Nas postagens A Roda da Vida e Meditar? Orar? Para Que? falamos de uma figurinha carimbada: Lama Samten, físico, brasileiro, gaúcho, torcedor do Grêmio, amável e bem humorado, fundador do CEBB – Centro de estudos Budistas Bodisatwa. Um mestre.
Tive o prazer de recebê-lo em casa para almoçar e passar a tarde nos velhos tempos, e falamos de tudo. Hoje vamos publicar uma transcrição de uma palestra dele sobre a doença da mente, não só aquelas oficiais, de camisa-de-força, drogas de tarja preta, etc., mas aquela de aparência inocente, que a gente nem percebe que tem, do desequilíbrio comum e rotineiro da mente, quando não estamos vivendo A Presença. A conseqüência imediata é que somos conduzidos por esse macaco louco que é a mente sem lucidez, identificada com o Diálogo Interno, irmão siamês do sofrimento. Só para lembrar, como dissemos já na postagem A Ignorância, o Apego, o Ódio, o sofrimento está assentado nos três animais da roda da vida: o porco, a cobra e o galo. Cruis credo...
Quem já transcreveu palestra sabe que transcrição de texto é uma coisa muito enganadora em termos de tamanho. A gente fala só um bocadinho e o resultado é “texto pra mais de metro”. Então estão avisados.
A vantagem é que o texto é extremamente coloquial, como uma conversa entre amigos, sem preocupações lingüísticas, fonéticas e gramaticais. Uma conversa ao pé da lareira. Vamos lá. Com vocês, Lama Padma Samten:
“Eu poderia falar sobre doença mental sob o ponto de vista do terapeuta ou do paciente. Aqui eu vou escolher falar como se estivesse falando com o paciente. O primeiro aspecto que eu falaria, usando uma linguagem nordestina, seria: “Não se aperreie, bichinho”! As coisas são construídas e elas afligem, mas não têm a solidez que parece que têm.
Quando nós estamos em meio a uma crise, as crises são sempre alguma coisa parecida com um rato preso em algum lugar e que não está encontrando saída. A nossa mente gira acelerada porque nós estamos buscando saída e aquilo naturalmente já é a perturbação. Enquanto nós estamos focados intensamente buscando uma saída, a gente passa por cima dos outros, não vê os outros, tem um comportamento estranho. Uma das características das nossas crises é a gente não ver os outros. Ou seja, a gente está focado em alguma coisa muito específica e no caso da crise nós não estamos tendo vitória nenhuma, nós estamos nos sentindo ameaçados. Esta sensação de ameaça, com a sensação de que não encontramos saída, e nós vasculhamos intensamente as saídas, é a característica de uma crise.
Então é natural que a pessoa tenha uma mente que fique com a aparência de desorganizada. A pessoa pode ter pequenos acidentes, pode ter acidentes maiores, pode ter muitas confusões. Tem pessoas que se acidentam feio, morrem no meio disso. Vamos encontrar muitos exemplos de gente que pegou um veículo, acelerou demais, não viu isso, não viu aquilo. Não viu por que? Porque não está vendo. A pessoa está vendo apenas uma certa característica do seu problema e está esquecendo todo o resto. A pessoa atravessa por cima dos outros, ela comete violências, atrocidades.
Eu lembro de uma praticante do Zen que era muito nova e eu tinha essa conexão com ela. Ela estava num hospital psiquiátrico – adolescente, pouco mais do que uma adolescente. Quando eu cheguei no hospital ela estava contida, estava amarrada. Por que? Porque ela tinha agredido uma enfermeira. Quando eu conversei com ela, ela disse: “Eu estava rodeada de seres ameaçadores. Aí eu peguei o crucifixo de um colega de sofrimento e botei na minha frente pra me proteger. Aí veio a enfermeira pra tirar o crucifixo”. Ela tinha se sentido diretamente atingida por alguém que tinha chegado muito perto e ia roubar a única segurança que ela tinha. Ela deu uma dentada, talvez merecida. Então ela não estava louca, ela estava operando segundo um critério.
Então vocês vão ver, as pessoas fazem coisas tresloucadas, mas elas estão operando dentro de um critério. A característica essencial deste critério é assim: ela está jogando um jogo e está perdendo. Ela não pode perder, a perda é uma coisa completamente insuportável, é alguma coisa impossível de ser vivida. Aquilo é maior do que qualquer outra coisa. Então a pessoa mata, ela apronta, mas não que ela seja uma assassina que ela seja alguém muito mau. Não é isso. No meio das suas perturbações, a pessoa está jogando um jogo e é aquilo. Esse é o mecanismo geral.
Quando nós estamos muito aflitos, a mente não consegue nem escutar o que estou dizendo aqui, é porque a gente não quer ouvir nada. Nós queremos é sair, nós estamos num lugar muito quente, ou muito frio, ou muito cortante, ou sem ar, sem água, nós estamos muito, muito mal. Por isso, a gente não consegue ouvir, a nossa mente gira o tempo todo, não é nada mais do que isso. Todas as sequelas – do tipo, a pessoa treme, sacode, faz qualquer outra coisa assim -, vários sintomas, a pessoa parada, tensa. Ou, por exemplo, quando o rato desiste, ele entra em depressão, fica parado no mesmo lugar. Ou o rato fica psicótico. Ele fica assim e quando aparece alguém ele vai lá, dá uma mordida e volta, fica parado. E não há o que fazer. Todos eles estão completamente apavorados dentro das circunstâncias que estão vivendo. Isso é especialmente o reino dos infernos. A pessoa entrou no reino dos infernos, ou no reino dos seres famintos. Eventualmente no reino dos animais, mas os animais é uma coisa menos grave, ninguém vai se sentir louco por estar ali. A pessoa vai se sentir sem energia, sem criatividade, sem interesse pela vida, sem rumo. Mas ela não está se sentindo louca, não está se sentindo em crise realmente, ela está passando por um período, algo que um psicólogo resolveria, ou um amigo.
Eu queria explicar pra vocês isso neste sentido geral, porque é isso que está acontecendo, nós estamos com algum tipo de manifestação deste quilate. Mas na visão budista a situação é um pouco mais grave. Nós temos a roda da vida, dentro dela nós temos loucuras em que está todo mundo sorrindo, tem as loucuras em que nós estamos caindo, estamos na parte de baixo, sofrendo, as loucuras onde nós estamos achando que estamos melhorando tudo. Cada ponto nesse ciclo é uma loucura específica. A maior parte dessas loucuras são assintomáticas, ou seja, socialmente elas são consideradas corretas.
Quando nós estamos no meio de uma guerra, as pessoas estão armadas e estão se matando. Mas aquilo, dentro daquele jogo, parece que é aceitável, é uma coisa normal. Não é uma coisa enlouquecida. Nós estamos entendendo o que está se dando ali dentro. No entanto, ainda que não pareça uma loucura, na visão budista isso é uma loucura. Por que? Porque nós estamos esquecendo os outros, estamos com a mente girando, fazendo coisas que mais adiante nós vamos achar horríveis, criando confusão pro futuro, inevitavelmente, e a gente segue com essas características que são de uma loucura.
Às vezes as pessoas estão num momento muito bom. Os momentos muito bons são muito perigosos porque eles são a parte da roda da vida em que nós aceitamos tudo como se fosse uma dádiva, como se fosse tudo favorável. E aquelas coisas favoráveis de hoje se transformam em problemas mais adiante. Todo mundo que compra um carro termina vendendo. As pessoas casam, depois elas descasam. Elas não se descasariam se não tivessem casado. Então quando a pessoa faz alguma coisa, ela já pensa: tem a região de descarte depois. Quando a gente se engaja em alguma coisa, inevitavelmente vai ter a outra parte mais adiante.
Mesmo no caminho espiritual nós temos isso. Aqui eu estou fazendo uma pequena introdução ao tema, não estou entrando no assunto, estou só descrevendo. Quando nós entramos no caminho espiritual dividindo bem e mal e nos filiando claramente ao bem, nós estamos dando nascimento ao mal e nós não vamos saber como lidar com esse mal, depois, especialmente quando nós tivermos sucesso em definir o que é o bem e nos filiarmos completamente. Nós não percebemos que, enquanto nós escolhemos o bem, nós damos nascimento ao mal. Nós damos nascimento mental, nós criamos os infernos, literalmente.
Na visão budista, fora da lucidez não há salvação. Esse é o ponto. E lucidez tem um sentido profundo: significa compreensão da vacuidade. Compreensão da vacuidade intelectual, emocional, compreensão das paisagens como vacuidade, compreensão das mandalas. É necessário isso. Fora disso, não há lucidez. E não havendo lucidez, mesmo que a gente esteja dentro de um caminho espiritual, a gente pode vir a enfrentar situações bem difíceis, é inevitável.
Durante um longo tempo, no caminho espiritual, eventualmente nós criamos também identidades. Na medida que nós criamos essas identidades, elas andam bem, mas inevitavelmente construímos os infernos também. Porque essas identidades são artificiais. Na medida que se estabilizam, mais adiante, ou naquele mesmo modelo de estabilização daquelas identidades, nós temos os infernos construídos, que são as regiões de dissolução da identidade artificial e construída. Nós vamos fugir da destruição disso, nós vamos defender isso como quem defende qualquer coisa no meio do samsara e é inevitável que mais adiante nós vamos ter perdas desses panoramas todos, dessas visões todas, aí nós temos crises correspondentes. Podemos ter tremores, podemos ter várias coisas, a partir da dissolução da própria ilusão que nós vamos construindo por dentro do caminho espiritual. A coisa é complicada, quem quiser avançar um pouco nisso leia, por exemplo, Transcendendo a Loucura (Transcending Madness) e Além do Materialismo Espiritual, de Trungpa Rimpoche, que trabalha bem dentro disso. Estes são temas de grande importância quando se aplicam ao caminho espiritual.
Este texto que se chama Transcendendo a Loucura é muito duro. Quem gosta de ouvir coisa irada, por favor, não perca a oportunidade. Nós vamos sentir que a nossa prática é nada, porque a maior parte de nós está fazendo prática como alguém que está cursando a universidade, buscando algum título, algum reconhecimento, alguma capacitação. Na verdade, nós não deveríamos estar fazendo isso, porque assim nós estamos construindo identidades. Nós deveríamos avançar no caminho da lucidez e não no caminho da qualificação. Nós não estamos construindo uma identidade espiritual que vai atingir a iluminação, o que seria o doutoramento. Nós não estamos fazendo isso. Quando atingirmos esse doutoramento nós vamos ver que a identidade mesmo vai ser ultrapassada. Vamos operar de um outro modo. É uma perda nós tomarmos esse tempo todo como um caminho de construção de alguma coisa. Mas é a linguagem que nós temos, no mundo onde nós estamos, estamos construindo coisas, então nós vamos usar no budismo durante um tempo essa linguagem: “É melhor você fazer isso, você vai ser mais feliz, tenta construir uma coisa melhor, desse modo e não daquele”. Isso é o que é chamado ensinamento provisório. O budismo está cheio de ensinamentos provisórios. Depois ele vai colocar uma vírgula e vai em direção a outras coisas. Estou aqui só tentando estabelecer uma conexão com o tema para que a gente possa agora olhar de uma forma um pouquinho mais teórica isso tudo. Como o tempo é limitado, não posso me alongar demais.
O ponto central que eu queria explicar pra vocês é assim. A gente toma o centro da roda da vida como ponto crucial de reflexão. A gente toma a roda da vida como um todo como um panorama mais amplo que vai se desenhar a partir desse ponto central. Se nós quisermos falar em saúde, saúde mental, doença, doença mental, o nosso foco é a roda da vida, é o diagrama da roda da vida, é o mapa mental da roda da vida. Vocês olhem aquilo como um mapa mental, não como um ensinamento. Olhem aquilo como alguma coisa que vocês vão entendendo aos poucos e vão amadurecendo e vão transformando, olhando de forma mais ampla aquele conteúdo.
O ponto central da roda da vida são os três animais: o javali, o galo e a cobra. Quando olhados desse modo, numa forma muito simples, são três qualidades ou três venenos da mente. O javali corresponde à ignorância, o galo corresponde à avareza e a cobra corresponde à raiva. Na visão budista, todos nós temos esse desequilíbrio original. Todo mundo nasce com javali, galo e cobra. Dito assim, eu precisaria recuar um pouquinho. Porque eu digo: nós nascemos deste modo. Mas nós nascemos deste modo dentro da roda da vida. Eu precisaria explicar que a roda da vida é um software, não é hardware. É uma forma de ver a vida. A nossa natureza não está presa à roda da vida e nem condicionada a ter que operar desse modo. Mas se nós vamos entrar na roda da vida, nós entramos através dos três animais.
Então se diz: todos os seres (nós) estão dentro da roda da vida. Não é completamente verdadeiro, porque os bodisatvas não estão dentro da roda da vida nem os budas. Se eles não estão na roda da vida, isso não é uma coisa “eles isso, eles aquilo”. A natureza livre pode operar dentro da roda da vida e pode operar com outra característica. Quando ela opera com outras características que não são as da roda da vida, elas podem por exemplo, estar operando com características que nós vamos chamar dos seres que se manifestam como bodisatvas, dos seres que se manifestam como budas. Eles não estão na roda da vida, estão fazendo uma outra coisa. Como num campo de batalha, vocês podem encontrar os enfermeiros, médicos sem fronteira, a Cruz Vermelha. Sob os olhos de quem está no campo de batalha, podem pensar: “Estão resgatando os inimigos, estão ajudando os inimigos”. Mas eles não estão com aquele olho da guerra, estão fazendo uma outra coisa. Então, nós também podemos fazer uma outra coisa.
É natural que dentro dos mundos onde nós estamos vivendo a gente olhe os outros como alguém que está desempenhando algum papel dentro do mundo que a gente sente que nós estamos vivendo. É natural. Então nós olhamos em todas as direções e pensamos que só existe a roda da vida, mas não é assim. Nós temos a natureza livre e entramos na roda da vida como um adolescente entra num jogo de computador, ou como seres livres, lúcidos, torcem por times dentro da roda da vida do campeonato nacional. Quando nós entramos nisso, aquilo parece completamente sólido. A gente abre os jornais, ali temos literalmente rolos de papel, cascatas de tinta trazendo mundos virtuais, como o campeonato nacional, completamente virtual. As pessoas que não estão vinculadas a isso olham, param e passam por cima. Como a gente olha, por exemplo, os classificados e não lê. Como a gente olha os cadernos sobre programas de televisão e também não lê.
São mundos específicos. As pessoas que estão ali dentro têm a noção de que aquilo é um mundo sólido e aquilo dá todos os sinais de ser um mundo sólido. Mas não é. Não apenas aquilo não é, mas o do jornal também não é. Então nós temos relatos sobre mundos particulares ali dentro, que parecem mundos reais. Na visão budista, a nossa natureza pode se engajar em mundos desse tipo, que se assemelham a coisas reais, verdadeiras, mas são coisas parciais, limitadas. A loucura pertence aos mundos limitados, não pertence à dimensão livre da mente. Vocês vão ver que um dos sintomas da loucura é num jogo de futebol as pessoas trapacearem, por exemplo. Ou atingir violentamente um colega. Isso acontece.
Como a gente entra na roda da vida? A gente entra por três animais. O primeiro deles é o javali, que corresponde a nossa identidade. Se vocês olharem dentro deste javali, vão encontrar várias definições, diferentes pessoas vão se descrever de forma diferente. Uma das chaves da reflexão sobre isso é pensarmos: “Eu já me descrevi de vários modos e agora me descrevo desta forma, hoje. Mas no passado eu também acreditava que eu era aquilo que eu descrevia. Se eu não era aquilo e aquilo desapareceu, como é que eu tenho uma noção de continuidade”? O que nos dá esta sensação de poder dizer “no passado eu fiz isso, eu pensei que eu era aquilo, depois eu fiz aquilo”? Como é que tem alguma coisa contínua dentro disso? A gente deveria pensar sobre o que nos dá a sensação de continuidade no meio dessas experiências múltiplas.
Curiosamente, quando vocês tentarem ver que rosto vocês têm, alguns mestres trabalharam isso. Ramana Maharishi considerava este ponto central. Ele convidava os alunos a sempre perguntarem: quem sou eu? Era a pergunta básica dele. Então seria isso também. O que é contínuo dentro de uma multiplicidade de aparências? Os indianos gostam dessa coisa pictórica. Então vocês poderiam olhar para trás e ver rapidamente, assim, como se fosse um desenho, as múltiplas faces que vocês já tiveram em várias vidas, como se tivesse passando uma sucessão de fotografias na tela do computador. Aí vocês vão ver que foram cada uma dessas faces ao longo do tempo. O que dá a sensação de continuidade nisso? A gente não é nenhuma daquelas faces, nem a atual. Vocês vão procurar isso e não vão encontrar, porque não tem uma face. Vocês não vão encontrar um rosto ali. Todos eles são construídos. O que vai nos dar a sensação de continuidade é o fato de que há algo que está além dos rostos. Esse algo que está além dos rostos não mudou em momento algum e é justamente a capacidade de produzir rostos.
A gente também pode pensar: mas de onde vem essa aparência que eu tenho? Estou descrevendo isso porque a essência da loucura é que ela é a loucura do personagem, não é a loucura dessa dimensão. Essa dimensão que traz a sensação de continuidade, que tem essa incessante presença, ela não entra em crise. No meio das crises ela vai também vai ser o processo que vai nos retirar da crise. Porque é dessa dimensão que vai vir outra identidade, ou vai brotar a capacidade de refletir sobre a natureza que está além das identidades.
O processo de lucidez que cura a aflição é o processo que nos permite tomar refúgio não em alguma identidade, não na sustentação da identidade que está em crise, mas nos permite tomar refúgio sereno, sem luta, na natureza que não pode ser derrubada, que é a natureza que sobreviveu àquela multidão de rostos, que foram trocando. Nós temos essa experiência longa de sobrevivência. Nós não somos nenhum desses rostos. Quando nós serenamos dentro desta natureza que está além dessas identidades, então isso é a lucidez. Essa lucidez nos retira da crise. Ela está sempre disponível. Se vocês forem olhar, ela não envelhece, tem essa vantagem. Não morre, não cria rugas, não empalidece, não tem olheiras. Não tem problema nenhum, não precisa de tratamento dentário, lipoaspiração, não precisa de nada, está lá. Espantoso, maravilhoso. É a base da nossa solidez, da nossa estabilidade.
Mas nós esquecemos isso e embarcamos na identidade. Quando a gente embarca na identidade, não basta a gente entender que ela não existe. Precisamos ver como isso se dá. As identidades são múltiplas, mas ainda assim todas elas têm o mesmo software por trás, o mesmo código-fonte. Para este código-fonte, na falta de um melhor exemplo, eu tenho usado a noção de um bambu que a gente tenta manter equilibrado a partir de uma ponta. É uma coisa interessante, eu acho que são os Guarani que chamam a pessoa, pessoa significa “flauta em pé”. Isso é muito interessante, não sei bem como é em Guarani o nome, outro dia estavam me falando sobre isso. “Flauta em pé”, acho que é porque flauta produz som, achei essa uma boa imagem. Então nós temos um bambu em pé. O que significaria esse bambu em pé? Eu peguei alguma coisa e agora estou equilibrando isso. Equilibrar alguma coisa dá a sensação de identidade. A essência da sensação de identidade é estarmos equilibrando alguma coisa. Ou seja, eu crio o bambu e quem vai ter o trabalho todo de sustentar o bambu é o galo, o segundo animal, que é a avareza. Mas não é propriamente a avareza, é o que sustenta a ação deste aspecto. Se vocês estão ouvindo uma música, por exemplo, vocês não percebem que se construíram dentro de uma identidade ilusória. Mas quando vocês estão acompanhando aquilo, se vem alguém e interrompe vocês, vocês têm a sensação de que precisam proteger aquilo que estavam fazendo. Aí surge o terceiro animal, a cobra.
Se pararem um pouquinho, talvez vocês cheguem à conclusão de que não tinha por que ouvir a música, não tinha nada muito especial nisso. Aliás, a pessoa que estava chegando para falar com vocês, isso sim tinha alguma coisa importante. Mas, como estamos na fixação daquele bambu a gente reluta e não abandona aquilo. A gente resiste. Aí vocês olham as crianças, é exatamente assim, é bonito de ver. Eles fazem descaradamente isso. Pegam alguma coisa, ficam com aquilo. Aquilo dá a sensação de existência para qualquer um. A pessoa fica com a sensação de existência a partir de algo assim. A gente pega aquela coisa e começa a fazer. Um jogo, um jogo simples. Aí nós ficamos presos àquele processo. Se alguém interromper aquilo, nós temos uma aflição.
A pergunta para nós mesmos, quando estamos em crise, isso quando no meio de uma crise a gente consegue pensar, seria: “Qual o bambu que nós estamos sustentando”? Nós temos vários bambus. Vocês vão ver que estão as identidades ali. O que nós estamos sustentando? Se vocês não conseguem pensar o que nós estamos sustentando, pensem: “O que seria muito ruim se viesse a acontecer”? É a queda do bambu. Quando nós na região dos infernos podemos pensar: “O medo vem daonde”? O que produz medo em mim? De acordo com o medo, eu já sei: “O bambu caiu”. “Meu medo é que eu tenha dificuldades financeiras, que eu venha a adoecer, que a minha esposa vá embora, que as crianças vão morar com a ex-esposa”, uma tragédia. A pessoa vai ficar aflita com essas várias coisas. Isso significa o que? Que ela está equilibrando, querendo que os filhos fiquem consigo, querendo que o marido não vá embora, equilibrando a situação financeira, tentando manter um apartamento, ou não está querendo perder o emprego… muitas coisas! Os pneus do carro estão gastos – oh! Quando a gente está equilibrando para não gastar. Oh! Eu não queria gastar! Sempre equilibrando alguma coisa.
Eventualmente, nós começamos a convergir para algumas coisas. Essas coisas para as quais nós vamos convergindo vão se tornando cruciais. Numa guerra, é assim. Tem algumas coisas que a gente não vai permitir perder. Aí nós vamos não só tomar a violência como base, como nós vamos tomar uma violência estruturada e de preferência coletiva. Nós juntos vamos defender alguma coisa. Aí começa a guerra. É um tipo de loucura coletiva. As pessoas estão com uma fixação de um certo tipo.
Aquilo parece que tem lógica, parece que funciona, mobiliza coletivamente e parece natural. Parece normal, parece direito, mesmo que a gente tenha perseguições das pessoas num período de guerra, é muito espantoso. O Reich do Hitler era para mil anos. Aquilo não durou dez anos, mas a loucura se estabelece como se fosse absoluta, como se aquilo fosse sólido. As loucuras coletivas se estabelecem deste modo. Aquele discurso funciona para todos, aí quando termina, aquilo se rompe, dá um estrondo e a pessoa fica sem saber qual o seu referencial. Ela não está mais jogando aquele jogo, mas não sabe que jogo vai jogar. Nós temos as loucuras individuais e as loucuras coletivas. Elas são baseadas nessa característica: quando a gente vê as pessoas desrespeitando os outros, passando por cima dos outros, isso já é o sinal da loucura. A pessoa se fixa em alguma coisa, ela já não vê o outro, só vê o outro como alguma coisa dentro da sua própria vida. Este é um sintoma.
Mas quando a pessoa está presa dentro disso, dizer isso não adianta. Ajuda um pouco para a pessoa contextualizar, mas aí vem a pergunta: “Do que você tem medo”? Quando a pessoa fala do que ela tem medo, imediatamente a gente vê qual é o bambu, o que a pessoa está sustentando. Ela mesma pode ver isso. Se ela entender os três animais, ela vê que está sustentando isso mas que poderia sustentar outra coisa que não isso. Ela pode se transferir para outra coisa. Mas se não conseguir se transferir, ela pode, por exemplo, entender a vacuidade deste personagem. Pode entender o aspecto luminoso deste personagem. Pode entender que ela constrói este personagem e sustenta.
Eventualmente, a pessoa entende que constrói o personagem e sustenta, mas ela não tem outro personagem que não aquele. Ela não está disposta a abandonar aquele personagem, ela está disposta a viver com ele até o fim. Aí a crise segue. A pessoa pode não conseguir transitar. Se ela conseguir transitar para outro personagem, para outra paisagem, aí ela ultrapassa a crise. Ou, no mínimo, é como se ela estivesse num rio de jacarés, pisando em cima de troncos. Então ela pula de um tronco para outro. O outro tronco, que também não é seguro, é outro personagem, num outro contexto, mas aparentemente aquilo funciona por um tempo.
Mas, não vai resolver. Por que? Porque os jacarés vão voltar, aquilo vai rodar e ela vai precisar se transferir para outro tronco. Então aquela multiplicidade de rostos que a gente viu corresponde à multiplicidade de troncos que a gente já pulou. Nós somos puladores de troncos e também seguradores de bambu. Estamos com nosso bambuzinho, como um garçom com a bandeja, pulando de um lado para o outro, e aquilo não cai. Milagrosamente não cai. Mas o software, o código-fonte por trás disso é o fato de que nós estamos sempre equilibrando alguma coisa. Isso é a roda da vida.
…Estamos com nosso bambuzinho, como um garçom com a bandeja, pulando de um lado para o outro, e aquilo não cai. Milagrosamente não cai. Mas o software, o código-fonte por trás disso é o fato de que nós estamos sempre equilibrando alguma coisa. Isso é a roda da vida.
Isso é o aspecto sutil da palavra apego. Apego, ao mesmo tempo, é vacuidade, não tem nada. Eu elejo alguma coisa e tenho apego, mas esta eleição é uma eleição particular.
Nas relações familiares isso é muito interessante. Nós nos vemos como indispensáveis aos filhos. É muito surpreendente quando vemos que os filhos passam bem, muito bem, melhor do que acharíamos razoável, sem a mamãe e sem o papai. Aliás, não só passam bem como passam melhor. Nós temos crenças, que tentamos colocar nos filhos, de que eles não poderiam sobreviver sem nós. O apego é isso, nós estamos sustentando aquele bambu e não queremos que o bambu seja levado e sustentado por outro, nem pelo próprio filho, que, aliás, é o bambu. Não queremos transferir para ele, então dizemos: Eu sei fazer isso!
Outro dia, eu estava conversando com uma ex-esposa que tem um filho de quatro anos – não a minha, ela é ex-esposa de um outro ser. Ela dizia como dirige a vida do ex-marido. Impressionante! Aí agora o filho vai para lá e ela quer garantias de como ele vai lidar com o filho: “como é que você vai buscar ele?” e tudo o mais. Naturalmente, agora ela está perturbada porque descobriu que o ex-marido agora tem uma companhia doce e serena – esse é um grande problema, porque agora ele está independente. Até então, nesses quatro anos, ela tem feito esse grande sacrifício de sustentá-lo, mas agora ele descobriu que tem outras formas de andar. Então, é muito interessante ver como que o apego pode se transferir além do próprio casamento que terminou, aquilo se propaga. Então nós temos essas identidades, temos esses valores; somos equilibradores de bambus.
Eu até convidaria vocês a relacionarem os bambus que vocês estão equilibrando; lembrar que vocês já viveram sem esses bambus, já tiveram outros bambus. Mas ninguém consegue viver sem um bambu – está certo que podemos viver sem essa ou aquela pessoa, mas sem um bambu não dá! A nossa crise é essa: a pessoa fica sozinha por um tempo até que encontre um bambu, seja o qual for; aquilo não é necessariamente um outro marido, uma outra esposa, aquilo pode ser uma coisa que tome a mente da pessoa e, se ela estiver completamente ocupada equilibrando alguma coisa, a vida dela vai ficar boa, ela vai ficar com o olho brilhando. Mas… regra no. 1: Todos os bambus caem; não há bambu que não caia; então, se preparem! Uma alegria vem junto com um sofrimento. Quando deixo de equilibrar o bambu, os infernos se ampliam. Por quê? Porque o inferno é quando o bambu cai. Nós ampliamos nossa identificação com aquele processo e nos tornamos progressivamente mais frágeis. O rato procurando uma saída é quando o bambu está condenado a cair e nós não queremos que aquilo caia. Ficamos tentando encontrar uma solução.
Eu acho isso maravilhoso: vocês olhem o que vocês já viveram; aí quando as soluções não aparecerem, vocês digam “então tá; vou fazer outra coisa.” Aí o rato sai da ratoeira! Porque o rato tem corpo de arco-íris, grande mestre! Mas quando ele quer atravessar com o corpo comum – corpo comum é aquela identidade – ele não consegue sair, mas nós saímos! Por exemplo, o menino está jogando xadrez e tentando ganhar de qualquer jeito. Quando ele não ganha, como é que ele sai daquilo? Ele sai com corpo de arco-íris – ele não é aquele personagem! Aquele personagem não consegue sair vivo do jogo – ele foi derrotado. Mas, com corpo de arco-íris, ele vai se manifestar em outro lugar. Nossa característica é essa. Quando nós estamos em crise, nos esquecemos disso; quando nós somos lembrados disso no meio da crise, não queremos nem ouvir; queremos mesmo é ganhar.
Precisamos ter essa perspectiva – só conseguimos lutar até o fim porque sabemos como sair. Algumas pessoas se protegem – elas não lutam até o fim porque elas têm medo da derrota. Para a pessoa poder namorar direito é preciso ter coragem; para ter coragem, a pessoa tem que se expor a ser derrotado. Quando somos derrotados, o que nos dá coragem? A capacidade de ter o corpo de arco-íris. A gente vai até aonde dá, se não der, nós nos levantamos e saímos pela parede, não precisamos de uma porta; nossa natureza é translúcida! O que dá solidez são os bambus que são a essência das identidades. Vocês contemplem isso, vocês se vejam se prendendo nas coisas mínimas: o sinal está verde e passa para vermelho e vocês têm frustrações! O carro que estava na frente passou e eu fiquei trancado! Relaxe, o outro passou na frente, não tem nada! Mas tem o bambu: de uma forma trágica, o bambu do sinal verde cai. Estamos cheios de frustrações… O tempo todo… isso é o samsara, a Roda da Vida. Isso são os múltiplos giros da Roda da Vida; sucessão de mortes e renascimentos. Cada vez que pegamos um bambu e ele cai, uma morte. Fazemos um bambu surgir de novo: renascimento. Nós somos especialistas em dar nascimentos e colher mortes. Nós pegamos as menores coisas: a temperatura do ar condicionado dentro do carro, se a janela do quarto, de noite, está aberta e a pessoa que está dormindo conosco quer a janela fechada – um problema – precisa de dois quartos! Nós nos fixamos nas várias coisas. Esse processo de fixação é o software, o código fonte da Roda da Vida; a multiplicidade é apenas o conjunto das aparências das fixações, não é outra coisa.
A doença mental não é propriamente uma doença mental – ela é a tragédia da fixação acontecendo; nós alteramos o nosso comportamento quando nós temos uma fixação grande e não estamos conseguindo mais manobrar de modo causal as condições daquilo e estamos obtendo derrotas, então vamos manifestando os sintomas – o javali ferido. Os sintomas usuais do javali, quando ele está em uma condição saudável, são descritos pelos 12 Elos da Originação Dependente. Quando nós estudamos, entendemos direitinho como é que aquilo está operando: produzem o apego, produzem os múltiplos êxitos que aspiramos e esses múltiplos êxitos geram uma sensação de confiança que produz a noção de uma identidade clara que começa a se relacionar com o mundo de um certo modo, e do décimo primeiro elo, inevitavelmente vamos colher o décimo segundo elo, que é a morte. Eu nem falo da morte física, mas da morte de uma identidade sustentada. Para nós entendermos melhor isso tudo, precisaríamos ver que esses bambus quando eles são criados, eles não são criados assim “eu sou isso”; o bambu mesmo é criado, alguma coisa que começamos a equilibrar: quando nós estamos equilibrando alguma coisa, alguém chega e diz: o que você está fazendo? E eu respondo: eu estou equilibrando isso. E se alguém perguntar o que você é, talvez você diga: eu sou o equilibrador disso. Assim é que os pais se caracterizam; quando eles dizem – eu sou pai, eu sou mãe, significa que eles estão cuidando de uma criança, a criança é a prioridade para aquela pessoa; quando a pessoa diz: eu sou profissional de tal coisa, esse é o bambu que eu estou cuidando, isso é o que eu faço; só que quando essa identidade está presente, ela é só um aspecto do bambu; o outro aspecto do bambu é a paisagem, uma visão de mundo; ela tem aquele bambu se movendo dentro de um mundo. A mente da pessoa é que vai aconselhar sobre como manter o bambu equilibrado dentro daquele mundo; portanto, essa visão de mundo é crucial, pois ela é que vai determinar os pensamentos que vão ocorrer. A visão de mundo, os pensamentos e o bambu em conjunto, vão produzir também as energias que se manifestam numa pessoa. Então, se a pessoa se diz “assustada”, ela está assustada por aquilo – vem desse conjunto de elementos esse aspecto de energia. A linguagem básica do samsara não é a linguagem discursiva; a linguagem discursiva é muito particular aos seres humanos; no entanto, na natureza, vocês vão ver uma multiplicidade de seres que se entendem sem a linguagem discursiva. Eles se olham e já se entendem. Um pequeno movimento, um pequeno reflexo de um pássaro pode significar perigo. É um processo muito sutil e rapidamente eles respondem, porque não estão operando com um processo cognitivo, filosófico, psicológico, seja o que for, estão operando num nível de responsividade.
A energia se manifesta num processo muito mais rápido do que num processo de raciocínio e nós operamos essencialmente através da energia; enquanto seres civilizados, nós vamos substituindo o aspecto de energia pelo processo discursivo e temos a impressão de que a linguagem discursiva é tudo, mas não é.
A linguagem emocional, a linguagem que aciona a energia, ela é a que realmente nos mobiliza; eventualmente nós temos um discurso que fazemos para nós mesmos, mas esse discurso não nos mobiliza e a nossa energia é mobilizada de outro modo. Por exemplo, alguém que vai fazer dieta, sabe que não pode comer isso, deve comer aquilo – tem um discurso bem claro – mas esse discurso é difícil de seguir; muito mais fácil é seguir os impulsos que aparecem por meio dos olhos, ouvidos, nariz, língua e tato; a mente é o processo pelo qual nós raciocinamos e criamos uma outra mente que policia a mente que está associada aos olhos, ouvidos, nariz, língua e tato, mas a mente cognitiva tem um resultado mais frágil. Então nós estamos operando com o bambu: paisagem, mente e energia. De acordo com a energia, aparecem as secreções glandulares, adrenalina, endorfina, as dores – um conjunto de secreções glandulares – temos os lungs, a energia que aciona os vários órgãos. Nós temos as flutuações da saúde e, de acordo com o bambu que nós estamos equilibrando, as paisagens que nós estamos vendo, a mente operando e a energia respondendo, nós temos o funcionamento dos músculos, dos órgãos, glândulas.
O próprio Buda dizia: se você se imaginar à beira de um penhasco muito abrupto, paisagem muito longínqua, se você apenas se imaginar assim, talvez você já sinta uma tontura; se você pensar que vai agora chupar um limão, talvez a sua boca se encha de saliva. Então, nós temos uma linguagem da imaginação, da visão; essa linguagem sutil chega dentro do nosso corpo, dialoga com os órgãos, glândulas e, naturalmente nós estamos fazendo o tempo todo esse tipo de visualização onde nós andamos; no nosso trabalho, nós sentimos os ambientes de um certo modo e essa leitura que nós fazemos, essa leitura energética que nós fazemos, ela se reflete sobre o nosso corpo, então nós vamos ter doenças, perturbações, também em nível de corpo. Isso é bem complexo, vejam quantos elementos temos; mas a essência da nossa identidade está ligada à noção de um bambu e de alguma coisa que eu estou sustentando e a loucura vem dentro disso; vem quando essa identidade está em crise. Então, nós podemos ter loucuras comuns. Por exemplo, a mulher foi embora, levou o filho, está entrando na justiça para pedir pensão e está com outro sujeito que não trabalha e eu vou sustentar não só ela, mas o outro e o filho, só porque num momento eu tive um filho com ela e achei que seria uma boa escolha – é uma tragédia masculina!
Mas tem a tragédia feminina; por exemplo, eu estava conversando com uma outra ex-esposa: o ex-marido encontrou um novo ser e ela pensou: vou mandar o filho para ele ver como é; vai acabar logo esse romance. Não é fácil! Nós olhamos as coisas dentro desse tipo de jogo, desse tipo de aflição e, quando nós ficamos presos a isso, o primeiro sintoma é o aparecimento da ansiedade – nós ficamos intranquilos. Os sintomas do pensamento acelerado são pequenos acidentes, pequenos esquecimentos. Quem está na escola começa a ir mal, não consegue estudar direito, não consegue prestar atenção, não consegue se lembrar de levar o caderno que tinha que levar, porque está com parte da atenção focada nessa perturbação. Nós temos vários sintomas assim e podemos ver o agravamento – o agravamento é quando achamos que submeter outros a sofrimento devido ao fato de nós estarmos com problemas, não tem nenhuma importância, é assim mesmo. Se eu estou numa crise, vou submeter os outros aos problemas, isso não importa, não estou nem considerando. Então vocês vão ver as pessoas assaltando, matando, roubando, todo tipo de loucura; pessoas agredindo, oscilando entre agressão e apego.
Quando nas relações, se a pessoa está finalizando uma relação, ela oscila como um louco mesmo entre o apego que ela tem à pessoa e o ódio que ela sente; quando ela pensa que a pessoa podia estar com ela, ela tem apego, mas quando ela pensa que o outro pode ir embora, ela tem ódio porque, vendo o outro ir embora, ela sente a dor que o outro está causando para ela. Então parece que a pessoa se desorganizou mentalmente; mas é assim, porque o outro é objeto de apego, mas ao mesmo tempo, ele é destruição. Então, vemos pessoas assassinando a família. Não vemos muito as mulheres fazendo isso, mas os homens matam esposa e filho, não necessariamente nessa ordem. Por quê? Morreram. Aquela mulher desalmada foi embora, então o que vai fazer o pobre do homem? Matar todo mundo! Acontecem coisas horríveis. As pessoas enlouquecem, não são mais capazes de olhar o outro no contexto dele, só olham o outro dentro do seu próprio contexto e o seu contexto é aquele bambu onde elas apostaram tudo; elas não sabem viver outra coisa, só sabem viver aquilo – parece que não tem solução. A morte vem; não só a morte, mas o universo inteiro se fecha, fica escuro, não há o que fazer. É uma morte em nível de tortura, de desgraça, por um longo tempo não veem solução então, quando elas estão nesse inferno, não há mais limite.
Se a pessoa tenta, ainda assim, se manter equilibrada de algum modo, pode ser que ela trema, pode ser que ela opte por uma depressão, por ficar quieta, não falar com ninguém, ficar isolada. Procurar não enfrentar, não olhar – como os animais também fazem; eles estão vivendo numa casca – os caramujos fazem, as tartarugas fazem – se escondem dentro de um lugar. Isso é uma depressão. No meio disso, muitos sonhos, muitos medos, medo de tudo; então, tem que tomar alguma medicação, mas se a pessoa não fizer essa transição de um mundo para outro, o processo fica apenas amortecido. Quando ela faz a transição, assume uma outra identidade, ela está liberada! Todos nós estamos submetidos a isso, todos nós temos essa fragilidade; se não quisermos ter essa fragilidade, nós temos que entender o processo pelo qual isso acontece. Entender antes, porque durante, muito difícil conseguir escapar, aprendendo sobre o processo em meio ao processo. Muito difícil.
Deveríamos aproveitar que estamos um pouco melhor em algum momento e aprofundar sobre isso; especialmente tomar refúgio na natureza que não enlouquece, não adoece. Na natureza livre da mente, aquela que constrói o personagem; se nós estamos embicados dentro daquilo, nós não vemos, parece que nós não temos nenhuma outra perspectiva, como um rato preso numa ratoeira, rodando, mas ele está preso. As alterações glandulares aparecem; não pensem que são as alterações hormonais e químicas que o corpo possa ter, ou contrações ou tremores, ou sonhos, que sejam o problema. O problema está justamente porque não queríamos que acontecesse o que aconteceu – nossos bambus caindo.
Naturalmente nós podemos ter um pequeno número de doenças com esses sintomas que vem por uma desordem que não vêm dessa origem. É como se dentro desse mecanismo todo, um outro nível de perturbação pudesse se introduzir – é como se surgissem desordens mais por um ponto de vista de engenharia; ou seja, as pessoas têm efetivamente uma desordem química que podem ter outra origem, mas essa desordem dá uma aparência de desordem psicológica. Isso pode acontecer, mas é muito menor esse número de casos. Por exemplo, a pessoa pode quebrar um osso e ter uma série de perturbações que decorrem da quebradura e essa coisa orgânica também pode produzir algum efeito, mas o número de doenças desse tipo é muito menor do que as perturbações que brotam da região sutil, dentro desse quadro mais amplo. Esse quadro mais amplo é um quadro ao qual todos nós estamos submetidos. Na visão budista, todo mundo tem um nível de loucura porque nós operamos com os três animais no centro da roda e operamos com os 12 elos. Isso é o atestado da nossa dificuldade; nós não entendemos bem de onde surge a nossa sensação de identidade, como ela pode se dissolver e como nós podemos viver sem essa complexidade artificial que são as nossas vidas.”
Nossa, perdi o fôlego com essa palstra! A vida é exatamente esse equilíbrio de bambus, de identidade, personalidade. Como dissolvê-los???? Ahhhhh! Dá muito trabalho mesmo sustentar esses bambus, as máscaras que colocamos, as que colocam em nós, e por ai vai.
ResponderExcluirO fato de todos os bambus cairem um dia é até aliviador, pena que logo substituimos por outros. Parece mesmo um ciclo sem fim.
Abraços, amigo Arnaldo! Obrigada por transcrever esta esclarecedora palestra! :)
Uma forma para derrubar os bambus de uma vez só! só pra quem tem coragem de enfrentar o ego, a vaidade e todas as formas da mente.
ResponderExcluirDocumentário em 3 partes sobre a experiência de cura com a bebida Ayahuasca (vulgo, Santo Daime) direto das suas origens indígenas.
Acompanhe toda a trajetória e mudança do jovem europeu... hehe
parte 1 -
http://www.dailymotion.com/video/x5smh6_ayahuasca-eu-e-a-serpente-1_lifestyle
parte 2 -
http://www.dailymotion.com/video/x5slzv_ayahuasca-eu-e-a-serpente-2_lifestyle
parte 3 -
http://www.dailymotion.com/video/x5sn4o_ayahuasca-eu-e-a-serpente-3_lifestyle
A palestra busca concentrar uma baleia numa lata de sardinha. Um winzip monumental. Acho que vou precisar de algumas encarnações pra descobrir apenas o que são identificação e consideração. Em alguns trechos vem aquela rizadinha interior,você se enxergando.... Muito estranho!
ResponderExcluirLi duas vezes. Melhorou um pouco o entendimento. Vou ler mais uma. Deixa ver: Os bambus: as diversas personalidades que temos, as identificações com as personagens, com nossos "eus"... o apego.Como fazer para não ficar identificado, equilibrando bambus? Observação de si. Você(eu observador) observando você mesmo agir. Não é possível um personagem seu observar os outros (seus inúmeros "eus"). O problema é como fazer uma observação de si constante. Como aniquilar as (falsas) personalidades. A gente se afunda, adormece, entra na personagem e esquece.
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