domingo, 30 de setembro de 2012

O Sonhar (Leitura Transversal)

Como já fizemos com o tema “não fazer”, na postagem "O Não fazer - Leitura Transversal”, vamos novamente ler pelo avesso um outro tema na obra de Castaneda, "O Sonhar". É um método batizado de Leitura Transversal, que é nada mais do que “ler apenas um tema específico  que interessa dentro de  uma obra qualquer.  Como já dissemos lá, quem já leu os índices remissivos da Bíblia, do Alcorão, da Torá, ou qualquer obra extensa, sabe o que é isso. Imaginem: eu quero saber na Bíblia tudo sobre o assunto "a Graça”, por exemplo. Vou ao índice e acho todas as passagens sobre “a graça”. Legal, não é? A Leitura Transversal é o não fazer de ler (rsrs).
A informática facilitou essa operação porque hoje no Word ou outro editor de texto onde estão as obras digitalizadas, pode-se selecionar pelo comando “localizar” todas as vezes que um palavra ou expressão está escrita (no caso usamos “sonhar é”). Então é só ler os texto garimpados pelo “localizar”. Nós fizemos isso na obra completa de Castaneda e “cruzamos” transversalmente a obra obtendo um a um vários temas importantes que estavam dispersos nela. Um deles é “o sonhar” um tema fascinante. Quem se interessar pode se aprofundar lendo os próprios livro inteiros. O texto é longo, mas não precisa lê-lo de uma só vez. O assunto aqui exposto é alta magia.
Vamos às citações nos livros, sobre “o sonhar” ou “ensonhar” (forma que existe em espanhol), usada nos livros do Armando Torres:


“- Quer dizer então, Dom Juan, que sonhar é real? - Claro que é real.
- Tão real como o que estamos fazendo agora?
- Se você quer comparar as coisas, posso dizer que talvez seja mais real. No sonhar você tem poder; pode modificar as coisas; pode descobrir uma infinidade de fatos ocultos; pode controlar o que quiser.”
Viagem a Ixtlan – pág. 98
- Deve começar com alguma coisa bem simples - falou. Hoje, em seus sonhos, deve olhar para suas mãos.
Naturalmente, pode olhar para o que bem entender ... os dedos dos pés, sua barriga ou qualquer coisa. Falei suas mãos porque isso foi o mais fácil para eu olhar. Não pense que é brincadeira. Sonhar é tão sério quanto ver ou morrer ou qualquer outra coisa neste mundo assombroso e misterioso.
- Cada vez que você olha para alguma coisa em seus sonhos essa coisa muda de forma - disse ele, depois de um longo silêncio. - O truque de aprender a organizar-se para sonhar obviamente não é só olhar para as coisas, mas manter a visão delas. Sonhar é real quando a gente conseguiu focalizar tudo. Depois, não há diferença entre o que você faz quando dorme, e o que faz quando não está dormindo. Entende o que digo?
Viagem a Ixtlan – pág.102
"Cada vez que olhar para suas mãos, estará renovando o poder necessário para sonhar, de modo que, no princípio, não olhe para coisas demais. Quatro coisas bastam, de cada vez. Mais tarde, poderá aumentar o número até abranger tudo o que quiser, mas, assim que as imagens começarem a mudar e você sentir que está perdendo o controle, volte para suas mãos.
"Quando achar que pode olhar para as coisas indefinidamente, estará pronto para uma nova técnica. Vou-lhe ensinar essa nova técnica agora, mas espero que só a utilize quando estiver preparado." Ficou calado por uns 15 minutos. Por fim, sentou-se e olhou para mim.
- O passo seguinte em organizar-se para sonhar é aprender a viajar - disse ele. - Da mesma maneira que aprendeu a olhar para suas mãos, pode obrigar-se a mover-se, a ir aos lugares. Primeiro, tem de estabelecer um lugar aonde queira ir. Escolha um lugar bem seu conhecido... talvez sua escola, ou um parque, ou a casa de um amigo., depois, obrigue-se a ir lá.
"Essa técnica é muito difícil. Precisa desempenhar duas tarefas: tem de obrigar-se a ir ao local determinado; e depois, quando já tiver dominado essa técnica, tem de aprender a controlar o tempo exato de sua viagem."
Viagem a Ixtlan – pág.115
Entenda, sonhar é o “não fazer” dos sonhos e, à medida que você progredir em seu não fazer, também progredirá no sonhar. O truque é não deixar de procurar suas mãos, apesar de não acreditar que aquilo que está fazendo tem sentido. Na verdade, como já lhe disse, um guerreiro não precisa acreditar, pois, enquanto continuar a agir sem acreditar, estará “não fazendo”.
Nós nos olhamos.
Não há mais nada que lhe possa dizer a respeito de sonhar continuou ele. - Tudo o que eu possa dizer será apenas “não fazer”. Mas, se lidar com “não fazer” diretamente, você mesmo saberá o que fazer no sonhar. Porém, a essa altura, encontrar suas mãos é essencial, e estou certo de que você as encontrará."
Viagem a Ixtlan – pág.186
- Sonhar é um auxílio prático, imaginado por feiticeiros continuou ele. - Eles não eram tolos; sabiam o que estavam fazendo ao procurarem a utilidade do nagual treinando seu tonal para se afrouxar um instante, por assim dizer, e depois apertar de novo. Essa declaração não lhe faz sentido. Mas é isso que você vem fazendo o tempo todo: treinando-se para se soltar sem perder as estribeiras. Sonhar, naturalmente, é a coroação dos esforços dos feiticeiros, o uso final do nagual.
Ele passou por todos os exercícios de não-fazer que me fizera praticar, as rotinas de minha vida diária que ele isolara para romper, e todas as ocasiões em que ele me forçara a adotar o passo do poder.
Viagem a Ixtlan – pág.220
- Como vou equilibrar a minha segunda atenção?
- Você tem de sonhar como nós sonhamos. Sonhar é o único meio de se alcançar a segunda atenção sem prejudicá-la, sem torná-la ameaçadora e temível. A sua segunda atenção está fixa naquele lado terrível do mundo; a nossa está sobre a sua beleza. Você tem de trocar de lado e vir conosco. Foi isso que você escolheu ontem à noite, quando resolveu seguir conosco.
O Segundo Círculo do Poder – pág. 208
- Creio que o nagual deve ter lhe dito também - disse ela - que a única coisa que realmente conta ao fazer essa mudança é prender a segunda atenção. Disse que a atenção é o que faz o mundo. É claro que estava absolutamente certo; tinha razões para dizer isso.
Ele era o mestre da atenção. Creio que deixou a meu cargo descobrir que tudo o que eu precisava para mudar em corpo sonhador era focalizar minha atenção no vôo. O importante era armazenar atenção no sonho, observar tudo o que eu fazia quando voava. Era esse o único meio de cuidar bem da minha segunda atenção. Uma vez sólida, focalizá-la ligeiramente nos detalhes e na sensação de voar atraía mais o sonho de vôo, até que fosse rotina para mim sonhar que voava pelos ares. No que dizia respeito ao vôo, então, a minha
segunda atenção estava aguçada. Quando a nagual me deu a tarefa de mudar para meu corpo sonhador queria que eu mudasse para a segunda atenção enquanto acordada. Foi isso que entendi. A primeira atenção, a atenção que faz o mundo, nunca pode ser completamente dominada; pode apenas ser desligada por um instante e recolocada pela segunda atenção, desde que o corpo tenha armazenado bastante dela. Sonhar é, naturalmente, um modo de armazenar a segunda atenção. Assim sendo, eu diria que a fim de mudar em corpo sonhador enquanto acordado, tem de se praticar a sonho até que ele passe a ser uma coisa simples.
- Você pode chegar ao seu corpo sonhador a qualquer hora que quiser? - perguntei.
- Não. Não é assim tão fácil - respondeu. - Aprendi a repetir os movimentos e sensações de voar enquanto acordada mas ainda assim não consigo voar toda vez que quero. Há sempre uma barreira ao meu corpo sonhador. Às vezes sinta que a barreira caiu; nessas horas meu corpo fica livre e eu consigo voar como se estivesse sonhando.
Disse a La Gorda que Dom Juan me dera três tarefas para treinar minha segunda atenção. A primeira era encontrar minhas mãos na sonho. Em seguida recomendou que eu escolhesse um local, focalizasse minha atenção nele e então sonhasse de dia e descobrisse se poderia mesma ir para lá. Sugeriu que eu colocasse alguém conhecido no lugar, de preferência uma mulher, a fim de fazer duas coisas: primeira, verificar mudanças súbitas que indicassem que eu estava lá em sonho; segunda, isolar o detalhe pequeno, que seria precisamente a coisa na qual a minha segunda atenção deveria se fixar.
O que se procura no sonho não é aquilo a que se prestaria atenção todo dia.
O Presente da Águia, pág. 116
- Por que os novos videntes determinam que sonhar deve ser ensinado em consciência normal?
- Porque sonhar é muito perigoso, e os sonhadores muito vulneráveis. É perigoso porque tem um poder inconcebível; toma os sonhadores vulneráveis porque os deixa à mercê da força incompreensível do alinhamento.
"Os novos videntes perceberam que em nosso estado normal de consciência temos incontáveis defesas que podem resguardar-nos contra a força de emanações não usuais, que subitamente se alinham durante o sonho."
Dom Juan explicou que sonhar, assim como espreitar, começava com uma simples observação. Os antigos videntes tiveram consciência de que nos sonhos o ponto de aglutinação se desloca ligeiramente para a esquerda; de maneira natural. Com efeito, o ponto de aglutinação relaxa quando o homem dorme, e todos os tipos de emanações inusuais começam a brilhar.
Os antigos videntes ficaram imediatamente intrigados com esta observação e começaram a trabalhar com esse deslocamento natural até se tomarem capazes de controlá-lo. Chamaram esse controle de sonhar, ou a arte de manejar o corpo sonhador.
O Fogo Interior, pág. 167
- Sonhar é o avião a jato do feiticeiro. O nagual Elias era um sonhador assim como meu benfeitor era um espreitador. Era capaz de criar e projetar o que os feiticeiros conhecem como corpo de sonhar, ou o Outro, e está em dois lugares distantes ao mesmo tempo. Com seu corpo de sonhar, podia ocupar-se de seus negócios como feiticeiro, e com seu eu natural um ser recluso.
Comentei que me surpreendia que pudesse aceitar tão facilmente a premissa de que o nagual Elias possuía a habilidade de projetar uma imagem tridimensional de si mesmo, e no entanto não conseguia pela minha própria vida compreender as explicações sobre o cerne abstrato.
Segundo Don Juan, eu podia aceitar a idéia da vida dupla do nagual Elias porque o espírito estava fazendo ajustes finais em minha capacidade de consciência. Explodi numa barreira de protestos diante da obscuridade de sua declaração.
- Ela não é obscura - avisou. - É a constatação de um fato. Você poderia dizer que é um fato incompreensível no momento, mas que o momento irá mudar.
Antes que eu pudesse responder, recomeçou a falar sobre o nagual Elias. Disse que o nagual Elias tinha uma mente muito inquisidora e tinha muita habilidade com as mãos. Em suas jornadas como sonhador via muitos objetos, os quais copiava em madeira e ferro forjado. Don Juan assegurou-me que alguns desses modelos eram de uma beleza estranha e assustadora
Que tipos de objetos? - perguntei.
Não há um meio de saber. Você deve considerar que,
por ser um índio, o nagual Elias entrava em suas jornadas de sonhar da mesma maneira como um animal selvagem ronda em busca de alimento. Um animal nunca aparece num lugar onde haja sinais de atividade. Vem apenas quando não há ninguém por perto. O nagual Elias, como sonhador solitário, visitava, digamos, a lixeira do infinito, quando ninguém estava presente, e copiava tudo o que via, mas nunca sabia para que aquelas coisas eram usadas ou qual a sua fonte.
O Poder do Silêncio, pág. 51
- O nagual Elias tinha grande respeito pela energia sexual - comentou Don Juan. - Acreditava que esta foi-nos concedida de modo que possamos usá-la para sonhar. Para ele, sonhar havia caído em desuso porque pode desfazer o precário equilíbrio mental de pessoas suscetíveis.
"Ensinei-o a sonhar da mesma maneira que ele me ensi
nou. Ele ensinou-me que, enquanto sonhamos, o ponto de aglutinação move-se muito suave e naturalmente.”
"O equilíbrio mental nada mais é que a fixação do ponto de aglutinação num lugar ao qual estamos acostumados. Se os sonhos fazem esse ponto mover-se e sonhar é usado para controlar esse movimento natural, e energia sexual é necessária para sonhar, o resultado é às vezes desastroso quando a energia sexual é dissipada em sexo em vez de sonhar. Então os sonhadores movem seus pontos de aglutinação erraticamente e perdem o juízo.”
- O que está tentando explicar-me, Don Juan? - perguntei porque senti que o assunto de sonhar não havia sido uma tendência natural da conversação.
- Você é um sonhador. Se não tiver cuidado com sua energia sexual, pode muito bem se acostumar à idéia de movimentos erráticos de seu ponto de aglutinação. Há um momento você estava espantado por suas reações. Bem, seu ponto de aglutinação move-se quase erraticamente, porque sua energia sexual não está equilibrada
O Poder do Silêncio, pág. 52
Com a perspectiva proporcionada pelo tempo, percebo agora
que a afirmação mais adequada que Dom Juan fez sobre o sonho foi chamá-lo de "portão para o infinito". Observei, no momento em que ele disse, que a metáfora não tinha qualquer significado para mim.
- Então vamos deixar as metáforas de lado - ele admitiu. - Digamos que sonhar é o meio prático dos feiticeiros utilizarem os sonhos comuns.
- Mas como os sonhos comuns podem ser utilizados? perguntei.
- As palavras estão sempre pregando peças - disse ele.
No meu caso, meu professor tentou descrever o que era o sonhar dizendo que era o modo dos feiticeiros dizerem boa-noite ao mundo. É claro que ele estava amoldando sua descrição para que ela se adaptasse mentalmente a mim. Estou fazendo o mesmo com você.
Em outra ocasião Dom Juan me disse:
- Sonhar só pode ser experimentado. Sonhar não é apenas ter sonhos; nem devaneios ou desejos ou imaginação. Sonhando podemos perceber outros mundos, que certamente podemos descrever; mas não podemos descrever o que nos faz percebê-los. No entanto podemos sentir de que modo o sonhar abre essas outras regiões. Sonhar parece uma sensação; um processo em nossos corpos, uma percepção em nossas mentes.
No decorrer de seus ensinamentos gerais, Dom Juan me explicou por completo os princípios, os fundamentos e as práticas da arte do sonhar. Sua instrução foi dividida em duas partes. Uma era sobre os procedimentos de sonhar; a outra sobre as explicações puramente abstratas desses procedimentos. Seu método de ensino era uma interação entre estimular minha curiosidade intelectual com relação aos princípios abstratos de sonhar e guiar-me para que eu buscasse um escoadouro em suas práticas.
A Arte de sonhar – pág. 8
- O objetivo de sonhar é intentar o corpo energético? - perguntei, subitamente com o poder de um raciocínio estranho.
- Pode-se colocar desse modo - ele disse. - Neste caso em especial, já que estamos falando sobre o primeiro portão do sonhar, o objetivo de sonhar é intentar que o seu corpo energético torne-se consciente de que você está caindo no sono. Deixe seu corpo energético fazê-lo. Intentar é desejar sem desejar, fazer sem fazer.
"Aceite o desafio de intentar - prosseguiu ele. - Empenhe sua determinação silenciosa, sem qualquer pensamento, em convencer-se de que alcançou o corpo energético e de que é um sonhador. Isso irá automaticamente colocá-lo na posição de estar consciente de que está caindo no sono.”
- Como posso me convencer de que sou um sonhador, quando não sou?
- Quando você ouve que precisa se convencer, imediatamente se torna mais racional. Como pode se convencer de que é um sonhador quando sabe que não é? Intentar é as duas coisas: o ato de convencer a si próprio de que é de fato um sonhador, apesar de nunca ter sonhado antes, e o ato de ficar convencido.
- Então eu tenho de dizer a mim mesmo que sou um sonhador e tentar o máximo possível acreditar nisso?
- Não. Intentar é muito mais simples e, ao mesmo tempo, infinitamente mais complexo do que isso. Exige imaginação, disciplina e objetivo. Neste caso, intentar significa que você obtém um conhecimento inquestionavelmente corporal de que é um sonhador. Você sente que é um sonhador com todas as células do corpo.
Dom Juan acrescentou num tom jocoso que ele não tinha energia suficiente para me fazer outro empréstimo para o intento, e que a coisa a fazer era buscar sozinho meu corpo energético. Assegurou-me que intentar o primeiro portão do sonhar era um dos meios descobertos pelos feiticeiros da antigüidade para chegar à segunda atenção e ao corpo energético.
A Arte de sonhar – pág. 40
- É perigoso?
- E como! Sonhar tem que ser uma coisa muito sóbria. Não
é possível se dar ao luxo de qualquer movimento em falso. Sonhar é um processo de despertar, de obter controle. Nossa atenção sonhadora deve ser sistematicamente exercitada, porque ela é a porta para a segunda atenção.
- Qual é a diferença entre a atenção sonhadora e a segunda atenção?
- A segunda atenção é como um oceano, e a atenção sonhadora é como um rio que deságua nela. A segunda atenção é estar consciente de mundos inteiros, tão totais quanto o nosso, ao passo que a atenção sonhadora é estar consciente dos itens de nossos sonhos.
Ele enfatizou que a atenção sonhadora é a chave para cada movimento no mundo dos feiticeiros. Disse que entre a imensidão de itens de nossos sonhos existem interferências energéticas reais; coisas que foram postas em nossos sonhos por uma força estranha. Poder encontrá-las e segui-las é feitiçaria.
A ênfase que ele pôs naquelas afirmações foi tamanha que tive de pedir-lhe para explicar. Ele hesitou por um instante antes de responder.
- Os sonhos são, se não uma porta, um alçapão para outros mundos. Assim, os sonhos são vias de duas mãos. Por esse alçapão nossa consciência atravessa para outros reinos; e esses outros reinos mandam batedores para nossos sonhos.
- O que são esses batedores?
- Cargas de energia que se misturam aos itens de nossos sonhos normais. São fluxos de energia estranha que entram em nossos sonhos, e que nós interpretamos como itens familiares ou desconhecidos.
- Desculpe, Dom Juan, mas não consigo achar pé nem cabeça na sua explicação.
- Não consegue porque insiste em pensar nos sonhos em termos que você conhece: como aquilo que acontece conosco durante o sono. E estou insistindo em dar outra versão: o sonho é uma abertura para outras esferas de percepção. Através desse alçapão entram correntes de energias estranhas. A mente - ou o cérebro - capta essas correntes de energias e transforma em partes dos nossos sonhos.
Parou, obviamente para dar à minha mente tempo de absorver o que dizia.
- Os feiticeiros têm consciência dessas correntes de energia estranha - continuou. - Eles percebem-nas e tentam isolá-las dos itens normais de seus sonhos.
A Arte de sonhar – pág. 43
- O que, exatamente, é o corpo energético?
- É a contrapartida do corpo físico. Uma configuração fantasmagórica feita de pura energia.
- Mas o corpo físico não é feito também de energia?
- Claro que é. A diferença é que o corpo energético tem
apenas aparência, não tem massa. Como é energia pura, ele pode realizar atos além das possibilidades do corpo físico.
- Como o que, por exemplo?
- Como se transportar num instante até os confins do uni verso. E sonhar é a arte de afinar o corpo energético, de torná-lo flexível e coerente através do exercício gradual.
"Através do sonhar condensamos o corpo energético até que ele se torne uma unidade capaz de perceber. Sua percepção, apesar de afetada por nosso modo normal de perceber o mundo cotidiano,
é independente. Tem sua própria esfera.”
- O que é essa esfera, Dom Juan?
- Essa esfera é a energia. O corpo energético lida com energia em termos de energia. Existem três modos através dos quais ele lida com a energia nos sonhos. Ele pode perceber a energia enquanto ela flui, pode usar a energia para lançar-se como um foguete até áreas inesperadas, ou pode perceber como percebemos comumente o mundo.
- O que significa perceber a energia enquanto ela flui? - Significa ver. Significa que o corpo energético vê a energia diretamente como uma luz, como uma espécie de corrente vibratória ou como uma perturbação. Ou então sente-a como um tranco ou uma sensação que pode ser até dolorosa.
- E quanto ao outro modo do qual você falou. Dom Juan? O corpo energético usando energia como um combustível de foguete.
- Como a energia é a sua esfera, não há problema para o corpo energético usar correntes de energia que existem no uni verso para impulsioná-lo. Tudo que precisa é isolar essas correntes, e lá se vai ele.
Parou de falar e pareceu indeciso, como se desejasse acrescentar alguma coisa mas não tivesse certeza. Sorriu e, justo quando eu ia começar a fazer uma pergunta, continuou a explicação.
- Já disse antes que, em seus sonhos, os feiticeiros isolam
batedores de outras esferas. Seu corpo energético faz isso. Reconhece a energia e vai atrás dela. Mas não é desejável que os feiticeiros fiquem procurando batedores. Eu estava relutando em dizer isso a você, por causa da facilidade com que podemos ficar envolvidos nessa busca.
A Arte de sonhar – pág. 46
. Isso é o sonhar. Um sonhador, ao cruzar o primeiro portão, já chegou ao corpo energético. O que realmente atravessa o segundo portão, saltando de sonho em sonho, é o corpo energético.
- Qual é a implicação disso tudo, Dom Juan?
- A implicação é que, ao cruzar o segundo portão, você deve intentar um controle maior e mais sóbrio de sua atenção sonhadora: a única válvula de segurança para os sonhadores.
- O que é essa válvula de segurança?
- Você vai descobrir sozinho que o verdadeiro objetivo do sonhar é aperfeiçoar o corpo energético. Um corpo energético perfeito - entre outras coisas, claro - tem um controle tão grande sobre a atenção sonhadora a ponto de fazer com que o sonho pare quando for preciso. Essa é a válvula de segurança que os sonhadores têm. Não importa o quanto eles se entreguem num determinado momento, sua atenção sonhadora deve fazer com que possam emergir.
Comecei tudo de novo, em outra busca nos sonhos. Dessa vez o objetivo era mais escorregadio do que da primeira, e a dificuldade era ainda maior. Exatamente como acontecera na primeira tarefa, eu não conseguia ter idéia do que fazer. Sentia a suspeita desencorajante de que toda a prática que eu tivera não me ajudaria dessa vez. Depois de incontáveis fracassos desisti e decidi simplesmente continuar a fixar minha atenção sonhadora em todos os itens dos sonhos. A aceitação dessa incapacidade pareceu me dar um impulso, e tomei-me ainda mais capaz de manter a visão de qualquer item de meus sonhos.
A Arte de sonhar – pág. 58
- Sonhar é manter o posicionamento para o qual o ponto de aglutinação mudou nos sonhos. Esse ato cria uma carga energética especial que atrai a atenção deles. É como isca para peixe; eles vão atrás. Os feiticeiros, ao atravessar os dois primeiros portões do sonhar, lançam a isca para esses seres e obrigam-nos a aparecer.
Atravessando os dois portões você fez com que eles notassem sua isca. Agora precisa esperar um sinal.
- Que sinal vai ser, Dom Juan?
- Possivelmente o aparecimento de um deles, se bem que parece cedo demais. Sou de opinião que o sinal deles será simplesmente alguma interferência em seu sonhar. Acredito que os choques de medo que você está experimentando atualmente não sejam indigestão, e sim choques de energia mandados pelos seres inorgânicos.
- O que devo fazer?
- Deve medir suas expectativas.
Não entendi o que ele quis dizer, e ele explicou cuidadosa mente que nossa expectativa normal, ao entrarmos em interação com os humanos ou com outros seres orgânicos, é receber uma resposta imediata à nossa solicitação. Os seres inorgânicos, entretanto, são separados de por uma barreira gigantesca: a energia que se move a diferentes velocidades. Os feiticeiros devem levar em conta essa diferença, medir suas expectativas e manter a solicitação pelo tempo necessário para que ela seja confirmada.
A Arte de sonhar – pág. 63
- Os sonhadores, querendo ou não, buscam em seus sonhos associações com outros seres. Isso pode ser um choque para você, mas os sonhadores automaticamente buscam grupos de seres; nexos de seres inorgânicos, neste caso. Os sonhadores procuram-nos avidamente.
- Isso é muito estranho, Dom Juan. Por que os sonhadores fazem isso?
- Para nós a novidade são os seres inorgânicos. E a novidade para eles é a nossa maneira de cruzar as fronteiras até o seu reino. De agora em diante você deve ter em mente que os seres inorgânicos, com sua consciência soberba, exercem uma tremenda atração sobre os sonhadores e podem facilmente transportá-los para mundos além de qualquer descrição.
"Os feiticeiros da antigüidade usavam-nos, e foram eles que cunharam o nome: aliados. Seus aliados lhes ensinaram a mover o ponto de aglutinação para fora dos limites do ovo, para o universo não-humano. Quando transportam um feiticeiro, eles transportam-no para mundos além do domínio humano.”
Enquanto ouvia fui assolado por estranhos medos e dúvidas, que ele captou de imediato.
- Você é um homem religioso até não poder mais - e riu.
- Bom, está sentindo o bafo do diabo na nuca. Pense nesses termos sobre o sonhar: sonhar é perceber mais do que acreditamos que é possível perceber.
Enquanto estava acordado eu me preocupava com a possibilidade de os seres inorgânicos realmente existirem. Quando sonhava, entretanto, minhas preocupações conscientes não tinham muita importância. Os choques de medo físico prosseguiram, mas vinham sempre seguidos por uma estranha calma; uma calma que assumia o controle sobre mim e deixava que eu procedesse como se não tivesse qualquer medo.
A Arte de sonhar – pág. 65
- Onde ficam esses mundos, Dom Juan? Em posicionamentos diferentes do ponto de aglutinação?
- Certo. Em posicionamentos diferentes do ponto de aglutinação, mas posicionamentos aos quais os feiticeiros chegam com um movimento do ponto de aglutinação, não com um deslocamento. Entrar nesses mundos é o tipo de sonhar que apenas os feiticeiros de hoje em dia fazem. Os feiticeiros antigos ficaram longe dele, porque é necessário um grande desprendimento e nenhuma auto-importância. Um preço que eles não podiam se dar ao luxo de pagar.
"Para os feiticeiros que o praticam atualmente, o sonhar é a liberdade de perceber mundos além da imaginação.”
- Mas qual é o sentido de perceber isso tudo?
- Hoje você já fez essa mesma pergunta. Você fala como um legítimo mercador. Qual é o risco? você pergunta. Qual é a percentagem de lucro para meu investimento? Isso vai me tornar melhor?
"Não há como responder a isso. A mente mercadora faz comércio. Mas a liberdade não pode ser um investimento. Liberdade é uma aventura sem fim, onde arriscamos nossas vidas e muito mais por alguns momentos e alguma coisa além dos mundos, além de pensamentos ou sentimentos.”
A Arte de sonhar – pág. 97
- Quero dizer que não é verdadeiro falar, por exemplo, que o segundo portão é alcançado e atravessado quando um sonhador aprende a acordar em outro sonho, ou quando um sonhador aprende a mudar de sonhos sem acordar no mundo da vida cotidiana.
- Por que não é verdadeiro, Dom Juan?
- Porque o segundo portão do sonhar é alcançado e atravessado somente quando o sonhador aprende a isolar e a seguir os batedores da energia estranha.
- Então por que se dá a idéia de mudar de sonhos?
- Acordar em outro sonho ou mudar de sonho é o exercício imaginado pelos feiticeiros antigos para treinar a capacidade do sonhador isolar e seguir um batedor.
Dom Juan afirmou que a capacidade de seguir um batedor era uma grande realização, e que quando os sonhadores conseguem fazê-lo, o segundo portão é escancarado e o universo que existe por trás dele torna-se acessível. Enfatizou que esse universo está lá todo o tempo, mas que não podemos chegar a ele porque não temos habilidade energética e que, em essência, o segundo portão
do sonhar é a porta para o mundo dos seres inorgânicos, e o sonhar é a chave que abre essa porta.
A Arte de sonhar – pág. 125
O caminho do sonhar é cheio de armadilhas, e evitar essas armadilhas ou cair nelas é o problema pessoal e individual de cada sonhador, e devo acrescentar que é um problema definitivo.
- E essas armadilhas são o resultado de sucumbir à adulação ou às promessas de poder?
- Não somente de sucumbir a isso, mas de sucumbir a qualquer coisa oferecida por eles, além de um determinado ponto.
- E qual é esse certo ponto, Dom Juan?
- O ponto depende de nós como indivíduos. O desafio é cada um de nós pegar apenas o que for necessário naquele mundo, e nada mais. Saber o que é necessário é a virtude dos feiticeiros; mas pegar apenas o necessário é sua maior realização. Deixar de compreender essa regra simples é o meio mais seguro de despencar numa armadilha.
- O que acontece quando se cai, Dom Juan?
- Se você cair, você paga o preço, e o preço depende das circunstâncias e do tamanho da queda. Mas realmente não há meio de falar de uma eventualidade dessas, porque não estamos enfrentando um problema de punição. Aqui o que está em jogo são
correntes energéticas; correntes energéticas que criam circunstâncias mais apavorantes do que a morte. Tudo no caminho dos feiticeiros é questão de vida ou morte, mas no caminho do sonhar essa questão é multiplicada por cem.
A Arte de sonhar – pág. 127
O terceiro portão do sonhar é alcançado quando você se pega num sonho olhando para outra pessoa adormecida. E descobre que essa pessoa é você mesmo - disse Dom Juan.
Meu nível de energia estava tão alto, na época, que passei a trabalhar imediatamente na terceira tarefa, apesar de ele não me oferecer mais nenhuma informação além do que dissera. A primeira coisa que percebi, no treinamento de sonhar, foi que um jorro de energia imediatamente rearrumou o foco de minha atenção sonhadora. Ela estava direcionada para que eu acordasse num sonho e me visse dormindo; viajar ao mundo dos seres inorgânicos não estava mais em questão.
Logo depois me encontrei num sonho, olhando para mim mesmo adormecido. Imediatamente informei a Dom Juan. O sonho acontecera enquanto eu estava em sua casa.
- Existem duas fases em cada portão do sonhar - disse ele. - A primeira, como você sabe, é chegar ao portão; a segunda é atravessá-lo. Sonhando o que sonhou, que se viu dormindo, você chegou ao terceiro portão. A segunda fase é movimentar-se assim que vir você mesmo dormindo.
"No terceiro portão do sonhar - prosseguiu ele - você começa deliberadamente a fundir sua realidade de sonho com a realidade do mundo cotidiano. Esse é o exercício, e os feiticeiros chamam-no de completar o corpo energético. A fusão entre as duas realidades tem de ser tão absoluta que você precisa ser mais fluido do que nunca. Examine tudo no terceiro portão com grande cuidado e curiosidade.”
Reclamei, dizendo que essas recomendações eram cifradas demais, e não faziam qualquer sentido para mim.
- O que quer dizer com grande cuidado e curiosidade? perguntei.
- No terceiro portão nossa tendência é ficarmos perdidos nos detalhes. Ver as coisas com grande cuidado e curiosidade significa resistir à tentação quase irresistível de mergulhar no detalhe.
"O exercício no terceiro portão, como eu disse, é consolidar o corpo energético. Os sonhadores começam a forjar o corpo energético fazendo os exercícios do primeiro e do segundo portão. Quando chegam ao terceiro, o corpo energético está pronto para sair, ou talvez seja melhor dizer que ele está pronto para agir. Infelizmente isso também significa que está pronto para ficar hipnotizado pelos detalhes.
- O que significa ficar hipnotizado pelos detalhes?
- O corpo energético é como uma criança que ficou presa durante toda a vida. No momento em que se liberta ela chafurda em tudo que pode encontrar, e estou falando de tudo, mesmo. Cada detalhe minúsculo e irrelevante absorve totalmente o corpo energético.
A Arte de sonhar – pág. 160
- O que é um mundo real, Dom Juan?
- Um mundo que gera energia; o oposto de um mundo fantasmagórico de projeções, onde nada gera energia; como na maioria de nossos sonhos, onde nada tem efeito energético.
Dom Juan me deu outra definição do sonhar: é um processo através do qual os sonhadores isolam condições de sonho em que podem encontrar elementos geradores de energia. Ele deve ter percebido meu espanto. Riu e deu outra definição ainda mais enrolada: sonhar é o processo através do qual intentamos encontrar posicionamentos adequados do ponto de aglutinação, posicionamentos que permitem que percebamos itens geradores de energia em estados de aparência onírica.
Explicou que o corpo energético também é capaz de perceber energias muito diferentes da energia de nosso mundo. Como no caso dos itens do reino dos seres inorgânicos, que o corpo energético percebe como energia crepitante. Acrescentou que em nosso mundo nada crepita; aqui tudo ondula.
- De agora em diante - falou - a questão em seu sonhar será determinar se os itens nos quais você concentra sua atenção sonhadora são geradores de energia ou meras projeções fantasmagóricas, ou se são geradores de energia alienígena.
A Arte de sonhar – pág. 184
- Estou dizendo isso tudo porque agora você está, pela primeira vez, na posição adequada para entender que o sonhar é uma condição geradora de energia. Pela primeira vez você pode entender que os sonhos comuns são os dispositivos usados para treinar o ponto de aglutinação a alcançar o posicionamento que
cria essa condição geradora de energia, que chamamos de o sonhar.
Avisou-me que, como os sonhadores entram em mundo reais - para todos os efeitos inclusivos - eles devem ficar num estado de alerta contínuo e intenso; já que qualquer desvio do estado de alerta absoluto põe o sonhador em perigos mais do que apavorantes.
Nesse ponto comecei de novo a experimentar um movimento na cavidade torácica, exatamente como sentira no dia em que minha consciência mudara de nível sozinha. Dom Juan sacudiu meu braço com força.
- Veja o sonhar como uma coisa extremamente perigosa! - ordenou. - E comece isso agora! Não venha com nenhuma de suas manobras suspeitas.
Seu tom de voz foi tão insistente que parei o que quer que estivesse inconscientemente fazendo.
- O que está acontecendo comigo, Dom Juan?
- O que está acontecendo é que você consegue deslocar o ponto de aglutinação rápida e facilmente. Mas essa facilidade tem a tendência de tornar o deslocamento errático. Controle sua facilidade. E não se permita nem mesmo um milímetro de folga.
A Arte de sonhar – pág. 194
- A primeira parte desta lição do sonhar é que a masculinidade e a feminilidade não são estados definitivos, e sim o resultado de um ato específico de posicionamento do ponto de aglutinação. E esse ato de rearrumar o ponto de aglutinação é, naturalmente, questão de vontade e treinamento. Como era um tema caro aos feiticeiros da antigüidade, apenas eles podem lançar alguma luz sobre isso.
Talvez porque fosse a única coisa racional a fazer, comecei a discutir com Dom Juan.
- Não posso aceitar nem acreditar no que está dizendo falei sentindo o calor me subir ao rosto.
- Mas você viu a mulher - respondeu Dom Juan. - Acha que tudo isso é um truque?
- Não sei o que pensar.
-" Aquele ser na igreja é uma mulher verdadeira - ele disse num tom decidido. - Por que isso deveria perturbá-lo tanto? O fato dela ter nascido como homem somente atesta o poder das maquinações dos feiticeiros antigos. Isso não deveria surpreendê-lo. Você já incorporou todos os princípios da feitiçaria.”
Minhas entranhas estavam em vias de explodir de tensão. Num tom acusatório Dom Juan disse que eu só estava querendo discutir. Com paciência forçada e pomposidade real expliquei a ele o fundamento biológico do masculino e do feminino.
- Eu compreendo tudo isso - ele disse. - E você está certo no que está falando. Sua falha é tentar universalizar suas avaliações.
- Nós estamos falando é de princípios básicos - gritei. Eles serão pertinentes para o homem aqui ou em qualquer outro lugar do universo.
- Certo, certo - ele disse em voz baixa. - Tudo que você está dizendo é verdade enquanto nosso ponto de aglutinação permanecer em seu posicionamento habitual. Mas no momento em que ele se desloca para além de certas fronteiras, e nosso mundo cotidiano não funciona mais, nenhum dos princípios que você nutre com carinho tem esse valor absoluto do qual está falando.
A Arte de sonhar – pág. 233
A arte de sonhar é a capacidade de utilizar nossos sonhos comuns e transformá-los numa consciência controlada por uma forma especial de atenção chamada a atenção sonhadora.
A roda do tempo, pág. 196
- Não, não é sonhar - disse ele enfaticamente. - Isto é algo mais direto e mais misterioso. Aliás, tenho uma nova definição de sonhar para você hoje, mais de acordo com seu estado de ser. Sonhar é o ato de mudar o ponto de ligação com o mar escuro da consciência. Se você olhar para isso dessa forma, é um conceito e uma manobra muito simples. Requer tudo de você para percebê-lo, mas não é uma impossibilidade nem algo cercado de nuvens místicas.
"Sonhar é um termo que sempre me incomodou muito, porque enfraquece um ato muito poderoso. Faz com que pareça arbitrário; dá uma sensação de ser uma fantasia, e isso é a única coisa que não é. Tentei mudar o termo eu mesmo, mas ele está muito arraigado. Talvez algum dia você mesmo possa mudá-lo, apesar de que, como em tudo na feitiçaria, temo que quando você realmente puder fazê-lo não se importará mais com isso porque não fará mais nenhuma diferença como chamá-lo."
Dom Juan explicara amplamente, durante todo o tempo que eu o conheci, que sonhar era uma arte, descoberta pelos feiticeiros do México antigo, por meio da qual os sonhos comuns eram transformados em entradas legítimas para outros mundos de percepção. Sustentava, de todas as maneiras que podia, o advento de algo que ele chamava de atenção do sonhar, que era a capacidade de dar um tipo de atenção especial, ou de colocar um tipo especial de consciência nos elementos de um sonho comum.
Seguira meticulosamente todas as suas recomendações e tinha conseguido comandar minha consciência para permanecer fixada nos elementos de um sonho. A idéia que Dom Juan propunha era não começar deliberadamente a ter um sonho desejado, mas de fixar a atenção nos elementos componentes de qualquer sonho que se apresentasse.
Depois Dom Juan mostrara-me energeticamente o que os feiticeiros do México antigo consideravam ser a origem do sonhar: o deslocamento do ponto de aglutinação. Disse que o ponto de aglutinação se deslocava muito naturalmente durante o sono, mas ver o deslocamento era um tanto difícil porque requeria um temperamento agressivo, e que esse temperamento agressivo tinha sido a predileção dos feiticeiros do México antigo. Aqueles feiticeiros, segundo Dom Juan, encontraram todas as premissas de suas feitiçarias através desse humor.
O Lado Ativo do infinito, pág. 221
"Visto que sonhar, para a mulher, é uma questão de ter energia à sua disposição, o importante é convencê-la da necessidade de modificar a sua socialização profunda a fim de adquirir essa ener
gia. O ato de utilizar essa energia é automático; as mulheres sonham sonhos de feiticeiros no instante em que têm a energia.
Ela confessou que uma consideração séria a respeito dos sonhos de feiticeiros, que surgia de suas próprias falhas, era a dificuldade de incutir nas mulheres a coragem para abrir caminho num novo campo. A maioria das mulheres - e ela afirmou que era dessas prefere seus grilhões seguros ao pavor de novos.
- Sonhar é só para as mulheres corajosas - murmurou ela, em meu ouvido. Depois deu uma gargalhada e acrescentou: - Ou para as mulheres que não têm outra opção, porque suas circunstâncias são insuportáveis - categoria a que pertence a maioria das mulheres, mesmo sem o saber.
O som de sua risada áspera teve um efeito estranho sobre mim. Senti como se, de repente, tivesse acordado de um sonho profundo e me lembrei de uma coisa de que me esquecera inteiramente enquanto dormia.
Sonhos Lúcidos, pág. 256
- Como é que partilhamos os nossos sonhos? - tomei a perguntar.
Zuleica parou de se balançar. Sacudiu a cabeça e, depois, levantou os olhos, num sobressalto, como se tivesse acordado de repente.
- É impossível eu explicar isso agora - declarou ela. - Sonhar é incompreensível. A gente tem de alimentar isso e não discuti-lo. Como no mundo cotidiano, antes de explicar e analisar alguma coisa, é preciso experimentá-lo. - Ela falava devagar e com ponderação. Reconheceu que é importante explicar à medida que se avança. - No entanto, por vezes, as explicações são prematuras. Esta é uma dessas ocasiões. Um dia tudo isso fará sentido para você - prometeu Zuleica, vendo a decepção em meu rosto.
Sonhos Lúcidos, pág. 263
- Agora estou sonhando!
Aquela declaração pronunciada em voz alta deslanchou alguma coisa dentro de mim; uma nova avalancha de recordações diferentes me inundou. Sabia o que havia de errado comigo: tinha errado e não tinha energia para sonhar. Todas as noites, desde a minha chegada, sonhara o mesmo sonho, de que me esquecera até aquele momento. Sonhara que as feiticeiras iam ao meu quarto e me exercitavam nos raciocínios dos feiticeiros. Elas me disseram, vezes e mais vezes, que sonhar é a função secundária do útero sendo a primeira a reprodução e o que estiver relacionado com isso. Disseram-me que sonhar é uma função natural nas mulheres, corolário puro da energia. Tendo suficiente energia, o corpo da mulher, por si só, desperta as funções secundárias do útero, e a mulher sonhará sonhos inconcebíveis.
No entanto, essa energia necessária é como o auxilio a um país subdesenvolvido: não chega nunca. Alguma coisa na ordem geral de nossas estruturas sociais impede que essa energia se libere para que as mulheres possam sonhar.
Se essa energia fosse livre, as feiticeiras me disseram, chegaria a derrubar a ordem "civilizada" das coisas. Mas a grande tragédia das mulheres é que a sua consciência social domina completamente a sua consciência individual. As mulheres têm medo de serem diferentes e não querem se afastar demais dos confortos do conhecido.
As pressões sociais impostas a elas, para não se desviarem, são fortes demais e, em vez de mudarem, concordam com o que lhes foi ordenado: as mulheres existem para estar às ordens dos homens. Assim, nunca podem sonhar sonhos de feitiçaria, embora possuam disposição orgânica para tal. A feminilidade destruiu as oportunidades das mulheres
Sonhos Lúcidos, pág. 263
"O melhor modo de desdobrar nossa percepção é através do ensonhar. Como método, o ensonhar é igualmente simples, mas menos arriscado; é mais inclusivo e, principalmente, muito mais natural.
"O objetivo do aprendiz é tomar as rédeas de seu ponto de aglutinação. Uma vez que consegue deslocá-lo, está obrigado a repetir esses movimentos sem ajuda externa, por meio de disciplina e impecabilidade. Então pode ser dito que o guerreiro encontrou um aliado".
Encontros com o Nagual, pág. 122
Explicou que a fixação do ponto de aglutinação consome enormes quantidades de energia e produz uma visão estática do mundo. A energia processada desse modo se esparrama por toda nossa luminosidade e termina acumulando-se em suas bordas, onde forma massas densas que criam um reflexo do eu. Em tais circunstâncias, mover essa fixação se torna uma tarefa exaustiva.
"Para romper a armadilha da fixação é válido, em princípio, apelar a qualquer recurso. Na maioria dos casos, só um empurrão proveniente do exterior pode provocar em uma pessoa o movimento do ponto de aglutinação. Quando nós temos muita, mas muita sorte, esse empurrão nos chega pelo golpe de um nagual.
"Uma vez conseguido o deslocamento inicial, o guerreiro dever lutar pelo domínio de sua atenção, e deve fazê-lo por meio do exercício do intento e a prática do ensonho. Ensonhar é a porta de escape para a raça humana e é a única coisa que dá à nossa existência sua dimensão apropriada"
Encontros com o Nagual, pág. 124








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