segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A Preocupação


Eu me lembro da primeira vez em que o Dalai Lama veio ao Brasil, uma moça perguntou a ele o que fazer com as preocupações da vida: “- Vocês ocidentais se preocupam muito com as coisas. Primeiro tem que se ocupar com as coisas. Vocês levam a vida muito a sério. A vida é só um palco. Não é para ser levada tão a sério.”
É isso mesmo, uma pré-ocupação. Antes mesmo de se ocupar, você se pré-ocupa, antes da coisa acontecer. Tudo no mental. Quando a ação acontece, você já a esmiuçou pelo avesso, gastando uma energia descomunal. Don Juan, um índio tolteca, definia impecabilidade para Castaneda como gastar o mínimo de energia para fazer e conseguir algo. Às vezes a coisa nem acontece como você planejou, ora essa, acontece até melhor do que você previu, mas a energia já foi gasta com a preocupação...
Você se flagra discutindo com o outro sobre algo que ainda nem aconteceu, porque no seu diabólico diálogo mental já sabe que ele vai encrencar justo ali, naquele ponto importante. Você não abre mão, é óbvio, porque além de ele ser um incapaz, um idiota, é uma questão de princípio, e você que é muito mais competente...  e por aí vai. Um inferno. O inferno chama-se ego e tem endereço conhecido, mora dentro do nosso mental.
Lembrei-me de um dia, numa reunião de um grupo de busca interior em que se falava de auto importância, e um companheiro argentino saiu com uma tirada hilária, desapegada e autocrítica, quando alguém perguntou “O que é o ego?”, ele respondeu no ato, “O ego é aquele argentino que mora dentro de nós”, finíssimo... um buscador que sabia rir de si mesmo, uma raridade.
Mas temos que distinguir as coisas: não há nada contra planejar antecipadamente uma ação na empresa, no seu projeto de vida, casamento, viagem, profissão. Isto deve ser feito sempre. É uma forma válida de organizar o futuro, isto é planejar, visualizar cenários, prever soluções caso isso ou aquilo aconteça ou não. Ótimo, você vai estar um passo à frente, mas sem angústia, sem apego, sem pré-ocupação, sem ego, sem ponte de safena....
Agora, nesse instante, na ação seja ela qual for, a gente deveria estar atento mas relaxado, solto, fluindo, ocupando o seu corpo, sentindo a tensão se houver, sentindo a respiração e de olho no mental, esse macaco louco que puseram dentro da gente. Mesmo numa reunião difícil dá pra fazer isso, é só treino. É fácil? Não. Mas se você praticar vai ser fácil um dia.
O chefe índio Seattle, em sua carta maravilhosa aos invasores americanos, dava uma aula disso, dizia que o índio se esgueirava “pisando no solo da floresta, atento, espreitando, sentindo a Mãe Terra com os pés e, ao mesmo tempo, orando para ela, com respeito e amor.” É disso que estamos falando, de ocupar o corpo com a atenção. Encarnar. Esta sim é a nossa lição de casa. O remédio contra a preocupação é  a meditação, é fazer a mente voltar para casa, o corpo. Curiosamente é a mesma receita para a meditação.

3 comentários:

  1. Nossa meu, este texto é bem preciso. Gostoso de ler porque é como mãos do universo te sacudindo, acorda, acorda... O negócio é ter energia para segurar a atenção no corpo. Vc se lembra de si e dali a poucos segundos já não está mais. Beleza, é treinar para aumentar esses segundos de intervalo.
    Obrigada por este texto. Luara

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  2. Oi nega
    Você pegou o pião na unha. Foi feito de encomenda para você, eu, o seu Manoel da padaria, a torcida do Corinthians e o gênero humano (acho que não esqueci de ninguém, ne?)
    Grande beijo

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  3. Arnaldo Preto,belo texto.... nosso ego está diretamente ligado com nossa ação, como gerenciamos e administramos, é muito dificil o ego sair do script, como vc. disse "só com muito treino"

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