos é geralmente considerada alma mais velha, porque ela consegue ter liberdade, não precisa passar pela dificuldade. 
Todo mundo tem pelo menos um talento, se você não conseguir detectar mais de um, use esse. Se você se vê com vários talentos, aproveite a delícia que é ser uma pessoa assim. E lembre que não existe talento melhor ou menor. 
Outra imagem que usamos: ter um talento é ter a mala pronta pra embarcar numa determinada viagem; e é claro que é melhor ter várias malas prontas. Você pode embarcar a qualquer momento, pois tem uma mala de verão, uma mala de inverno uma mala para o campo, uma mala para a praia... Se você só tem uma mala de inverno, torça para passar um trem para a Sibéria. Se tem várias, aproveite quando passar o primeiro trem em que você ache que vai se sentir bem e entre nesse trem. 
Também pode acontecer de você ter uma mala para ir à praia, mas não vai. Fica naquela atitude: “eu tenho esse talento, mas não é ele que eu quero desenvolver, prefiro outro”. O que acontece muito é que há pessoas que estão com a mala pronta, têm um talento imenso todo ali, mas passa o trem e elas falam “mas esse trem é verde e eu não queria essa cor”. E perdem a oportunidade. Se você não tem uma outra mala, entre no trem. Não fique esperando a sorte perfeita. Ainda que não saiba o caminho, entre no trem, a vida vai te levar, e a vida é fluidez. Agora se você tem outras malas, ótimo, você pode ficar lá o dia todo esperando o trem que te falar o coração, é essa a idéia.

Cortes, cicatrizes, marcas
Um machucado na mão sempre é algum acontecimento, alguma mudança, geralmente é a pessoa dando um olé no destino, mudando o caminho. Um grande amor faz muito isso. Outro dia eu cruzei com um amigo meu - eu fui ao casamento dele, mas saí cedo porque tinha um outro compromisso – e ele disse que na hora do brinde tinha machucado a mão. E ficou uma cicatriz, que é uma cicatriz da realização do amor da vida dele.

Tarô - Tarólogo versus cartomante
Para nós, ciganos, tarológo é um estudioso da ferramenta, mas não necessariamente usa a ferramenta, e cartomante é aquele que usa as cartas para a mancia. Existe uma diferença; e apesar de eu saber que hoje existem muitos tarólogos que são também cartomantes, não é essa leitura que a gente tem. Dentro do bando, geralmente os homens são tarólogos e as mulheres são cartomantes. Eles aprofundam o estudo até para questionar, para conhecer a história, e se você perguntar qualquer coisa eles vão saber tudo, mas nunca colocam as cartas. 
Ou seja, o tarólogo não necessariamente é um cartomante, mas todo cartomante é um tarólogo. Porque para ser um cartomante é preciso passar pela fase tarólogo. Mas eu entendo, pelo que o Constantino e outros me disseram, que algumas pessoas passaram a adotar o nome de tarólogo justamente para se diferenciar dos muitos cartomantes que não passaram por essa fase de estudo.
Não são só as mulheres que lêem o tarô, entre os ciganos. Os homens também aprendem e alguns lêem bem, mas a gente sempre acredita que a mulher tem um pouquinho mais de sensibilidade para ligar os pontos. Porque o tarô é vivência; o aprendizado completo de determinadas cartas está ligado à possibilidade de se identificar com essas vivências, e existem coisas que só a mulher vive por completo. Os ciclos são femininos. As mulheres menstruam, engravidam, amamentam, cuidam – coisas que são fisicamente impossíveis ao homem. É por isso que as mulheres têm uma habilidade maior, não porque sejam espiritualmente mais evoluídas. 

Como ocorre o aprendizado do tarô
Para nós o tarô conta uma evolução, uma história. No acampamento, as crianças aprendem o tarô desde muito pequenas. Cada um dos arcanos maiores é apresentado de uma forma individual, em sequência, e a gente tem que viver aquela carta. As cartas primeiras são as cartas da infância, situações que acontecem na infância, e a gente só passa uma carta quando viveu alguma situação que nos faz entender o que é aquilo. 
 Por exemplo, o momento das perguntas, quando a criança já fala e começa a perguntar “o que é isto? o que é aquilo?” corresponde ao Mago. Por que é essa a postura de vida que o Mago traz: querer saber, ter curiosidade, olhar o que está por trás, de onde vem etc.
 O aprendizado do tarô não é obrigatório, é para as crianças que se interessam. Mas é uma coisa que quase todas querem, porque elas mesmas consideram mais evoluídas aquelas que dominam as cartas. E é um aprendizado que ajuda na concepção da vida, nas pequenas crises, nas situações de disputa, no primeiro amor, tudo.  
 Como já disse, a gente começa carta por carta e vai passando pelos arcanos maiores e os menores, e geralmente o fim do aprendizado ocorre aos 10 ou 11 anos, mais ou menos. Esse é o tempo que levamos para fazer o baralho todo e que acreditamos que as situações todas tenham sido vividas ou aprendidas de uma forma mais ou menos intensa. Muitos dos aprendizados são pautados em exemplos: quando acontece alguma coisa significativa no acampamento, a matriarca chama todo mundo e fala “isso que está acontecendo é a carta tal”. Dessa forma, mesmo não tendo vivido a situação, a gente assimila aquele conhecimento. 

Jogar para si mesmo
Uma coisa inaceitável para nós é o cartomante que não joga para si mesmo, porque se o aprendizado está ligado à vivência, como é que você vai jogar se não viveu, ou se não sabe que carta saiu na situação em que você estava vivendo aquilo? Nós usamos a metáfora “você tem que se sentir na tenda do outro”; se eu não me sinto na sua tenda, como vou orientá-lo? O aprendizado dos nossos médicos – a gente tem uma espécie de um xamã – é diferente; um médico não precisa ter passado por todas as doenças, só precisa ter passado pelo conhecimento das ervas. Mas o cartomante precisa ter passado pela vivência, é como se ele precisasse ter passado por todas as doenças para poder entender. E tirar cartas para si mesma nas diferentes situações é uma forma de identificar um conhecimento: “quando eu estava passando por aquele problema eu tirei esta carta”. 
Dentro do acampamento, as pessoas de alma velha, como eu, são as mais procuradas quando as ciganas querem saber do jogo, pois quanto mais velha a sua alma, mais assertivo o seu tarô. Por que? Porque eu vivi 400 anos, então deu para passar por todas as situações. É mais ou menos essa a percepção, tudo está ligado ao quanto você viveu. As pessoas mais sofridas e as que tiveram grandes acontecimentos na vida estão numa hierarquia mais alta, então quando acontece uma grande tragédia na vida de uma cigana, os outros falam “vamos jogar com ela, porque agora seu tarô deve estar bom”. A lógica é a seguinte: aquele sofrimento faz com que aumente o grau de compreensão que ela tem de algo que a toca."

Compilação de Constantino K. Riemma - www.clubedotaro.com.br 

Um comentário:

  1. Gostei muito do texto. Encontrei numa pesquisa qualquer do google. Entendi muito mais da sociedade cigana! Admiro e me identifico! A questao das mulheres serem idolatradass é muito interessante, leva os tempos remotos 5 mil A.C quando as tribos sapiens sapiens também endeusavam as mulheres. Até aprisioná-las nas estruturas familiares e propriedade privada..

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