sábado, 17 de outubro de 2015

Tributo ao criador do Veganismo

Donald Watson, fundador do
 Veganismo
“No mundo atual, conturbado, as pessoas têm manifestado uma preocupação clara com a sua própria saúde física e emocional e a dos seus próximos. Já se percebe também iniciativas tímidas e atrasadas de governos com relação à saúde, sobrevivência e ao bem estar dos cidadãos e portanto de toda a humanidade. Já não era sem tempo. A alimentação ocupa um lugar de destaque nessa arena.
Ao lado disso nota-se no mundo que, apesar do desrespeito dos humanos com os seus próprios semelhantes, está a pleno vapor ainda que incipiente, uma preocupação com os animais e com o meio ambiente. Curiosamente o budismo, a única “religião sem Deus” ensina esse respeito aos animais e ao meio ambiente através da Compaixão, do reconhecimento da ”existência do outro”, mesmo que sejam animais e portanto “inferiores”, como pensam alguns. 
E pensei: qual deveria ser o tema do primeiro artigo sobre o tema? Tanta coisa para falar... Então me lembrei de uma frase de um livro de Carlos Castaneda em que seu mestre Don Juan o sábio índio e xamã diz a ele: “ A totalidade de um caminho está no primeiro passo”. E cuidadosamente escolhi como tema do artigo a visão simples e profunda do próprio criador do Veganismo que conseguiu em 1944 juntar alimentação saudável, saúde, compaixão, respeito aos animais e ao meio ambiente. Um mestre raro.” A visão dele foi o primeiro passo do Veganismo.
Esta é então a entrevista com Donald Watson, fundador da britânica Sociedade Vegana  (Vegan Society), para celebrar o Dia Mundial do Veganismo.
Donald Watson era um Virginiano, portanto ligado ao tema da saúde, e nascido em 02 de setembro de 1910, em South Yorkshire, Reino Unido e falecido em 16 de novembro de 2005, em Cumbria, Reino Unido. É dele a invenção da palavra "Vegano" com sua esposa Dorothy. Fundou a Sociedade Vegana em 1944, fim da guerra, época de renascimento e construção. Profissão: carpinteiro e professor de carpintaria. Vegetariano por mais de 80 anos, vegano por 60 anos. Esta entrevista foi publicada pela primeira vez em "O Vegano" na edição de verão de 2003. Vamos lá:

George D. Rodger: - Quando e onde você nasceu?
Donald Watson: - Nasci no dia 02 de setembro de 1910 em Mexborough em South Yorkshire, em uma família onívora (comiam de tudo).
G: Conte-me sobre sua infância.
Uma das minhas primeiras lembranças é de férias na fazenda do meu tio George, onde ele estava sempre rodeado de animais interessantes. Segundo ele, todos os animais "deram" alguma coisa: o cavalo da fazenda puxava o arado, o cavalo mais ligeiro levava as pessoas, a vaca "deu" leite,  a galinha "deu" ovos e o galo foi um despertador útil. Então, eu não sabia que eles também tinham outra função. A ovelha "deu" lã. Eu nunca entendi o que "deu" o porco, mas eles pareciam criaturas tão amigáveis que eu sempre simpatizei com eles. Então chegou o dia quando um dos porcos foi morto: até hoje eu tenho memórias vívidas de todo o processo - incluindo gritos - claro. Uma das coisas que mais me surpreendeu foi que o meu tio George, que eu via em alta conta, fazia parte do grupo. Eu decidi que a fazenda - e tios - tinham que ser reavaliados: o cenário idílico era nada além de um corredor da morte, onde cada dia das criaturas foi listado até que eles não eram mais úteis para fins humanos. Eu vivia em casa por 21 anos e em todo esse tempo eu nunca ouvi uma palavra de meus pais, avós, meus 22 tios e tias ou 16 primos, ou os meus professores, ou o pastor, de qualquer coisa remotamente associada a qualquer direito que os animais tivessem, já que são “criação de Deus". Ao sair da casa, aos 21 anos, fui morar como artesão-aprendiz de carpinteiro com outro tio, mas houve a depressão econômica de 1930 e achei que eu poderia tornar-me um artesão qualificando-me na cidade. Com alguma dificuldade, consegui e eu gostei do trabalho tanto que eu nunca tentei substituí-lo por outro.
G: - Você tem 92 anos e 104 dias nesta data. A que você atribui sua vida longa?
D: - Eu me casei com uma garota de Gales, que me ensinou a língua e dizia "Quando todo mundo corre, fique parado", e tenho feito isso desde então. Isso deve ser parte da resposta porque muitas pessoas em corridas suicidas fazem todos os tipos de atos perigosos. Eu sempre disse que o maior erro é que o homem está tentando se tornar um animal carnívoro, porque vai contra a lei natural. Inevitavelmente, eu suponho que, dentro dos próximos dez anos, não vou acordar uma manhã. E daí? Haverá um funeral, haverá um punhado de pessoas e, de acordo com previsões de  Bernard Shaw para seu próprio funeral, vão estar presentes os espíritos de todos os animais que eu não comi. Nesse caso, vai ser um grande funeral!
G: - Quando você começou a ser vegetariano?
D: - Era um propósito e uma nova resolução do ano de 1924, então eu não comi carne ou peixe por 78 anos.
G: -  Conte-me sobre os primeiros dias da Vegan Society.
D: - Tudo começou literalmente a partir do zero dois anos antes de formarmos uma sociedade democrática. Com as respostas que tivemos - milhares de cartas – senti que se não formasse a Sociedade alguém o faria, então eu pensei em dar-lhe um nome diferente. A palavra "vegan" foi imediatamente aceita e se tornou parte da nossa língua, e agora é conhecida em muitas partes do mundo, eu acho. Eu não posso deixar de comparar a nossa revista trimestral atual com o humilde "Vegan News" que produzimos com grande dificuldade. Eu costumava passar toda a noite montando as páginas, grampeando, fazendo. Eu era limitado a um número de 500 assinantes, porque eu não poderia lidar com um número maior. Comparado com a democracia, a ditadura tem uma vantagem óbvia: nos primeiros dias de "Vegan News" eu poderia fazer isso do meu jeito. Eu não acho que eu poderia ter sobrevivido se eu tivesse que escrever para as pessoas e pedir sua opinião. Eu não tinha telefone ou carro, e achava que todos concordassem comigo, até que eu tive que trabalhar com um comitê.
G: - Como o seu Veganismo trata das crenças religiosas que você pode ter?
D: - Eu nunca fui de ter crenças profundas. Eu não era inteligente o suficiente para ser um ateu, mas agnóstico sim. Alguns teólogos acreditam que Cristo era um essênio. Se fosse, seria vegano. Se ele estivesse vivo hoje, ele seria um propagandista vegano itinerante em vez de um pregador ambulante daqueles dias, para espalhar a mensagem da Compaixão. Eu acho que há agora mais veganos domingo no almoço que anglicanos frequentando o culto da manhã de domingo. Eu acredito que os anglicanos devem se regozijar com a boa notícia de que alguém, pelo menos, está praticando o elemento essencial da religião cristã, a Compaixão.
G: - O que você acha mais difícil em ser vegano?
D: - Bem, acho que é o aspecto social, ou seja excluir as pessoas veganas que se encontram e se reúnem para comer. A única maneira que este problema pode ser aliviado é que o Veganismo seja aceito em locais públicos, como hotéis, restaurantes, onde quer que vá. Espero que algum dia isso se torne a norma.
G: E o outro lado da moeda: O que parece mais fácil em ser vegano?
D: - A grande vantagem é ter uma Consciência clara e acreditando que os cientistas devem aceitar a Consciência como parte da equação científica.
G: - Qual é a importância de ter feito jardinagem em sua vida?
D: - Quando eu morava em Leicester, um amigo me deixou usar um lote de terreno. Quando a safra estava madura, ele tinha que trazê-la de volta por quatro milhas através da cidade. Quando eu tive a sorte de conseguir um emprego em Keswick, eu tinha uma casa com um acre de jardim, um verdadeiro sonho tornado realidade. Minhas caixas de compostagem cheias de mato, grama cortada, resíduos vegetais da horta, folhas mortas (mas não de esterco animal). A propósito, toda a minha escavação era feita com um garfo, para manter vivas as minhocas.
G: - Quais são os seus pontos de vista sobre os esportes cruéis?
D: - Eu acho que eles são os mais baixos. Não importa pensarmos que são necessários,  pois agindo assim nós fazemos mal, porque mais do que matar criaturas para seu próprio bem, matar criaturas para se divertir é perverso.
G: - E sobre a experiência com os animais?
D: - Dizem que os esportes cruéis são o ponto mais baixo, mas eu acho que nós temos que mover a alavanca um pouco mais para baixo para colocar lá a vivissecção (cortar animais vivos). Ela é algo que sempre perguntam quando a gente pensa na “crueldade delegada” executada por essas pessoas, mas é uma questão simples: se não houvesse vivissectores poderíamos fazer o que eles fazem? Se não podemos, não temos o direito de esperar que eles façam isso para nosso benefício. Os medicamentos mais ortodoxos são testados em animais e talvez seja, uma das maiores inconsistências os vegetarianos e veganos tomarem esses medicamentos,  ainda mais inconsistente do que usar couro ou lã, porque estes são produtos de uma indústria que fornece carne.
G: - O que você pensa da Ação Direta?
D - Eu nunca me vi envolvido nela. Tenho grande respeito por aqueles que acreditam que é a forma mais direta e rápida para perseguir seus objetivos. Se eu fosse um animal em uma gaiola em um laboratório, agradeceria a pessoa que quebrou tudo para me livrar, mas, mesmo dizendo isso, devemos sempre lembrar: pode acontecer que nossas ações se revelem contraproducentes? Eu não sei se responder "sim" ou "não", porque eu não sei a resposta para isso.
G: - O que você considera a maior conquista de sua vida?
É o que me propus a fazer: sentir-me uma ferramenta para iniciar um grande movimento que não só poderia mudar o curso da história da humanidade e o resto da criação, mas também aumentar as expectativas de sobrevivência humana no planeta.
G: Você tem alguma mensagem para os milhares de pessoas que são atualmente veganas?
D: - Tomar para si a visão ampla do que significa o Veganismo, algo além de encontrar a alternativa para fazer ovos mexidos ou uma nova receita para um bolo de Natal. Perceba que você está em algo realmente grande, algo que não havia sido avaliado até 60 anos atrás, que concentra muitas críticas razoáveis, mas que não podem contra ele. E não levar semanas ou meses para estudar especialistas em dieta ou ler livros. Significa tomar alguns fatos simples e aplicar.
G: Você tem alguma mensagem para os vegetarianos?
D: - Aceitar que o vegetarianismo é um passo intermediário entre o onivorismo e o Veganismo. Pode haver veganos que fizeram a transição em uma única etapa, mas tenho certeza que a maioria das pessoas precisa do estágio intermediário. Eu sou um membro da Sociedade Vegetariana para manter contato com esse movimento. Fiquei encantado ao saber que na Conferência Mundial de Vegetarianismo realizada em Edimburgo, a dieta era vegana e não havia escolhas. A pequena semente plantada há 60 anos está fazendo presença e dando frutos.
G: Como você acha que tem sido o desenvolvimento da Sociedade Vegana, desde que a deixou?
Certamente melhor do que eu esperava. O gênio saiu da garrafa e ninguém pode devolvê-lo às tempos ignorantes antes de 1944, quando a semente vegana plantou esperança nas pessoas. O homem pode agora viver com uma dieta vegana. O primeiro trabalho foi feito por voluntários. De certa forma, todas as empresas começam com um trabalho feito por voluntários. Até o nosso diretor executivo tem um salário menor que um salário comercial, porque não podemos permitir qualquer outra coisa. Assim, desde a sua criação, a Sociedade Vegana tem se beneficiado de trabalho voluntário. Nós somos gratos a essas pessoas. Quem sabe o que aconteceria se eles não estivessem aqui.
G: - Em que sentido você entende que a Sociedade Vegana deve funcionar no futuro?
D - Não me atrevo a sugerir algo a um movimento que parece ir bem, espalhando a obra por todo o mundo. O edifício que sobreviveu a todos os ataques antes de iniciarmos o nosso trabalho está se desintegrando devido à sua estrutura fraca. Não sabemos quais os avanços espirituais que o Veganismo traz a longo prazo - com as gerações - para a humanidade. Seria certamente uma civilização diferente, a primeira que merece ter o título de civilização.

Tradução livre, feita por Arnaldo Preto, da entrevista de Donald Watson a George D. Rodge da Sociedade Vegana em agosto de 2003.

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